ZERO HORA 05 de março de 2013 | N° 17362
ACIDENTES COM MORTES
Peritos deixarão de ir às BRs
Mudança para agilizar atendimento nas estradas pode prejudicar ações movidas por famílias de vítimas, dizem especialistas
FERNANDA DA COSTA
O Instituto-geral de Perícias (IGP) deve deixar de atender a acidentes com morte nos 5,8 mil quilômetros de rodovias federais do Estado. A regra deve ser oficializada no dia 18. Embora agilize os atendimentos e não exija mais trabalho por parte dos policiais, a medida pode prejudicar as famílias das vítimas, segundo especialistas, por provocar perda de provas para a investigação policial.
O diretor do Departamento de Perícias do Interior do IGP, Rogério Gomes Saldanha, confirma que a norma é adotada já em três das nove coordenadorias regionais: Caxias do Sul, Santo Ângelo e Passo Fundo.
O departamento não soube informar, porém, desde quando cada região a adotou. Segundo Saldanha, sem a necessidade de se deslocar às rodovias, os peritos examinarão apenas os veículos, em depósitos, e as vítimas, no Departamento Médico Legal. Um dos argumentos usados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) para a mudança é a de que nenhum policial mudará a rotina de trabalho e de que será necessário apenas ajustes.
Base para mudança é uma lei em vigor desde 1995
A medida só deve ser adotada em todo o Estado após reunião do órgão com a PRF, a Polícia Civil e o Ministério Público. A base para a alteração é um decreto federal em vigor desde 1995, que atribui à PRF a responsabilidade de fazer os levantamentos nos locais dos acidentes. A explicação para organizar o procedimento apenas 17 anos depois foi a autonomia das coordenadorias regionais do IGP.
– Antes, cada região definia seus processos em acordos com a Polícia Civil. Com a criação do Departamento de Perícias do Interior, há seis meses, surgiu a demanda da padronização – afirma Saldanha.
Ele explica que os levantamentos da PRF são suficientemente completos e que o objetivo do IGP é evitar retrabalho. Isso garantiria mais agilidade no atendimento aos acidentes com morte, além de cessar com a espera dos policiais para a chegada dos peritos.
– Muitas vezes, os peritos estão atendendo outros casos, como homicídios, e demoram horas para chegar. A liberação mais rápida da via beneficia os usuários – observa Saldanha.
A possibilidade de não ficar refém da chegada da perícia agrada à PRF, que considera os boletins dos policias completos e detalhados.
Saiba mais
Em 2012, o Rio Grande do Sul teve 13.480 acidentes em rodovias federais
De acordo com a PRF, 6.292 pessoas ficaram feridas 430 vítimas de acidentes em BRs morreram no local
PRF se adaptará à norma
O trabalho dos policiais rodoviários federais não deve mudar, segundo a assessoria de imprensa do órgão, mas orientações devem ser definidas após a reunião do dia 18 com o Instituto-geral de Perícias. Ainda é preciso estabelecer se o boletim feito pela PRF precisará de acréscimos para passar a ser peça do inquérito da Polícia Civil.
Atualmente, por exemplo, o relatório dos policiais não tem fotos que mostrem o estado das vítimas. Outra questão a ser esclarecida é a de como ficará o recolhimento dos corpos, feitos em algumas cidades pelos veículos da perícia médica. No Interior, na maioria das vezes, o transporte já é feito diretamente por funerárias.
Na 14ª delegacia da PRF, com sede em Sarandi, onde a medida já está valendo, a notificação do IGP foi recebida em 24 de janeiro. Mesmo sem orientação oficial, o chefe do Núcleo de Policiamento e Fiscalização da delegacia, Fabricio Moisés Ziani, afirma que os policiais mudaram hábitos no registro de ocorrências, para fornecer levantamento mais completo à Polícia Civil.
– Sem os peritos no local, podemos ter de acrescentar mais detalhes aos registros – admite Ziani.
Dados sobre as vítimas foram adicionados aos levantamentos e mais fotos foram tiradas do local e dos veículos. Um dos exemplos ocorreu no atendimento a um dos acidentes mais graves do ano, na rodovia Soledade-Lajeado (BR-386), que causou a morte de quatro pessoas no dia 9 de fevereiro, em São José do Herval, no Vale do Taquari. Na ocasião, só policiais rodoviários estiveram no local.
Provas são dúvidas de especialistas
Para especialistas em trânsito, a ausência dos levantamentos in loco pelo IGP deve prejudicar futuras ações de homicídio de trânsito, movidas por famílias de vítimas. O engenheiro perito em trânsito Walter Kauffmann Neto afirma que as informações do órgão são essenciais para os processos judiciais, por serem mais detalhadas. Para ele, é necessário que um perito especializado recolha e interprete os dados:
– O trabalho do IGP é um complemento ao da PRF. Se a perícia é falha ou incompleta, podemos não apurar os culpados pelas mortes no trânsito.
O defensor público e representante do órgão no Comitê Estadual do Trânsito Juliano Viali dos Santos explica que os levantamentos do IGP, por ser um órgão técnico, são usados para elucidar os casos. Qualquer detalhe perdido nesta apuração, afirma, pode fazer falta na hora do julgamento:
– Se os levantamentos ficarem vinculados a policiais sem qualificação, pode ser um problema. O corpo de profissionais do IGP é mais qualificado.
A opinião é compartilhada pelo advogado André Moura, diretor da Escola do Instituto dos Advogados do Estado, especialista em ações de trânsito. Ele ressalta que a análise do IGP no local do crime é uma prova fundamental para a Justiça. Segundo Moura, a solução para ter agilidade é aumentar o número de peritos e policiais, e não mudar o processo.
A diretora da Divisão de Trânsito da Polícia Civil da Capital, delegada Viviane Viegas, disse que o órgão não se manifestaria sobre o caso antes da reunião com o IGP.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Realmente, a cada dia e ano que passam, a máxima de que "o Brasil não é um país sério" se confirma. No primeiros dispositivos do texto constitucional, o Brasil é uma República Federativa formada pela união dos Estados e Municípios, mas na prática, o Brasil se revela uma república totalitária que centraliza o Poder em Brasília e coloca forças com poder de polícia e policiamento ostensivo permanente em território das unidades federativas, violando assim o princípio da responsabilidade territorial. E tal situação prejudica a autonomia de cada Estado em cumprir suas obrigações nas questões de justiça e ordem pública.
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