quarta-feira, 30 de abril de 2008

Quando a sorte acaba, a morte chega


Ary Faria Marimon Filho - artigo publicado em ZH 30/04/2008

"Corpo em frangalhos" é o título da reportagem final de Carlos Wagner sobre os "Camicases do asfalto", série de textos de Zero Hora publicada há alguns dias. O repórter, como de costume, consegue traçar uma radiografia da situação caótica vivenciada pelos motoristas de caminhão nas estradas do país e da América Latina. A utilização de medicamentos e drogas para postergar o sono, a absurda jornada de trabalho e a vida sedentária de alguém que nunca pára de trabalhar têm levado motoristas de caminhão a adoecer e morrer, quando não sozinhos e subitamente, também levando junto quem estiver em seu caminho.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de julho de 2007, revelam que um caminhoneiro a cada cinco minutos acidentou-se apenas em estradas federais do país. Em 2004, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, 1.529 motoristas de caminhão perderam a vida em seu trabalho. E quando cada um destes morreu, quase sempre levou alguém consigo. Recentemente, em ação civil pública movida perante a 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis (MT), houve deferimento de liminar que definia o limite de jornada diária em oito horas com obrigatoriedade de controle horário através de documentos e multa pelo descumprimento destas duas simples medidas. Depois, a liminar foi cassada pelo TRT daquele Estado. No entanto, houve manifestações dos próprios motoristas atingidos pela limitação, pois teriam que permanecer "parados" 16 horas por dia, além de ultrapassar os limites de velocidade para cumprirem os prazos de entrega.

Interessante notar que o transporte de passageiros já encontrou alternativa para esse problema: quando a viagem é longa, viajam, obrigatoriamente, dois motoristas, que se revezam na condução do veículo. A carga, entretanto, valiosa e, por vezes, perecível, inanimada ou não, precisa ser entregue em prazo rápido e com segurança, para isso não importando se o condutor do caminhão trabalha 18 ou 20 horas por dia, dormindo no acostamento ou em postos de gasolina, quando não, tragicamente, ao volante. Já que no mundo globalizado o custo operacional é componente indispensável para aferir a competitividade, seria interessante pesar na balança dos custos do frete o quanto se gasta com a perda de vidas nas estradas do país. Chegar-se-á à conclusão de que colocar dois motoristas em cada caminhão é infinitamente menos custoso do que arcar com as indenizações decorrentes de acidentes de trânsito nas ruas e estradas deste país, porque, como dizem "os motoristas de carga horária", "quando a sorte acaba a morte chega".

ARY FARIA MARIMON FILHO | Presidente da Amatra IV