domingo, 29 de janeiro de 2012

ESTRADAS RUINS E A INDUSTRIA DA RECUPERAÇÃO


Obras ruins sustentam indústria da recuperação, diz especialista. Gasto com novos projetos é inferior ao prejuízo provocado por acidentes em rodovias ruins. O GLOBO, 28/01/12 - 17h04

RIO - O investimento de R$ 16 bilhões previsto pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para 2012 é considerado vultoso. Mas, na avaliação do diretor-executivo da Confederação Nacional de Transportes (CNT), Bruno Batista, o país ainda destina poucas verbas para manter em bom estado as estradas. Segundo ele, parte dos recursos que deveriam ser alocados na construção de novas rodovias acaba em serviços emergenciais que antecedem a restauração das vias — como as operações tapa-buracos. Com isso, hoje o Brasil gasta mais com os prejuízos provocados pelas estradas ruins do que com a ampliação e modernização da malha rodoviária federal.

Para justificar sua afirmação, Batista usa os números de acidentes registrados em estradas federais em 2010 — as estatísticas do ano passado ainda não foram concluídas. Pelo total, foram 183 mil ocorrências, com 8.516 mortos.
— O governo gastou, em 2010, R$ 14 bilhões para cobrir os custos com os prejuízos causados pelos acidentes, grande parte motivada pelas péssimas condições das rodovias. No entanto, naquele ano, foram investidos R$ 9,8 bilhões nas estradas. Hoje se constrói muito pouco, e não se faz um trabalho preventivo, o que seria mais barato. Fazer reparos é mais caro, é o tipo da intervenção cara e de menor durabilidade — afirma Batista, ao apontar o crescimento da frota brasileira de veículos. — De 2008 a 2011, o país ganhou mais 13 milhões de veículos. Somente no ano passado, foram três milhões.

Assim como Batista, o professor da Universidade de Brasília (UnB) e engenheiro civil Deckran Berberian também afirma que gasta-se muito na manutenção das estradas. Segundo o especialista, a baixa qualidade das obras sustenta a indústria da recuperação:

— É feito para não durar.

Para a especialista em Controle da Regulação de Serviços Públicos Liliane Colares, o baixo tempo de vida útil também está ligado aos contratos previstos pela Lei de Licitações. Para ela, é necessário vincular as empresas que fazem os projetos à construção e à manutenção das vias.

De acordo com a especialista, contratos de manutenção deveriam ter prazos mais longos

— hoje duram cinco anos, enquanto o tempo de vida útil chega a uma década. E os critérios de pagamento ainda deveriam ser revistos, segundo Liliane. Atualmente, por exemplo, paga-se o serviço pelo total de buracos tapados. O ideal seria avaliar o nível de qualidade da estrada. O processo de contratação das empresas de manutenção seria semelhante ao de concessões.

Pesquisa CNT sobre a qualidade das estradas aponta a erosão como o problema mais comum, seguido por buracos de grandes proporções, barreiras que interrompem o trânsito e pontes destruídas. O total de rodovias federais e estaduais em condições precárias chega a 14%, sendo 11,2% ruins e 2,8% péssimas.



Duplicação de rodovia para a Copa não durou três meses. Primeira obra para 2014 em uma estrada em MT se desfez com asfalto de baixo custo. ANSELMO CARVALHO PINTO. 28/01/12 - 22h19

CUIABÁ. Festejada como a primeira obra de infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014, a duplicação de 17 quilômetros de rodovia entre Cuiabá e Chapada dos Guimarães transformou-se em um mico para o governo de Mato Grosso. Liberada para o tráfego em fevereiro de 2011, a estrada começou a apresentar trechos esburacados menos de três meses depois. Os problemas chamaram a atenção do Ministério Público Estadual, que abriu um procedimento investigatório.

O inquérito só não resultou em uma ação judicial porque a empresa responsável pela obra se antecipou e fez os reparos, após a repercussão na imprensa. Em vários trechos, o asfalto praticamente se desfez. Em outros, técnicos constataram a total ausência de drenagem. Uma rotatória precisou ser refeita porque era impossível para um ônibus, por exemplo, contorná-la sem subir no canteiro.

— O problema desta obra vem lá do início, do nascedouro — diz o promotor de Justiça Mauro Zaque.

Um dos motivos, segundo Zaque, foi o fato de o governo ter licitado a duplicação prevendo a mistura asfáltica chamada tratamento superficial duplo (TSD), um material de custo mais baixo. Também não havia drenagem e o pavimento era de baixa qualidade.

— A maioria dos problemas foi resolvida depois de nossa intervenção — afirma Zaque.

Defeitos em todas as obras de pavimentação

O governo de Mato Grosso afirma que a obra ainda não foi oficialmente entregue pela empreiteira, apesar de já estar liberada para o tráfego. E que só irá avaliar suas condições após recebê-la. O governo entende que o TSD é capaz de suportar o tráfego e as altas temperaturas do estado.

