Sérgio da Costa Franco, historiador. ZERO HORA 06/12/2011
O espírito liberal da editoria de opinião de Zero Hora nos proporcionou, na passada semana, a exposição de uma controvérsia inusitada e singular. Na quinta-feira, 1º de dezembro, o desembargador Milton dos Santos Martins escreveu comentário intitulado “Violência da lei seca”, apontando a injuricidade de se punir como crime do condutor de veículo automotor a ingestão de mínima dose de álcool, independentemente de qualquer resultado lesivo a terceiros. E, no dia seguinte, 2 de dezembro, a mesma página estampou o artigo do Dr. Montserrat Martins, “Compreendendo a lei seca”, no qual fez a defesa daquele diploma draconiano.
O debate – reflexo perfeito do conflito de opiniões existente – não suscitaria nenhuma glosa específica, se não fosse uma circunstância talvez ignorada pela maioria dos leitores. É que se trata de controvérsia elegantemente exposta entre pai e filho, pois o desembargador Milton é pai do articulista que o contrariou. Foram ambos ponderados, corteses e respeitosos, como expoentes que são, em suas respectivas áreas profissionais, o pai como jurista e o filho como médico psiquiatra.
É evidente que não aproveito essa pauta a título de conciliador, certamente desnecessário, ou de desempatador, numa controvérsia que vem dos tempos do debate entre a escola clássica e a escola positiva do Direito Criminal. Tudo me inclina, aliás, a acompanhar os argumentos do pai, meu contemporâneo de faculdade e de vida forense, pois me recuso a aceitar a imposição de punições pré-delituais.
Era em nome da segurança pública e dos direitos coletivos que os dissidentes do regime soviético eram recolhidos a colônias penais ou escolas de reeducação política, antes mesmo de haverem cometido qualquer ato de subversão. De igual modo, perturbações da saúde mental, sem a prática de ações antissociais, não podem justificar a aplicação cautelar de sanções penais.
É evidentemente impossível criminalizar todas as condutas perigosas de que podem decorrer riscos à vida humana e à sociedade. Não se pune o suicídio voluntário nem se proíbem os esportes de alto risco, como o alpinismo e as corridas de automóvel. E quando se escreve que “na proteção do direito à vida é lícito que os direitos coletivos se sobreponham aos individuais”, a coerência mandaria proibir o uso da motocicleta e da bicicleta no tráfego das metrópoles...
A experiência dos regimes políticos de superproteção e suas medidas de segurança pré-delituais já nos ensinaram que é preferível respeitar as liberdades individuais, pois é delas que decorre, no fim das contas, a felicidade coletiva.
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