terça-feira, 15 de março de 2011

O ESCÂNDALO DOS PARDAIS

As supostas negociatas entre representantes de agentes privados e do setor público na área de fornecimento, instalação e operação de controladores de velocidade no trânsito, apuradas pela RBS TV e exibidas no programa Fantástico, da TV Globo, são estarrecedoras por revelarem a desfaçatez com que integrantes de uma verdadeira máfia costumam agir. Os fatos documentados pela reportagem não deixam dúvida quanto à existência de irregularidades por meio de contratos direcionados, de pagamento de propina, de brechas que permitem até mesmo a anulação de multas, de vantagens inexplicáveis para os fornecedores de equipamentos e da total falta de critério sobre os locais de instalação. Por isso, exigem não apenas as providências imediatas tomadas pelo poder público depois da denúncia ter sido veiculada, mas sobretudo ações moralizadoras e uma mudança radical na forma como radares, pardais e lombadas eletrônicas passam a fazer parte do cotidiano dos motoristas.

Vencidas as resistências iniciais ao uso de avanços tecnológicos no controle do trânsito, cada vez mais esses mecanismos vêm sendo aceitos como um auxiliar eficiente para reduzir o número de acidentes e para preservar vidas. Ainda assim, só têm condições de atender a esse objetivo quando a necessidade de sua instalação é corroborada por estudos técnicos sérios, quando os processos licitatórios seguem critérios rígidos de impessoalidade e quando o objetivo não é simplesmente alimentar a chamada indústria da multa. São inadmissíveis também artifícios como cláusula de produtividade ou de remuneração. Ainda assim, o que as denúncias evidenciam é o fato de estar havendo pouca ou nenhuma preocupação nesse sentido por parte de prefeituras e dos organismos da área de trânsito.

A simples particularidade de um edital pronto para ser publicado prever a instalação de lombada eletrônica numa rua sem calçamento, utilizada basicamente por carroças e bicicletas e na qual os pedestres disputam espaço com galinhas, já se constitui em razão suficiente para desconfianças por parte dos contribuintes. Quando a isso se somam indícios evidentes de jogo com cartas marcadas, de negociação de propina por parte de representantes que se valem até mesmo de servidores e de instalações públicas para combinar vantagens como a garantia de até 85% da arrecadação de multas para a área privada, os prejuízos deixam de se restringir aos financeiros. A própria eficiência dessas alternativas passa a ser posta em xeque, o que é lamentável.

O poder público tem o dever de moralizar o uso de controladores eletrônicos de tráfego, fazendo com que a prioridade seja reduzir o número de mortos e de acidentes com veículos, e não simplesmente arrecadar. A preocupação torna-se particularmente inaceitável quando o afrouxamento nos sistemas de fiscalização dá margem a uma verdadeira indústria de ganhos fáceis, para a qual conscientização no trânsito está longe de se constituir em objetivo.

EDITORIAL ZERO HORA 15/03/2011

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