Aconteceu em Porto Alegre, mas poderia ter acontecido em qualquer capital brasileira onde automóveis conduzidos por pessoas apressadas e impacientes disputam espaço entre si, com transeuntes e com outros veículos, da bicicleta à carroça. O que se vê neste cenário caótico das grandes cidades é a circulação da intolerância em níveis perigosos, pois o condutor de um veículo motorizado tem uma arma nas mãos – e alguns deles não hesitam em usá-la para superar seus pares ou mesmo para abrir caminho até as suas metas. O episódio do homem que atropelou vários ciclistas na capital gaúcha é apenas um exemplo chocante desta barbárie que faz vítimas fatais todos os dias, além de ferir e mutilar pessoas. O trânsito, até mesmo por suas consequências, dá maior visibilidade ao egoísmo e à desconsideração com os outros, mas estes comportamentos negativos também aparecem com frequência em outras áreas da vida em sociedade. Todos os dias somos perturbados pelo som alto na vizinhança, pelo desleixo com o lixo, por pessoas que falam alto no cinema ou no restaurante, por incontáveis atitudes que incomodam e quebram a normalidade. Isso, no entanto, não nos dá o direito de fazer justiça com as próprias mãos, de sair por aí xingando, punindo ou mesmo eliminando quem nos molesta.
Existem caminhos mais suaves para a solução dos conflitos interpessoais. O principal deles é inquestionavelmente a educação. Pessoas educadas para a paz aprendem a evitar atritos, são mais solidárias, buscam soluções negociadas, praticam o diálogo. Conviver coletivamente exige respeito às diferenças, compreensão em relação às falhas dos outros e até mesmo renúncia, quando o que nos dá prazer pode causar transtorno a alguém. A palavra mágica da convivência é reciprocidade: não fazer aos outros o que não queremos que nos façam. Ou o enfoque positivo: tratar o próximo com a cortesia e a bondade que gostaríamos de receber.
Quando as regras sociais são desrespeitadas, porém, deve prevalecer o Estado de Direito, as garantias constitucionais e a legislação vigente. No caso específico do cidadão que acelerou o carro sobre os ciclistas, não pode haver dúvidas: é evidente que ele cometeu um crime e tem que ser punido na forma da lei. Por mais que alegue legítima defesa, é inaceitável que alguém, por se sentir ameaçado, atente contra a vida de terceiros. Num caso assim, a punição exemplar se impõe até mesmo para servir como instrumento de dissuasão à intolerância. Ainda assim, é impositivo que se respeitem os ritos legais e que o agressor confesso tenha a oportunidade de se defender.
O que ele fez é revoltante, inominável, criminoso, mas uma sociedade civilizada tem que ser tolerante até mesmo com os intolerantes. Só que tolerância não é sinônimo de impunidade.
EDITORIAL ZERO HORA, 02/03/2011
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