terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O TELEFONE QUE NÃO EVITOU O DESASTRE

ZERO HORA 21 de janeiro de 2014 | N° 17680

FERNANDA DA COSTA E TAÍS SEIBT



SETE MORTES EM RODOVIA



Avisada da embriaguez de motorista no noroeste gaúcho, BM não conseguiu impedir colisão que matou casal e outras cinco pessoas da mesma família

Um casal retornando de uma festa de aniversário. Uma família voltando de um culto religioso. Sete mortes na BR-392, em Roque Gonzales, no noroeste do Estado. Duas famílias dilaceradas pela imprudência no trânsito.

O telefonema da irmã de Marcia Perassolo Dias, 26 anos, para a Brigada Militar de Porto Xavier tentou evitar o pior. Por volta das 22h20min de domingo, ela avisou a polícia que Marcia estava com medo porque o marido dela, Jardel de Godois Ramires, 27 anos, tinha ingerido bebida alcoólica durante a festa de aniversário do pai dele, em Porto Xavier, e queria pegar a estrada até São Luiz Gonzaga, onde o casal residia.

Sem saber o ponto exato onde o Vectra branco indicado pela irmã de Marcia estaria, uma viatura da BM fez buscas dentro da cidade, mas não encontrou o veículo. Aproximadamente 15 minutos depois do chamado, um Vectra colidiu com um Gol na BR-392, em Roque Gonzales. A guarnição foi até o local e verificou que se tratava do carro que procurava. Não houve sobreviventes no acidente.

– Fizemos nossa parte, mas infelizmente não logramos êxito na abordagem, porque não tínhamos a localização precisa do veículo, que já havia entrado na estrada enquanto buscávamos dentro da cidade – diz o sargento Miguel Garcia, de Porto Xavier.

Os familiares de Ramires admitiram que o rapaz havia bebido durante o almoço, mas não no jantar. A Polícia Civil solicitou exame toxicológico ao Instituto Médico Legal, em Porto Alegre, para verificar se o motorista do Vectra estava ou não alcoolizado.

Trecho teve cinco mortes em 2013

De acordo com a delegada Tânia Regina Bratz, como não há sobreviventes, a investigação tem o objetivo apenas de esclarecer as circunstâncias da ocorrência:

– O impacto nos veículos leva a crer que o Vectra estava em alta velocidade. Porém, como o carro ficou muito danificado, não há condições de extrair prova técnica da velocidade em que ele estava no momento da colisão.

Outro fator que reforça a hipótese de alta velocidade é a falta de marcas de frenagem na pista, indicando que o condutor não tentou parar.

Conforme registro no posto da Polícia Rodoviária Federal de Ijuí, que atendeu à ocorrência, o Gol trafegava na BR-392 em direção a Porto Xavier, e o Vectra, que estava na direção oposta, teria invadido a pista contrária, colidindo frontalmente. O acidente ocorreu às 22h40min, no km 698,7 da rodovia, em uma reta. No Gol, estavam cinco pessoas da mesma família, que retornavam de um culto religioso.

Em 2013, em 38 acidentes, cinco mortes foram registradas no trecho Noroeste da BR-392, que vai de Porto Xavier a Guarani das Missões. Foi a segunda vez em quatro dias que um acidente de trânsito causou sete mortes no Estado, tendo cinco pessoas da mesma família entre as vítimas nas duas ocorrências. Na quarta-feira passada, a tragédia envolveu um caminhão e outros três veículos na BR-386, em Pouso Novo. A causa do acidente ainda é investigada.


Família voltava de culto religioso

Domingo era dia de ceia na igreja evangélica frequentada pela família Freitas, em Roque Gonzales. Moradores de Porto Xavier, eles repetiam a viagem havia cinco anos. No km 698,7 da BR-392, o Gol conduzido por Edemar Siqueira de Freitas, 55 anos, colidiu com um Vectra. Ele, a mulher, Liria Kutti de Freitas, 51 anos, o filho do casal, Nilmar Kutti de Freitas, 30 anos, a nora Jaqueline Durão Duarte, 18 anos, e o neto, Kaíke Duarte de Freitas, dois anos, morreram no local.

Edemar e Liria eram aposentados. Ambos trabalharam no Hospital de Caridade Nossa Senhora dos Navegantes. Nilmar, o único filho, seguiu o ofício do pai. Havia três anos trabalhava com serviços gerais na instituição. Jaqueline era faxineira e complementava a renda com emprego na cozinha de um hotel.


