segunda-feira, 21 de novembro de 2011

BRECHAS NA LEI SECA - SÓ FICA PRESO QUEM NÃO TEM DINHEIRO PARA PAGAR FIANÇA

A cadeia é para minoria. Apenas um em cada seis motoristas que beberam a ponto de serem enquadrados em crime de trânsito foram para presídios no último feriadão - HUMBERTO TREZZI, zero hora 21/11/2011

Beber agora dá cadeia, estampavam as manchetes em 20 de junho de 2008, data da estreia da Lei nº 11.705/08 – apelidada de Lei Seca.

Motoristas surpreendidos após ingerir álcool acima do limite estipulado estariam sujeitos à prisão em flagrante e à retenção da carteira e do carro. Mas o sujeito que bebe vai mesmo parar atrás das grades?

Só em poucos casos, como descobriu Zero Hora, ao pesquisar os resultados da ação conjunta contra acidentes efetuada pelas autoridades no Rio Grande do Sul, a Operação Viagem Segura. Ela foi deflagrada no feriadão da Proclamação da República (entre as noites de 11 e 15 de novembro). Realizada em rodovias estaduais e federais, resultou em 268 motoristas autuados por embriaguez. Desses, 78 foram enquadrados em crime de trânsito (quando há concentração acima de 0,33 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões) e levados para delegacias da Polícia Civil.

No entender de muita gente, que prega rigor total no trânsito, esses 78 estavam sujeitos a ir para a cadeia. Mas a tolerância zero contra o álcool não é tão draconiana como sonham seus defensores. Apenas 13 dos 78 foram efetivamente parar atrás das grades, conforme verificou ZH (veja quadro ao lado). Ou seja, um em cada seis que cometeram o crime (16%) foram enviados a presídios. E, até ontem (uma semana após a Operação Viagem Segura), só um desses condutores continuava preso, por ter se envolvido em um acidente com morte.

A principal brecha pela qual os motoristas enquadrados em crime de trânsito escapam da cadeia é a libertação sob fiança. O sujeito pode estar cambaleando, mas tem direito a pagar uma quantia (estabelecida pelo delegado) e sair livremente da delegacia. Os que bebem abaixo do limite a partir do qual é configurado crime nem fiança precisam desembolsar, apenas têm o veículo apreendido.

Só fica preso, mesmo, quem não tem dinheiro para a fiança ou quem cometeu algum outro crime, grave, além de dirigir embriagado. É o caso de alguém que causa um grave acidente por ter dirigido alcoolizado. A libertação sob fiança, ressalte-se, não foi inventada pelos delegados: pode ser concedida em todos os casos envolvendo crimes cuja penalidade é de até três anos de detenção, como o de embriaguez ao volante.

– A realidade é que só otário, gente sem noção, fica preso por embriaguez. O delegado só pode prender se o sujeito se submeter a bafômetro. Outras medidas, como testemunho do policial ou de um médico, só valem para punição administrativa (apreensão do carro, da CNH e multa). Se essas medidas valessem, haveria mais punição e conscientização – desabafa o delegado Paulo Perez, de Tramandaí, que libertou, sob fiança, quatro motoristas detidos no feriadão e defende mais rigor na questão.

Posse define a fiança
Diferentemente do que muita gente pensa, não é só pobre – que não tem dinheiro para pagar a fiança – que vai parar atrás das grades. A lei estabelece que a fiança será concedida de acordo com a renda do cidadão. O delegado arbitra a quantia entre um (R$ 545) e cinco (R$ 2.725) salários mínimos.

– Para mandar alguém para a cadeia, mais do que a capacidade de pagar a fiança, o delegado verifica a periculosidade do infrator e do ato que ele cometeu. Matar ou ferir alguém, além de fugir, são fatores que podem determinar o envio do mau motorista para o presídio – pondera o delegado Gilberto Montenegro, da Delegacia de Delitos de Trânsito de Porto Alegre.

No último feriado, ele autuou em flagrante 13 motoristas embriagados. Todos foram soltos, após pagar fiança, porque não tinham se envolvido em nada mais grave.

“Acabei numa cela com 10 pessoas”. Paulo Ribas, empreiteiro preso por dirigir embriagado - MARIELISE FERREIRA, ZERO HORA 21/11/2011

Com problemas de alcoolismo, o empreiteiro Paulo Ribas, 47 anos, foi preso em 13 de novembro, por dirigir embriagado. Ele havia acabado de deixar uma clínica de tratamento, onde estivera por seis meses. Preso, foi levado ao Presídio de Erechim, onde ficou por dois dias e uma noite. Na entrevista a seguir, ele contou seu drama a Zero Hora.

Zero Hora – O senhor tem consciência do problema com o alcoolismo?

Paulo Ribas – Sim, há 20 anos sou alcoólatra, já estive internado três vezes e não consigo largar. A gente sai da clínica e a primeira coisa que faz é beber, porque é muito fácil, todo lugar vende. Estou tentando, estou me tratando, mas, às vezes, é muito difícil.

ZH – O senhor imaginava que poderia ser preso em razão de dirigir embriagado?

Ribas – Eu já tinha sido pego duas vezes, em 2008 e 2010. Da segunda vez, tive a carteira suspensa, mas nunca pensei que isso podia de verdade me levar para a cadeia. Quando me prenderam no dia 13, era final de semana e não tinha como pegar o dinheiro. Acabei numa cela com 10 pessoas, uma experiência que eu quero esquecer.

ZH – O senhor ficou revoltado por ter sido preso?

Ribas – Não. Acho que fizeram o certo. Eu me senti muito mal, fui humilhado, roubado, ameaçado na cela. Passei uma vergonha que nunca mais vou esquecer. No segundo dia no presídio, consegui pagar a fiança de dois salários mínimos e saí. Vou perder a carteira de motorista, agora, mas podia ser pior, podia ter sofrido um acidente e ter perdido a vida.

ZH – O senhor acredita que a lei que prevê a prisão de quem dirige embriagado pode ajudar uma pessoa que tem o vício, como no seu caso?

Ribas – Sim, eu tive uma lição muito grande com o que aconteceu. Vou responder a processo por direção perigosa, já respondia a um outro e vou responder a outro, minha carteira pode ser cassada e nunca mais vou poder dirigir carro e moto, que são minhas ferramentas de trabalho. Ainda não consegui parar de beber, mas, enquanto andar de táxi, vou permanecer vivo.


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