quinta-feira, 29 de março de 2012

SOCIEDADE PERMISSIVA

BEATRIZ FAGUNDES, O SUL
Porto Alegre, Quinta-feira, 29 de Março de 2012.


Que sociedade pode alegar ser civilizada quando o direito de alguns de beber, se drogar e dirigir sem condições máquinas mortíferas anula o direito a continuar vivo de alguém que desgraçadamente atravesse o seu caminho?

Quem ousará discutir uma decisão dos ministros do Supremo Tribunal de Justiça? Eu não! Definitivamente não devo, nem posso discutir a decisão, mas algo me diz que, usufruindo de um direito sagrado, posso lamentar profundamente quando minha consciência grita que estou diante de uma decisão que fere o princípio de igualdade de direitos nas relações humanas. Ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Sem a prova produzida com equipamentos legais, ou através de exames de sangue incontestes, nenhum cidadão poderá ser acusado de provocar acidente com morte no trânsito brasileiro.

Legal! Todo o esforço das forças policiais através de blitze e operações exclusivas para detectar prováveis assassinos eventuais foram definitivamente destinados ao limbo. Assisti um acidente na Zona Sul da capital dos gaúchos, no qual uma S10 atropelou uma senhora. Correria, polícia, agentes de trânsito, uma pequena multidão em torno do corpo, e um motorista visivelmente embriagado balbuciava: "Não tive culpa! A velha atravessou de repente na minha frente..." Ele se negou a fazer o teste. Os policiais insistiram, mas ele foi enfático; "Tenho meus direitos, quero falar com meu advogado". Vi com meus próprios olhos a expressão de desprezo dos policiais, acompanhada de um muxoxo do tipo "Ok! Então não faça o teste, tanto faz a velha já está morta mesmo". Algumas pessoas se mostraram revoltadas. Ele ficou ali. Sentado na calçada, esperando algum familiar e seu advogado. Fui embora para minha casa desolada. Aquela mulher deitada no chão poderia ser eu ou qualquer pessoa da minha família. E aquele homem jamais seria responsabilizado pelo seu erro. Não tenho dúvidas de que ele estava alterado por alguma coisa, bebida ou droga.

Que sociedade pode alegar ser civilizada quando o direito de alguns de beber, se drogar e dirigir sem condições máquinas mortíferas anula o direito a continuar vivo de alguém que desgraçadamente atravesse o seu caminho? De que adiantam leis que, ao se revelarem duras, imediatamente um julgamento as torna praticamente sem função, condenando-as a condição de mera letra morta na república de hipocrisia? Quantos acidentes com mortos, alguns com mais de um, com vários cadáveres, ainda estão claros na nossa retina que tiveram como personagens principais motoristas visivelmente embriagados, os quais a partir de agora definitivamente podem respirar aliviados, pois não vão pagar nada pelo seu ato? Exagero? Desculpe, mas a sensação é de estar mergulhando na barbárie, estado no qual os mais fortes, os mais violentos e espertos sempre e definitivamente vão se dar bem. Estes, e não são poucos, se irritam quando alguém defende leis radicais contra bêbados dirigindo e matando por aí. Quantas famílias hoje choram seus mortos sabendo que os assassinos jamais serão responsabilizados?

Questionar a decisão do STJ é proibido. Lamentar pode. Vamos liberar as bebidas nos jogos da Copa, beber e dirigir a partir de agora pode. Já que se parado em uma blitz ninguém poderá ser obrigado a fazer teste de bafômetro e, sem ele ou um exame de sangue, o qual também é opcional, nenhum inquérito poderá decidir por homicídio. Nem culposo que dirá doloso. Que argumento pode ser utilizado pelos pais para educar seus filhos sobre a responsabilidade social quando vivemos em uma sociedade permissiva? Que lástima! Cumpra-se a lei!

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