quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

LIBERDADE POLÊMICA


Decisão de juiz é alvo de debate - ZERO HORA 04/01/2012

A liberdade concedida à modelo e ao suplente de vereador envolvidos no acidente que causou a morte de duas pessoas gerou controvérsia no meio jurídico e protestos por parte de parentes das vítimas, principalmente pelo fato de a jovem apresentar sinais de embriaguez e dirigir sem habilitação

Ao colocar em liberdade a modelo e o suplente de vereador envolvidos no acidente que vitimou duas pessoas no Litoral Norte, no domingo, o juiz Ademar Nozari, de Capão da Canoa, reacendeu o debate sobre a prisão preventiva de motoristas envolvidos em colisões com mortes.

Enquanto para juristas o magistrado agiu dentro da lei ao conceder a liberdade provisória à modelo Tatieli da Silva Costa e ao suplente de vereador Paulo Afonso da Rosa Corrêa Júnior, ambos de 27 anos, o Ministério Público avalia que a decisão gera sensação de impunidade.

Apontados pela Polícia Civil como responsáveis pelo acidente que matou a bailarina Alaíde da Silva Linck, 28 anos, e o taxista Ivo Ferrazo, 63 anos, na Estrada do Mar, em Xangri-lá, a modelo e o político ganharam a liberdade por terem bons antecedentes e por não haver indícios de que possam atrapalhar o andamento do processo.

– Não há motivos concretos para mantê-los presos. Ao contrário do senso comum, a gravidade do fato, em si, não motiva a prisão – resumiu o juiz.

Professor da Pós-graduação em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Rodrigo de Azevedo lembra que prisão preventiva é exceção. Só encontra justificativa para não prejudicar o andamento do processo.

O professor entende o clamor popular, que exige punição imediata, mas lembra que o Código de Processo Penal tem o seu ritmo e as suas normas – não pode ser atropelado. Além do mais, pondera que a liberdade é provisória, não significa que haverá impunidade.

O ex-desembargador Marco Aurélio Moreira de Oliveira também concorda. Diz que todos devem merecer a presunção da inocência, antes que sejam julgados e recebam a sentença de mérito.

– A decisão do juiz é tecnicamente incriticável – assegura Marco Aurélio.

Na avaliação do MP, no entanto, a dimensão do fato ocorrido no litoral enseja, sim, o pedido de prisão dos envolvidos. Somado à gravidade, o risco de fuga da modelo para a Europa, onde também teria residência, e a repercussão provocada pelas duas mortes respaldariam o encarceramento de Tatieli e Corrêa. Posição que levará o MP a recorrer da decisão.

– Ela assumiu o risco dirigindo sem habilitação. E tinha sinais de embriaguez – ressalta a promotora Caroline Gianlupi.

O procurador-geral de Justiça, Eduardo de Lima Veiga, alinha-se entre os favoráveis à prisão preventiva. Ressalva que o juiz não se equivocou no seu embasamento. Mas também acertaria, e duplamente, se adotasse uma interpretação “sob a ótica da sociedade”. Lima Veiga recorda que a posição do magistrado de Capão da Canoa é idêntica à empregada no caso do banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola, que fugiu para a Itália ao não ter a prisão preventiva decretada.

– Quando o réu está preso, todos têm o interesse, e o dever, de fazer o processo chegar ao fim, principalmente quando o fato é de notória repercussão – afirma.

Enquanto o embate jurídico prosseguia ontem no fórum de Capão da Canoa, a modelo e o político seguiam internados no Hospital São Vicente, em Osório, sem previsão de alta. O traumatologista Marco Aurélio Faviero afirma que Tatiele teve uma fratura de coluna e faria uma tomografia ainda ontem. Já Corrêa, devido ao estado de choque, foi sedado e não pode, ainda, ser avaliado.

ENTREVISTA. “A soltura gera uma sensação de impunidade”. Caroline Gianlupi, promotora de Justiça

Para a promotora Caroline Gianlupi, que deu parecer favorável ao pedido de prisão e que deve recorrer da soltura do vereador e da modelo, os envolvidos no acidente deveriam continuar presos devido à gravidade do crime e ao risco de fuga para fora do país da modelo Tatielli Costa. Confira:

Zero Hora – Quais os motivos que levaram o Ministério Público a ser favorável à manutenção da prisão dos envolvidos?

Caroline Gianlupi – O principal é a gravidade do fato. Duas vidas se perderam nesse acidente. Por si só, isso já garantiria a prisão preventiva dos dois. A soltura gera uma sensação de impunidade, mesmo que no final haja uma condenação. Além disso, há ainda risco à ordem pública na cidade, devido ao clamor social envolvendo o caso.

