Saiba o que acontece quando o motorista não presta socorro
Zero Hora vasculhou todos os 135 registros de homicídios no trânsito em Porto Alegre neste ano para verificar as situações em que os motoristas responsáveis pelas mortes fugiram do local. Foram 10 casos, sendo que na metade deles os motoristas ainda não foram identificados, o que impede a punição.
Letícia Costa
Em fevereiro, o artesão Rodrigo Garcia Carvalho, 48 anos, presenciou a primeira morte do ano em acidente de trânsito na Capital, com socorro negado pelo motorista. Depois deste atropelamento na Avenida Edgar Pires de Castro, zona sul de Porto Alegre, outros nove casos viriam a ocorrer até a sexta-feira, 29 de novembro. Só neste mês, dois deles revoltaram familiares das vítimas: uma adolescente de 15 anos e uma criança de 11 anos.
Dos 135 inquéritos abertos pela Polícia Civil sobre homicídios de trânsito em Porto Alegre neste ano, 10 têm um componente de frieza: a omissão de socorro. Em metade deles, o motorista não foi identificado e permanece impune. Em cinco deles, a polícia identificou o responsável, que responde a inquérito.
Usada como agravante no momento de indiciar o responsável pelo acidente, a omissão dificulta a investigação policial e gera danos à saúde e à integridade da vítima, pois o socorro não é realizado tão rapidamente quanto poderia. Para a família, fica a sensação de que, em alguns casos, a vítima poderia ter sobrevivido.
Carvalho, que parou em um comércio à beira da avenida para tomar um suco e viu todo acidente acontecer na via da Zona Sul, virou testemunha do primeiro caso do ano.
– Estava começando a chover, e o carro à frente da moto reduziu a velocidade. Acho que o motociclista foi desviar e bateu em um Gol, que não parou para prestar socorro. Só olhei o homem no chão, e a reação que tive foi de salvá-lo, porque vinham mais carros atrás. Fui a primeira pessoa a parar no meio da faixa e bloquear o trânsito – relembra o artesão.
EPTC armazena imagens durante apenas uma semana
Acompanhado do filho de 18 anos, Carvalho esperou a polícia chegar e contribuiu com as investigações, que ainda não desvendaram a identidade do motorista. O delegado Cristiano Reschke, titular da Delegacia de Homicídios de Trânsito, comenta que é necessária uma maior disponibilidade da população para relatar tudo o que viu em um acidente.
– Nos casos de fuga, são importantes a prova testemunhal e as imagens do local do acidente ou próximos dele. Algumas pessoas, apesar de presenciarem o acidente, temem se envolver no inquérito e não aguardam a polícia chegar ao local. Um detalhe, que para a pessoa pode não ser importante, muitas vezes elucida o caso – afirma.
Com equipe reduzida para investigar e dar andamento aos 135 inquéritos instaurados somente neste ano para apurar homicídios no trânsito, o delegado ressalta também a importância das câmeras de vigilância nas cidades. Ao flagrarem o acidente, elas viram prova concreta e irrefutável do crime. Em casos sem testemunhas, se tornam fundamentais.
– Temos encontrado dificuldade com a maioria das câmeras. Nos aparelhos privados, muitas não estão gravando. Nos públicos, apresentam problemas com a manutenção ou por manterem gravadas as imagens por um curto período de tempo – relata Reschke.
As 96 câmeras de monitoramento da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) armazenam as imagens por apenas uma semana. De acordo com a assessoria de imprensa, isso ocorre por uma questão de espaço no servidor. Apesar de terem o monitoramento do tráfego como objetivo principal, as imagens das câmeras da EPTC são disponibilizadas para os órgãos de segurança quando solicitadas.
Com relação aos problemas que alguns equipamentos podem apresentar, a empresa alega que a manutenção é diária e que sempre ficou com, no mínimo, mais de 90 câmeras operando normalmente.
Motoristas em liberdade
Mesmo com a identificação do motorista em metade dos casos que envolvem omissão de socorro e fuga do local, todos aguardam o indiciamento em liberdade. O delegado Cristiano Reschke explica que, nas situações em que o crime é considerado um homicídio culposo (sem intenção de matar), não cabe a prisão preventiva.
