domingo, 10 de março de 2013

RODOVIAS DE TERCEIRO MUNDO

ZERO HORA 10 de março de 2013 | N° 17367

CENÁRIO DESOLADOR. Um Estado com Rodovias de Terceiro Mundo


Qual é o Estado com menor percentual de estradas pavimentadas em relação à sua malha total? Não é Roraima, na Região Norte, que tem o menor Produto Interno Bruto (PIB) do país. Nem a paupérrima Alagoas, no Nordeste, com o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O campeão em carência de asfalto, acredite, é o Rio Grande do Sul, a quarta unidade mais rica da federação.

Apenas 7,2% das rodovias gaúchas – estaduais, federais e vicinais – são pavimentadas. Isso é bem menos do que a média brasileira, de quase 13 quilômetros asfaltados em cada cem, conforme dados consolidados de 2012 do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Ou seja, os gaúchos figuram na lanterna em um país que já está longe de ser um exemplo. Pelo contrário. O percentual nacional de 13% põe o Brasil em último lugar entre as 20 maiores economias do mundo.

A agonia das estradas no Estado é fruto de uma série de fatores encadeados. Alguns deles são locais, como as finanças combalidas do Piratini, por exemplo. A incapacidade de encontrar um modelo para o capital privado ajudar na criação da infraestrutura necessária à impulsão do desenvolvimento e à queda nos acidentes também é uma das razões da herança cruel legada aos gaúchos.

Além do baixo investimento público nas últimas três décadas, as rodovias sofrem com a burocracia para tocar obras, o aumento da frota e o excesso de peso transportado dos caminhões, um problema agravado pela falta de fiscalização e que desemboca na deterioração das estradas, realimentando o círculo vicioso que faz cair a qualidade das rodovias existentes. O percentual de estradas avaliadas como ótimas em pesquisa de 2012 da Confederação Nacional do Transporte (CNT), por exemplo, era de 28,6% em 2010 e, em 2012, caiu para apenas 11%.

A má qualidade pode acarretar mortes. O número de óbitos nas estradas cresceu 2,3% em 2012, na comparação com 2011, chegando a 2.083 vítimas fatais, contra 2.037 no ano anterior. Outro efeito colateral de rodovias ruins é o congestionamento constante em trechos estratégicos, como a BR-116 entre Canoas e o Vale do Sinos.

Entre todos os males relacionados às estradas, pelo menos a falta de dinheiro parece ter ficado para trás. O desafio, agora, é conseguir aplicar os recursos, vencendo obstáculos burocráticos e suspeitas de irregularidades nas obras.

Acostumado à escassez, o RS conseguiu R$ 2,6 bilhões para construir e recuperar rodovias até 2014. A verba é oriunda de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco Mundial, mais recursos repassados pelo governo federal e do próprio orçamento do Estado. Mesmo assim, as obras não deslancham.

Uma reforma que virou símbolo dos entraves

Em busca dos fatores que levam os gaúchos a transitar em rodovias de Terceiro Mundo, ZH identificou uma região do Estado onde se concentram as principais falhas. Na Serra, a reforma de 196 quilômetros de quatro trechos estratégicos é a síntese dos problemas que atingem grande parte da malha viária gaúcha. A obra, uma promessa de anos, já patinou por falta de dinheiro, processos judiciais, falta de fiscalização e, para culminar, surgiram agora irregularidades no edital da restauração dessas estradas.

A Secretaria de Infraestrutura e Logística chegou a anunciar um investimento de R$ 140 milhões para quatro trechos: a ERS-122 (entre Ipê e a localidade de Samuel, na BR-116), a ERS-324 (entre Nova Araçá e Nova Prata), a RSC-470 (entre Nova Prata e Bento Gonçalves) e a RSC-453 (Rota do Sol, entre Caxias do Sul e Lajeado Grande). As obras deveriam começar em 4 de janeiro. Mas o Daer revogou o edital do Contrato de Restauração e Manutenção (o Crema/Serra, que abrangia os quatro trechos), elaborado na própria autarquia. A justificativa: auditores do Tribunal de Contas do Estado alertaram para “deficiências capazes de gerar prejuízo significativo ao Estado”, conforme parecer emitido no final de 2012.

Apesar de o Estado agora contar com recursos, os projetos colidem com a burocracia. No programa de acessos municipais, das mais de cem obras previstas até 2014, cerca da metade está parada pela necessidade de readequação de contratos ou novas licitações. Muitos projetos são da época do governo Antônio Britto (1995-1998), lembra o secretário de Infraestrutura, Caleb de Oliveira.

– Neste meio tempo muita coisa aconteceu. Os números dos contratos são totalmente desatualizados. Fica difícil restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro. São obras que começaram, alguma coisa foi feita, se perdeu, teve de ser refeito, e tem ainda o problema de como foi o desembolso destes contratos – diz Caleb.


CAIO CIGANA E HUMBERTO TREZZI



Retrato acabado do descaso

Com pior avaliação na pesquisa da CNT/2012, trecho da ERS-122, uma das principais rotas da Serra, conjuga os maiores problemas elencados por ZH. Veja nas próximas páginas por que a estrada é uma espécie de símbolo da precariedade das malha rodoviária do Rio Grande do Sul.





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