MONSERRAT MARTINS, MÉDICO PSIQUIATRA, BACHAREL EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS, ZERO HORA 02/12/2011
Vozes respeitáveis, de eminente saber jurídico, se levantam contra a chamada Lei Seca, a qual tipifica penalmente dirigir com qualquer quantidade de álcool no sangue. Vozes preocupadas com os direitos individuais, as garantias constitucionais dos cidadãos, desde que estes não ofendam os direitos de outrem. Com sabedoria jurídica, nos lembram que “o direito só existe como relação interpessoal”. Tais preocupações são pertinentes, ainda mais em uma sociedade de massas, com inevitável grau de burocratização, na qual leis restritivas podem ser aplicadas pelos agentes do Estado de modo a tratar cidadãos de bem como se marginais fossem.
Data maxima venia, há que se compreender a finalidade da Lei Seca, que não pode passar a ser usada, de fato, para criminalizar os cidadãos. Não obstante as sábias ponderações em contrário, há que se reconhecer, infelizmente, a necessidade desse instrumento de proteção da coletividade, que neste caso se sobrepõe até mesmo aos direitos individuais. O número de acidentes de trânsito é mesmo alarmante e produz tantas vítimas – fatais ou com lesões graves – quanto se estivéssemos em uma guerra civil. E o uso de substâncias, álcool e outras drogas, tem relação direta com isso, pois sabidamente está presente em pelo menos metade das situações.
Os médicos que atendem dependentes químicos, entre os quais o Dr. Sérgio de Paula Ramos com sua liderança de entidades nacionais da área, têm advertido para a impossibilidade de coexistência entre tais substâncias e a direção segura. Isso influiu na jurisprudência, que passou a entender o fato de se alcoolizar e dirigir como “aceitar o risco” de produzir o resultado quando ocorre um acidente. Assim é que um acidente fatal pode enquadrar o condutor que usou substâncias em homicídio doloso, não no sentido de que pretendia causar a morte, mas que aceitou o risco de causá-la. Ou seja, uma espécie de “irresponsabilidade prévia”, que requer reprovação jurídica.
A associação entre uso de substâncias e acidentes de trânsito, sempre na correlação estatística perto dos 50%, é comprovada há muitas décadas, sem contestação científica. Além das mortes – lembrando-se sempre que uma vida não tem preço – e das lesões produzidas, causa secundariamente prejuízos econômicos imensos ao Estado e a toda a sociedade. Calculem-se as despesas hospitalares e também as previdenciárias dessa multidão de vítimas produzidas diariamente.
Na proteção do direito à vida, neste caso, é lícito que os direitos coletivos se sobreponham aos individuais. As relações causais, bem estabelecidas, são incontestáveis. As consequências em todas as esferas da vida social, também. As iniciativas de coibir excessos, até hoje, vêm esbarrando em recusas ao bafômetro e em recursos ao Judiciário. Por isso, a rigidez da lei, que não seria necessária se nossa própria cultura incluísse maior grau de responsabilidade. Os direitos individuais haverão de se adaptar a esta necessidade, é o caso dos novos hábitos, tais como programar táxis, lotações ou até o “motorista da vez”, que se abstém de beber. Doses de sacrifício de nossos direitos individuais, para o bem de todos.
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