BEATRIZ FAGUNDES, REDE PAMPA, O SUL
Porto Alegre, Quinta-feira, 10 de Novembro de 2011.
Além da incapacitação física, os acidentes de trânsito têm consequências na saúde mental das vítimas, como estresse pós-traumático, fobias, ansiedade e depressão.
Tudo o que é demais é em demasia, dizia minha velha e filosófica avó Maria Afonsina. A CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), do Senado, aprovou ontem, em caráter terminativo, um projeto de lei que prevê tolerância zero para os motoristas que forem flagrados dirigindo alcoolizados. As seis decigramas atualmente admitidas serão zeradas. Provavelmente, em pouco tempo, será vendido nas farmácias ou estabelecimentos afins bafômetros para uso pessoal, a fim de que os motoristas possam realizar sua aferição preventiva. O Código Penal já possui previsão coercitiva para casos de envolvimento em acidentes de trânsito de motoristas sob influência de álcool, como, por exemplo, o cometimento de homicídio culposo ou doloso e lesão corporal, agravados pelo previsto no artigo 61, II, alínea "l". A proposta, que segue direto para análise da Câmara dos Deputados, considera crime a condução de veículo sob influência de "qualquer concentração de álcool ou substância psicoativa". No começo de novembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que dirigir com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas é crime, sujeito à detenção, mesmo que o motorista não provoque risco a outras pessoas. Pela lei, a pena para quem dirige embriagado varia de seis meses a três anos de prisão, multa e suspensão ou proibição de obter a permissão ou habilitação para dirigir.
Digamos que alguém seja flagrado logo após ingerir um bombom recheado de licor ou mesmo um inofensivo antisséptico bucal? A questão, como diria o velho ditado, é mais profunda: a lei, como relembramos acima, ou seja, o Código Penal, no artigo 61, II, alínea "I" já prevê penas para casos de envolvimento de acidentes de trânsito sob influencia do álcool... E quanto à maconha, cocaína, crack, e calmantes-relaxantes musculares vendidos livremente tanto no mercado paralelo quanto nas farmácias? Elegemos volta e meia um demônio especial para combater. Desta vez é o motorista embriagado. Aparentemente, a decisão do Congresso está protegendo o cidadão! Ilusão de ótica sociológica. Estão atuando para a torcida de ocasião. Sem delongas, agrego apenas um dado à discussão sobre o exagero produzido pela ânsia de "agradar" os eleitores: o Centers for Disease Control and Prevention e a ONU calculam que para cada vítima fatal no trânsito, 19 sobrevivem com algum tipo de ferimento. Dentre esses, cerca de um terço tem sequelas gravemente incapacitantes, como amputações (muito comuns em acidentes com motociclistas) e lesões medulares. Além da incapacitação física, os acidentes de trânsito têm consequências na saúde mental das vítimas, como estresse pós-traumático, fobias, ansiedade e depressão. Estima-se que entre 8 a 40% das vítimas sofrerão transtorno de estresse pós traumático no primeiro ano após o acidente (estudo Sequelas Invisíveis dos Acidentes de Trânsito).
Um estudo realizado em 2009 pelo NEPTA (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Trânsito e Álcool), da UFRGS, estimou em mais de 66,4 milhões de reais o custo da acidentalidade em Porto Alegre. O cálculo avaliou os custos diretos (médicos, policiais, judiciários, danos à propriedade e custos com remoção) e indiretos (perda de produtividade do acidentado e acompanhantes). Se considerarmos que Porto Alegre concentra 18% dos acidentes do Estado e 29% dos veículos envolvidos nos acidentes do Estado são motocicletas, o custo estimado dos acidentes com motos no Estado é de mais de 107 milhões de reais ao ano. O álcool é um grave elemento na discussão, mas, nem de longe é o único. O maior cancro é a ausência de punição severa. No máximo, o cidadão embriagado, chapado ou dopado vai cumprir pena de serviços comunitários e oferecer as vitimas algumas cestas básicas! A conferir!
Um comentário:
Em minha humilde opinião, a única solução para enfrentar o câncer da violência (não importa se no trânsito, se contra a mulher, se contra as crianças, etc.) é um mecanismo de dupla ação: por um lado a "quimioterapia" e a "radioterapia" da lei, claro que apoiada por agentes bem treinados, bem remunerados e muito bem valorizados; de outro lado a "homeopatia" da educação, digo, da Educação, que prepare seres humanos de verdade, capazes de agir no mundo com mentes inteligentes e corações compassivos.
Do seu amigo, Dorival B. Jr.
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