Já nos casos de homicídio doloso (quando o condutor quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo), pode haver a representação pela prisão do autor, que será decretada ou não pelo juiz.
A tipificação, que inicialmente é da Polícia Civil, pode mudar durante a investigação. Dos 10 casos na Capital que resultaram em 11 vítimas, apenas dois envolvendo omissão de socorro foram enquadrados como dolosos. A prisão foi solicitada, mas em nenhum deles o motorista está preso, em razão da não decretação da detenção pelo Judiciário.
Responsável por aceitar ou não os pedidos, o Judiciário adota um posicionamento em que a prisão dos motoristas só é decretada em último caso. Nos homicídios culposos, onde a pena é entre dois e quatro anos, o desembargador Nereu Giacomolli, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, explica que uma modificação na legislação, em 2008, só autoriza a prisão preventiva com crimes cuja pena máxima é superior a quatro anos.
Já nos casos onde se entende que houve o dolo eventual por parte dos condutores, como no acidente que matou Bruna Capaverde, 15 anos, no dia 16, e no atropelamento de Emily Caroline da Silva, 11 anos, no dia 22, a prisão só ocorre se a liberdade do motorista prejudicar, por exemplo, o andamento do processo e a ordem pública.
Giacomolli explica que também deve ser analisada a possibilidade de outras medidas cautelares serem aplicadas no lugar da detenção. Na quarta-feira, o pedido de prisão preventiva do motorista que atropelou Emily foi negado. Em compensação, ele teve suspenso o direito de dirigir e foi determinado o recolhimento domiciliar das 20h às 6h.
Em Porto alegre, 10 acidentes, 10 fugas, 10 mortos, 10 casos sem desfecho
3/2/2013, 15h15min
— Vítimas: André Francisco Jonata Reis de Oliveira, 19 anos e Andresa da Silva Barbosa, 18 anos’
— Local: Avenida Edgar Pires de Castro, bairro Lageado
— Como foi: prejudicado pela manobra de um carro, o motociclista André desviou o veículo para a pista contrária. Ele e a passageira Andresa foram atropelados por um Gol. André morreu no local. Andresa foi levada ao HPS, mas não resistiu.
Investigação: foi solicitado registro de pardal da EPTC para identificar o Gol, mas o órgão respondeu que não houve nenhum registro.
— Motorista identificado: não
— Inquérito: em andamento
10/6/2013, 11h34min
— Vítima: Vitor do Nascimento Crispim, 31 anos
— Local: Avenida Icaraí, bairro Cristal
— Como foi: um Palio Adventure atropelou Vitor e fugiu do local. O carro foi achado em cima de um guincho, na região.
— Investigação: as câmeras da EPTC não estavam operando, mas, com a descoberta do veículo sendo recolhido, foi possível identificar o condutor. Ele prestou depoimento e pode responder por homicídio culposo, com fuga do local e omissão de socorro.
— Motorista identificado: sim
— Inquérito: em andamento
14/7/2013, 18h30min
— Vítima: Albano da Silva Moura, 69 anos
— Local: Rua Duque de Caxias, bairro Centro
— Como foi: o porteiro Albano foi atropelado por uma idosa que o teria levado ao HPS e sumido. O porteiro morreu em 9 de setembro.
— Investigação: informada da morte dois meses depois do acidente, a polícia tentou imagens de câmeras de segurança da Assembleia e do Piratini. A AL disse que só guardava as imagens por 30 dias. A polícia tenta com o HPS obter informações da mulher que levou Albano para atendimento.
— Motorista identificado: não
— Inquérito: andamento
29/8/2013, 19h40min
— Vítima: Vilmar Melo da Silva, 55 anos
— Local: BR-290, km 99
— Como foi: Vilmar foi atropelado por um veículo não identificado.
Investigação: polícia pediu imagens da Concepa para tentar identificar o veículo que atropelou, mas a câmera estava virada para o lado contrário no momento do acidente.
