Alcy Cheuiche, escritor - 02/06/2011
O verdadeiro tissunâmi brasileiro, que mata milhares de pessoas e joga carros para o ar, é a irresponsabilidade dos motoristas. E essa situação continuará piorando se não for aplicado em todos nós o título do famoso livro de Dostoievski: Crime e Castigo.
Digo todos nós porque recebi, há dois meses, uma comunicação de que deveria entregar imediatamente minha carteira de motorista em um CFC (leia-se Centro de Formação de Condutores) por ter atingido os 20 pontos fatais.
O que fazer? Vivo pregando em prosa e verso, desde a ditadura, o valor da cidadania, do Estado de direito. E essas palavras significam o direito de ser cidadão, de ter acesso à saúde, segurança, educação, cultura, justiça. Mas também o dever de obedecer às leis brasileiras, aceitar as normas que regem o convívio em sociedade. Ou seja, submeter-me sem subterfúgios ao que ditava aquele papel na minha frente.
Peguei um táxi e fui até um CFC na João Pessoa. Fui atendido em poucos minutos e orientado a entregar a carteira de motorista ali mesmo. Ela ficaria retida durante 30 dias, até que eu cumprisse o curso de reciclagem e fosse aprovado numa prova escrita. Com outro papel na mão, atravessei a avenida até uma agência do Banrisul e paguei a taxa da qual não lembro o valor exato, mas não passou de R$ 200.
Na manhã seguinte, fui de lotação até o mesmo local e entrei numa sala de aula para cumprir o castigo. Confesso que estava emburrado, por ser o único de cabelos grisalhos no meio de uma turma que buscava sua primeira carteira de motorista. Burro velho, pareciam dizer os olhos jovens que me contemplavam: era só diminuir a velocidade diante dos pardais... Mas não foi assim. Durante sete aulas de três horas, com absoluta liberdade de discussão com o professor, integrei-me perfeitamente com aquela turma e senti-me à vontade como aluno. Contei e ouvi boas histórias, que me servirão de material de trabalho, no futuro. Uma delas foi a de uma senhora de 80 anos que atingira os pontos fatídicos por participar de rachas na madrugada. Depois de perder o medo, confessara simplesmente aos colegas que os pontos não eram dela, e sim do neto, que lhe roubava o carro e escondia as multas.
Bueno, o meu maior medo, eu que sou professor, era rodar na prova. Tinha que responder corretamente a 21 perguntas em 30, e isso me preocupava muito. Mas, depois de três semanas de uma boa reciclagem, fui lá e consegui acertar 26 questões. Fiquei inchado de orgulho e recebi minha carteira de motorista de volta, exatamente um mês depois de entregá-la.
É por isso, gaúchos e gaúchas de todas as querências, que na minha porta não vai bater nenhum PM para me entregar intimações. Só por isso. Nada mais.
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