segunda-feira, 7 de março de 2011

CONTRADIÇÕES CARIOCAS

Cláudio Brito, Jornalista - Zero Hora 07/03/2011


Tenho vivido momentos de espanto no Rio de Janeiro, nos últimos dias. Não que me assustem os perigos que todos enxergam na Cidade Maravilhosa, que também os vejo em nossa Porto Alegre, São Paulo, Salvador ou Belo Horizonte, para ficar apenas em capitais. Caxias do Sul, Campinas, Feira de Santana e outras menos votadas têm também números acentuados em estatísticas da criminalidade.

O que me tem impressionado são as contradições.

Em nenhum lugar do Brasil a Lei Seca é tão respeitada. Funciona a blitz de trânsito, dezenas de carros são apreendidos pela embriaguez de seus motoristas ou por motivos administrativos, como o atraso no pagamento de imposto e seguro obrigatório, por exemplo. Parece que nada pode haver de errado em uma cidade que consegue travar maus motoristas.

Na mesma tarde em que se festejava o placar favorável no controle do trânsito, anotava-se também a tomada de mais uma favela. Era o Jacarezinho o mais novo cenário de uma retomada de espaço pela Polícia Militar. O Bope estava lá. Houve tiroteio e morreram traficantes. É a antevéspera de mais uma UPP, as unidades de polícia pacificadora. Aplausos da comunidade que está por se libertar do domínio exercido pelos narcotraficantes.

Então, vem o balanço das operações anteriores, no Alemão e Vila Cruzeiro. Descobriu-se um punhado de irregularidades policiais em ações tão festejadas. Caiu todo mundo. A banda podre era imensa, de alto a baixo no organograma das polícias. Toca agora a acreditar que será possível dominar a situação, limpar a área e realmente pacificar.

O que mais chama atenção é a vitória contra os motoristas beberrões, um contraste com o que se vê na atividade clandestina dos fornecedores de gás, água mineral, transporte e televisão a cabo nas comunidades mais carentes, as mesmas que o Estado promete voltar a proteger, como tem feito nos morros em que os serviços públicos essenciais estão de volta.

A guerra no Rio tem mais de dois lados. Além do mocinho e do bandido, existem as milícias, que ora jogam de um lado, ora jogam de outro, mas só atuam para que seus líderes se deem muito bem. E é nessa hora que se descobre a costura dessa gente bandida com algumas figuras da política local. Ou são criminosos que se elegem vereadores, ou são vereadores que se tornam criminosos. Cabos eleitorais servem de seguranças ou de comparsas no crime, chefões de arrabalde acabam se elegendo nos arraiais.

E vejo esse povo subir os degraus do Outeiro da Glória ou da Igreja da Penha em pagamento de promessas e muita oração. É capaz de ainda eu ver um bandido benzer-se após atirar contra alguém.

O Rio é assim, contraditório, estonteante, brasileiríssimo em suas circunstâncias e se mostra abençoado tantas vezes. Como agora, que o Cristo Redentor restaurado ganhou nova iluminação. É lindo vê-lo envolto por um espectro que vai do branco ao verde e ao azul, com uns toques de amarelo para fechar a aquarela de nossa bandeira. Se ouvirmos disparos, podem ser metralhadoras ou fogos de artifício, que estouram na passagem de ano e na arrancada das escolas de samba. É o Rio.

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