— Motorista identificado: não
— Inquérito: em andamento
14/9/2013, 6h
— Vítima: João Laurentino de Oliveira da Rosa, 55 anos
— Local: Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, bairro Rubem Berta
— Como foi: o fiscal de lotação ia para o trabalho de bicicleta quando foi atropelado por uma caminhonete Courier, cujo motorista abandonou o carro e fugiu a pé.
Investigação: a partir dos dados da caminhonete, pertencente a uma mulher, o motorista foi identificado e testemunhas fizeram o reconhecimento. O atropelador depôs à polícia e pode responder por homicídio culposo.
— Motorista identificado: sim
— Inquérito: em andamento
5/10/2013, 0h30min
— Vítima: Jonathan Cristofoli Merlo, 21 anos
— Local: Avenida Padre Cacique, bairro Praia de Belas
— Como foi: o Vectra conduzido por Jonathan colidiu contra um poste e pegou fogo. Uma testemunha disse que um Mégane preto teria entrado na contramão na Padre Cacique, e Jonathan teria desviado, batendo no poste.
Investigação: as imagens do acidente não foram gravadas, pois a câmera da EPTC não estava funcionado. A polícia ainda tenta identificar o motorista do Mégane.
— Motorista identificado: não
— Inquérito: em andamento
6/10/2013, 18h53min
— Vítima: José Antônio de Sá, 54 anos
— Local: Rua Doutor Sebastião Leão, bairro Azenha
— Como foi: morador de rua, José foi atropelado por um veículo vermelho. No local havia uma pedra que teria sido jogada contra ele antes do atropelamento.
Investigação: as primeiras imagens de câmeras de vigilância da prefeitura vieram erradas. Depois, em uma nova solicitação, já havia passado o prazo de sete dias que a EPTC guarda as imagens. A polícia ainda aguarda o laudo para saber se José morreu devido à pedrada ou ao atropelamento.
— Motorista identificado: não
— Inquérito: em andamento
11/11/2013, 6h05min
— Vítima: mulher não identificada
— Local: BR-290, km 91
— Como foi: uma mulher teria sido atropelada por uma Fiorino e depois por um caminhão.
— Investigação: policiais descobriram que uma Fiorino com o para-brisa quebrado tinha envolvimento no acidente. O motorista alegou que não tinha visto no que tinha colidido. O caminhão não foi identificado, e a polícia aguarda os laudos para confirmar a identidade da mulher.
— Motorista identificado: sim
— Inquérito: em andamento
16/11/2013, 5h04min
— Vítima: Bruna Lopes Capaverde, 15 anos
— Local: esquina das avenidas Pernambuco e Brasil, São Geraldo
Como foi: a adolescente voltava de uma festa, de carona com amigas, em uma EcoSport conduzida pelo pai de uma delas, quando o carro colidiu com um Corsa e capotou. O motorista do Corsa fugiu.
— Investigação: o para-choque com a placa do Corsa ficou no local, e o condutor, identificado como Diego Alberto Joaquim da Silva, 29 anos, foi localizado por agentes da EPTC. Preso em flagrante, ficou 12 horas no Presídio Central e foi solto para responder em liberdade.
— Motorista identificado: sim
— Inquérito: em andamento. Silva será indiciado por homicídio doloso, com omissão de socorro e embriaguez ao volante.
22/11/2013, 21h45min
— Vítima: Emily Caroline da Silva, 11 anos
— Local: Avenida Oscar Pereira, bairro Cascata
— Como foi: Emily foi atropelada quando estava na companhia de uma irmã e de uma prima. O condutor do Sentra parou o veículo, recolheu a menina do asfalto e a colocou na calçada. Depois fugiu sem perceber que a placa do carro ficou no chão. Emily morreu no HPS.
— Investigação: a polícia identificou o motorista, Thiago Correa Cristovam, 24 anos. Solicitada pela polícia, a prisão preventiva foi negada pela Justiça. Ele depôs e assumiu o atropelamento.
— Motorista identificado: sim
— Inquérito: em andamento. O motorista deve ser indiciado por homicídio doloso com omissão de socorro.
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