Casal estava em festa de aniversário

A construção de uma casa própria em um terreno recém-financiado era o principal plano do casal Jardel de Godois Ramires, 27 anos, e Marcia Perassolo Dias, 26 anos. Moradores de São Luiz Gonzaga, os dois passaram o domingo na festa de aniversário do pai de Jardel, no interior de Porto Xavier.

Casados havia cerca de seis anos, costumavam viajar ao menos uma vez por mês para visitar a família. Ramires trabalhava em uma marmoraria, e Marcia era vendedora e faxineira.

Os dois moravam na casa de um irmão de Marcia, mas se mudariam neste ano para uma casa própria. Depois da mudança, planejavam ter o primeiro filho.

– Eles conseguiram comprar um carro e estavam felizes porque iriam começar a construir a casa – disse a irmã de Jardel, Juliana Ramires.

Colisão entre dois veículos deixa sete mortos em Roque Gonzales, no Noroeste Renê Leal/Especial
ENTREVISTA

“Não foi uma tragédia inesperada”


JANICE PERASSOLO DIAS. Irmã de vítima do acidente



Em um corredor da capela mortuária de São Luiz Gonzaga, onde o corpo de Marcia era velado, a irmã da jovem, Janice Perassolo Dias, 27 anos, contou a ZH como tentou evitar o acidente, avisando a polícia.

Zero Hora – Como você ficou sabendo que seu cunhado dirigiria embriagado?

Janice Perassolo Dias – Ele costumava beber e dirigir sempre, o que deixava a Marcia com medo. Insistimos para que ela não fosse à festa em Porto Xavier, mas acho que ela não quis deixar o marido ir sozinho. Eram quase 17h quando ela ligou para a minha mãe, escondida dele. Ela contou que ele estava bêbado, e estava com medo de viajar para casa.

ZH – O que a sua mãe fez?

Janice – Ela insistiu para que eles ficassem dormindo lá e voltassem segunda-feira de manhã, mas o meu cunhado prometeu que dirigiria devagar, e eles resolveram pegar a estrada. Ela me contou, e eu resolvi avisar a polícia.

ZH – Para quem você ligou?

Janice – Liguei para a BM de Porto Xavier, dei o nome do meu cunhado, as características do carro e disse que ele estava embriagado. Eu não sabia a placa, mas contei que ele sairia de Porto Xavier para São Luiz Gonzaga. Não me identifiquei porque tive medo de que, se ele soubesse da denúncia, poderia se voltar contra mim. Só queria que tivessem abordado o meu cunhado. Não iriam deixar ele dirigir, e esse acidente não teria acontecido. Para nós, não foi uma tragédia inesperada.


21 de janeiro de 2014 | N° 17680


PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA

Sete mortes que poderiam ter sido evitadas


Não foi um acidente que matou sete pessoas na BR-392, entre Roque Gonzales e Porto Xavier. Foi um crime de trânsito praticado por um motorista embriagado, dirigindo em alta velocidade um Vectra que se espatifou no choque com um Gol. Além do motorista do Vectra e de sua mulher, morreram cinco pessoas de uma mesma família, que voltavam de um culto religioso. Sete vítimas, o mesmo número de vidas perdidas na BR-386, na semana passada. Com uma diferença: esta foi a crônica de uma morte anunciada.

Marcia Perassolo Dias, 26 anos, ligou para a mãe e contou que estava com medo de voltar para casa com o marido porque ele estava bêbado. A mãe a aconselhou a não pegar carona, mas ela disse que o marido prometera não correr e embarcou no Vectra para sua última viagem. A irmã, Janice, ligou para a Brigada Militar, descreveu o carro, deu o nome do cunhado e pediu que o interceptassem.

A BR-392 é uma estrada federal, mas Janice não tinha obrigação de saber que deveria ligar para o 191 e não para o 190. A BM saiu atrás, mas era tarde. Sem saber a placa do Vectra, não conseguiu localizá-lo.

Esse episódio trágico pode servir para as autoridades repensarem suas campanhas e suas políticas de prevenção a acidentes, que estão falhando por serem escassas, tímidas e com falta de foco. Em vez de repetir, “se for dirigir não beba”, deve ampliar o apelo para os que estão em volta e tentar convencer cada cidadão a não pegar carona com bêbado e tentar impedir que um motorista embriagado assuma o volante.

E, se a polícia receber o aviso de que há um bêbado colocando em risco a vida de outras pessoas, que faça de tudo para encontrá-lo, antes que seja tarde.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O pior é que a guarnição da Brigada Militar tentou localizar o veículo, apesar de receber uma informação incompleta ou não bem entendida. Não há como prevenir um caso como este sem impedir no ato que a pessoa dirija alcoolizada. A abordagem na estrada depende do inopino e neste caso dependia da localização do veículo denunciado.




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