ZH – Em seu parecer enviado ao Judiciário, o risco de fuga da modelo é outro motivo para mantê-la presa. Essa possibilidade a preocupa?

Gianlupi – Sim. Acreditamos também que a prisão poderia assegurar a aplicação da lei penal, evitando uma possível fuga dela. Está nos autos a informação de que ela tem dupla cidadania, uma brasileira e outra portuguesa, o que poderia facilitar sua saída do país.

ZH – Como a senhora avalia a decisão do juiz Ademar Nozari, que aceitou o flagrante, mas concedeu liberdade provisória à dupla?

Caroline – Não concordamos com a decisão. Há provas suficientes de autoria do crime, de grande gravidade. Vamos entrar com um recurso na própria vara, pedindo que o juiz reconsidere. Se ele mantiver a decisão, automaticamente, o recurso é enviado diretamente ao Tribunal de Justiça para análise de desembargadores.

ZH – A defesa alega que ambos têm bons antecedentes, o que garantiria o direito de responder ao processo em liberdade.

Caroline – Isso não basta, estão presentes outros pressupostos da prisão preventiva. Volto a repetir, a gravidade do fato é um deles.

ZH – A senhora tem o mesmo entendimento do delegado Cesar Renan Rodrigues dos Santos, que indiciou a modelo e o vereador por duplo homicídio com dolo eventual e mais uma tentativa de homicídio?

Caroline – Sigo esse caminho, com os elementos que temos até agora. Amanhã novas provas podem alterar ou reforçar essa posição. A princípio, ela (Tatieli ) assumiu o risco de provocar essas duas mortes. E ele (Corrêa) também ao dar o volante a ela. Por isso, o dolo eventual. Quem bebe assume o risco de produzir qualquer resultado. Ela nem habilitação tem.


ENTREVISTA
“Liberdade provisória não é sinônimo de impunidade”
Ademar Nozari, juiz
Com 25 anos de magistratura, o juiz Ademar Nozari diz não ter visto motivos para a manter Tatielli Costa e Paulo Afonso da Rosa Corrêa presos e concedeu a liberdade de ambos. Para ele, a prisão provisória não se justificaria apenas pela gravidade do fato. Confira:

Zero Hora – Quais os motivos que levaram o senhor a soltar os envolvidos?

Ademar Nozari – Eu homologuei o flagrante, muito bem feito, mas decidi não converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, pois não haviam os pressupostos legais para mantê-los presos.

ZH – Para o Ministério Público e para a Polícia Civil, a gravidade do fato justificaria a manutenção da prisão. Por que o senhor discorda?

Nozari – Existem decisões nesse sentido, porém, a jurisprudência não segue esse entendimento. Um homicídio é sempre um fato grave e nem todos os réus ficam presos até o julgamento, certo? Não é isso que conta. Se houvesse risco de atrapalharem o processo, por exemplo, ou se tivessem envolvidos em outros fatos, meu entendimento poderia ser diferente.

ZH – A soltura não gera uma sensação de impunidade?

Nozari – O que é preciso que se entenda é que a liberdade provisória não é sinônimo de impunidade. Eles vão responder ao processo da mesma forma que se estivessem presos. E quando se mantém alguém preso por seis meses, um ano e se descobre que ele não era culpado, isso não é impunidade? A prisão antes da condenação é exceção e não regra.

ZH – Mas a prisão preventiva pode ser decretada “quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. Não seria este um caso exemplar, dadas as evidências sobre como ocorreu o acidente?

Nozari – Outro juiz poderia ter um entendimento diferente. Eu avaliei que a prisão cautelar, nesse caso, não era necessária. Também não acho que exista risco à ordem pública. Houve um clamor social, mas não a um ponto extremo, que levasse a depredações ou algo assim.

ZH – A informação de que a modelo teria dupla cidadania levou o MP a temer a possibilidade de fuga dela para a Europa. O senhor considerou o risco?

Nozari – Sim, no dia seguinte à alta médica, ambos terão de deixar os passaportes aqui. Terão de comparecer aqui sempre que intimados. Estão proibidos de deixar o país. Já comunicamos à Polícia Federal. E caso descumpram, a prisão é decretada.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Esta polêmica judicial só existe pelo arcabouço de benevolências, brechas e divergências existentes na nossas leis que possibilitam várias interpretações e posições judiciais levando a justiça a ser tolerante ou coativa, conforme o critério pessoal do juiz de cada caso. E todos ficam com a sua verdade sendo válidas e legais. É preciso mudar a constituição brasileira, reformular a legislação criminal e reformar profundamente a justiça brasileira para aproximar os juízes das partes envolvidas nos delitos e propiciar a supremacia do interesse público e da paz social sobre o direito individual e corporativo. Caso contrário, o Brasil continuará violento e os autores de crimes impunes.

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