quarta-feira, 20 de novembro de 2013

ESSA HISTÓRIA TEM DE MARCAR

ZERO HORA 20 de novembro de 2013 | N° 17620

MAURICIO TONETTO

ENTREVISTA

Ao ver o Corsa dirigido por Diego Alberto Joaquim da Silva, 29 anos, se aproximar rápido da sua EcoSport na esquina das avenidas Pernambuco e Brasil, em Porto Alegre, Eudon Moraes, 50 anos, só teve tempo de gritar “meninas” e pisar no acelerador para escapar de uma colisão violenta. O reflexo foi decisivo, segundo ele, para evitar a morte de todos os ocupantes do carro. Além de Bruna Lopes Capaverde, 15 anos – que não resistiu ao choque, na madrugada de sábado –, estavam no veículo a filha de Moraes e outra adolescente:

– A sinaleira abriu, fui devagarinho, olhei a esquina e, quando percebi, vinha aquela coisa em alta velocidade. Ele ia matar todo mundo, ia pegar no meio do meu carro.

Eudon foi o pai escolhido para buscar as garotas depois de uma festa no bairro Navegantes, às 5h30min. Eles faziam um revezamento para garantir a segurança das jovens na saída das baladas. Conforme relatos colhidos pela Polícia Civil, o Corsa teria cruzado o sinal vermelho e fugido, sendo achado minutos depois por agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) na Avenida Castelo Branco, próximo à ponte do Guaíba. Diego foi detido por 12 horas no Presídio Central, mas está solto.

– É um peso que ele nunca vai tirar da cabeça – avalia Moraes.

A seguir, a entrevista que o pai concedeu a ZH:

Zero Hora – O que o senhor lembra do acidente?

Eudon Moraes – Ele só podia estar em alta velocidade. Eu paro em todos os sinais vermelhos, e a sinaleira já estava aberta para mim. Fui devagarinho, olhei a esquina e, quando percebi, vinha aquela coisa em alta velocidade. Só deu tempo de gritar “meninas” e me atirar para um canto. Ele ia matar todo mundo, ia pegar no meio do meu carro. Ele nem viu o sinal vermelho.

ZH – Qual foi sua reação ao perceber isso?

Moraes – Meu carro é automático, pisei fundo no acelerador para fugir dele mas, mesmo assim, me pegou na roda de trás. Ele desviou para o meu lado e fui jogado contra os pilares. O carro fez uma catapulta e voou em um poste. Me sinto responsável.

ZH – Em que velocidade o senhor estava na hora do acidente?

Eudon Moraes – A uns 40 km/h, no máximo 50 km/h. Recém tinha entrado na avenida. Os peritos me mostraram que ele pegou a minha roda traseira, quase escapei.

ZH – Após a colisão no veículo, o que o senhor fez?

Moraes – Empurrei o cinto, chutei a porta e saí para olhar as meninas. A que estava atrás do meu banco (a Bruna) eu não enxergava, as outras estavam bem. Fiz a volta no carro e vi que ela estava desacordada, mas o coração batia. Fiquei segurando a cabecinha dela, esperando a ambulância. Foram uns 10 minutos de muita angústia.

ZH – As meninas estavam usando cinto de segurança?

Moraes – Eu mandei todas colocarem, sou até meio paranoico com isso, mas não sei se todas obedeceram. O Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (Samu) teve de cortar o cinto de uma delas para fazer o atendimento.

Zero Hora – O que o senhor gostaria de dizer para o motorista do Corsa que o atingiu?

Moraes – Nem quero nem ver a fisionomia dele, o baque foi muito grande. A Bruna vivia dormindo na minha casa com a minha filha. As pessoas fazem loucuras, mas devem arcar com as consequências. Essa vai sair caro. É um peso que ele nunca mais vai tirar da cabeça. Essa história tem de marcar de alguma forma.

ZH – Por que o senhor disse que se sente responsável?

Moraes – Eu sei que não tenho culpa, mas elas estavam sob minha guarda. O inconsciente fica me martelando, cada um tem seu tempo. A Bruna era a melhor amiga da minha filha, elas viviam juntas. Está muito difícil.

ZH – O que o senhor pretende fazer daqui para frente?

Moraes – Me engajar em campanhas contra a violência no trânsito e meter a cara no trabalho para esquecer. Eu trabalho com seguro de cargas em acidentes de caminhão, achei que estava preparado para algo assim, mas não. Vou ter de levar, não posso parar para pensar.







Barulho do impacto indica alta velocidade


A Polícia Civil obteve de estabelecimentos comerciais do bairro Navegantes as imagens da colisão entre o Corsa e a EcoSport na madrugada de sábado. Elas foram enviadas ao Instituto Geral de Perícias (IGP), que fará uma simulação para estimar a aceleração dos veículos. Segundo o delegado Wagner Dalcin, que esteve no local minutos depois do acidente e conversou com moradores, os indícios apontam para imprudência:

– Pelo fato de ter gerado a capotagem, provavelmente ele (Corsa) estava em alta velocidade. O barulho do impacto dá uma noção. As testemunhas disseram que foi um som forte.

O trabalho do IGP é fundamental para determinar se Diego será indiciado por homicídio doloso, com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).

– Dá para ver o acidente. Estamos depurando a imagem. É complicado quando as câmeras são de baixa qualidade, por isso solicitei que o IGP faça o parâmetro. Antes da batida não tem marca de frenagem na pista – explica Cristiano Reschke, da Delegacia de Homicídios de Trânsito.

Roberta Rycembel advogada de Diego da Silva, condutor do Corsa, nega que seu cliente tenha fugido após o acidente e que ele estivesse embriagado. Relatos de testemunhas, incluindo PMs e agentes da EPTC, dão conta de que o suspeito apresentava sinais de consumo de bebidas alcoólicas. Como ele se negou a fazer o teste do bafômetro, foi encaminhado para exame clínico, e o médico observou “hálito duvidoso”.

– Foi uma fatalidade. O Diego não estava embriagado, e não houve fuga. Isso será analisado em um segundo momento. Agora, ele quer manter o direito de ficar em silêncio. Vamos aguardar a perícia e os laudos. Ele me relatou que estava trafegando e viu uma luz forte do outro veículo e tirou a mão da direção. Em seguida, se viu andando e estacionou. Para dizer que ele passou no sinal vermelho, tem de provar – diz Roberta.

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