As falhas da duplicação são apenas um caso de mau uso dos recursos públicos na construção e reforma de estradas. Uma vistoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) encontrou defeitos em todas as 27 obras de pavimentação de rodovias que tiveram trechos executados entre 2006 e 2008. Em 731,9 quilômetros, os técnicos verificaram 3.979 ocorrências de defeitos que não deveriam existir em obras tão recentes. Cerca de 1,2 mil ocorrências eram relativas a defeitos no revestimento da pista. Outras 1,1 mil consistiam nas chamadas “panelas” (buracos no jargão técnico). Levando-se em conta os preços atuais, o dinheiro empregado nestas rodovias totaliza mais de R$ 500 milhões.

A vistoria foi a campo em 2010 para verificar se as obras de pavimentação realizadas nos cinco anos anteriores ainda estavam em boas condições. O Tribunal de Contas de Mato Grosso entende que o empreiteiro deve responder pela solidez e segurança do trabalho pelo prazo de cinco anos após sua entrega. O pior trecho de todos foi encontrado na rodovia MT-246, em Alto Paraguai, no Médio Norte do Estado. Em apenas um quilômetro, foram encontradas 23 ocorrências.

O que mais chamou a atenção dos auditores do TCE foi a má qualidade do revestimento asfáltico. Um trecho do relatório diz: “A Secretaria de Estado de Infraestrutura (atualmente Secretaria de Transporte e Pavimentação) costuma especificar, certamente por razões econômicas, o revestimento do tipo tratamento superficial duplo (TSD)”.



Recuperação de rodovias dura menos do que manda a lei. Estradas brasileiras são ruins também por causa da baixa qualidade do material - 28/01/12 - 21h30

RIO - É um caminho perigoso, acidentado. As estradas brasileiras são ruins não só porque não têm conservação, mas também pela baixa qualidade do material usado nas obras milionárias de recuperação. Apesar de a Lei de Licitações determinar tempo médio de vida útil de dez anos pós-reforma, grande parte das rodovias federais e estaduais volta a estar esburacada e a oferecer perigo muito antes disso.

Desgaste prematuro do asfalto, buracos que se transformam em crateras, erosão no leito das pistas e quedas de barreira são percalços comuns nas vias de todo o país e demonstram a baixa qualidade das obras e do material utilizado. Há casos de estradas com trechos comprometidos antes mesmo de a pavimentação completar dois anos. A BR-474, em Minas Gerais, por exemplo, foi contemplada com obras de pavimentação há três anos, mas já precisa de recuperação.

Ao longo dos 160 quilômetros da BR-474, há buracos e risco permanente de quedas de barreiras. Em 2009, a estrada foi dividida em três trechos, sendo dois pavimentados. Interrompidas, as obras do terceiro deverão ser retomadas este ano. No entanto, além de concluir o projeto, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) terá de desembolsar recursos para a recuperação da extensão asfaltada. A obra total foi orçada em R$ 53 milhões, sendo R$ 42 milhões em verbas federais e o restante, estadual. Na avaliação feita pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) divulgada no fim do ano passado, é uma estrada ruim.

Problemas estruturais não comprometem apenas a malha viária federal. No Rio, a rodovia RJ-117, que liga Paty do Alferes a Petrópolis, na Região Serrana, não durou nem dois anos. Inaugurada em junho de 2010, a estrada tem rachaduras no asfalto e, na localidade de Vale das Videiras, o piso cedeu e a rodovia está em meia pista. As chuvas do início deste mês ainda provocaram quedas de barreira em praticamente toda a extensão da via. Os deslizamentos cobriram de barro o asfalto, e a cada chuva forte a terra vira um atoleiro. As obras custaram R$ 31 milhões. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER-RJ) informou que vai recuperar a estrada após o período de chuvas.

Em Roraima, a BR-174 é dor de cabeça para os motoristas. Recuperada em 2010, apresenta centenas de buracos que dificultam a passagem até de caminhões e ônibus. Já no Rio Grande do Norte, foram empregados R$ 167 milhões em obras em estradas federais em 2009 e 2010. Mas rodovias como a BR-405, no estado, foram consideradas ruins pela avaliação da CNT.

— O tempo de vida útil não é alcançado porque há projetos ruins, execução errada e material de baixa qualidade comprado como se fosse de primeira. E, o que é pior, as fraudes se multiplicam por falta de fiscalização — diz o professor da UnB especialista em obras de pavimentação, Deckran Berberian.

Este ano, o Dnit prevê a restauração de 32 mil quilômetros de vias federais e de 1.500 pontes, um investimento de R$ 16 bilhões. Os recursos também serão usados em operações tapa-buracos para garantir o mínimo de condições de tráfego. Mas o programa de recuperação já derrapa em problemas. O Tribunal de Contas da União determinou que o Dnit faça correções em processos de licitação e contratos de manutenção. Foram identificados erros como projetos deficientes ou desatualizados.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - E onde estão os "responsáveis" do Estado que têm o dever e a competência de fiscalizar e apurar o andamento, o material empregado e a solidez na construção de obras públicas?

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