DE SÃO PAULO
Na seção Tendências e Debates, o doutor em direito penal, Luiz Flávio Gomes, e o deputado federal pelo PMDB-SP Edinho Araújo, autor do substitutivo da nova lei seca, discutem se a nova lei irá, ou não, contribuir para a redução no número de acidentes no trânsito.
O deputado federal afirma que o novo texto representa a esperança de queda nos acidentes de trânsito, e que o Congresso agiu em boa hora.
Do outro lado, o advogado Luiz Flávio Gomes, questiona o governo federal, e argumenta que desde 1997 o número de mortes no trânsito aumentou, mesmo com leis de trânsito mais rígidas.
Leia os artigos que respondem à pergunta: Endurecer a lei seca funciona?
A solução não é ficar mexendo nas leis
LUIZ FLÁVIO GOMES
Nas sociedades de risco tecnologicamente avançadas, tal como descritas pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, como podemos evitar ou minimizar os riscos decorrentes dos processos de modernização, especialmente na área do trânsito? Como reduzir drasticamente o trágico número de mortes nesse setor?
A União Europeia descobriu o caminho correto e passou a levar a sério um dos mais eficientes programas mundiais de prevenção de acidentes e mortes no trânsito, cumprindo rigorosamente uma lista com mais de 60 itens.
Eles envolvem uma ampla gama de aspectos: educação, engenharia (das estradas, das ruas e dos carros), fiscalização, primeiros socorros e punição. A taxa média anual de redução no número de óbitos no trânsito da União Europeia é de, aproximadamente, 5% (calculada com base nos dados de 2000 a 2009). Contrariamente, a taxa brasileira de aumento (de 2001 a 2010) foi de 4,06%.
Em 2010, registramos 42.844 mortes no trânsito, contra 32.787 da União Europeia. Mais de 10 mil mortes menos que no Brasil, mesmo tendo uma frota de veículos quatro vezes maior que a nossa.
O que o Brasil tem feito? Responde ao flagelo mortífero com novas leis, sempre mais duras e com a promessa de que agora vai resolver.
Essa política da enganação começou sistematicamente com o Código de Trânsito brasileiro em 1997, quando o Datasus registrava 35.620 mortes no trânsito. Como já não estava surtindo o efeito desejado, modificou-se o CTB em 2006, quando já contávamos com 36.367 mortes. Não tendo funcionado bem, veio a lei seca de 2008, quando alcançamos o patamar de 38.273 mortes.
De 2009 a 2010, logo após a ressaca da lei seca de 2008, aconteceu o maior aumento de óbitos no trânsito de toda nossa história: 13,96%.
Foi com aumento notável na frota de veículos, sobretudo de motocicletas, frouxidão na fiscalização, morosidade na punição e erros crassos da lei, tal como a exigência de comprovação de 6 decigramas de álcool por litro de sangue, que chegamos em 2010 a 42.844 mortes (dados do Datasus).
A projeção que fizemos no nosso Instituto Avante Brasil, para 2012, é de mais de 46 mil óbitos. Para dar satisfação simbólica à população, o que o legislador e a Presidência da República acabam de fazer? Nova lei penal, mais rigorosa que a anterior.
Sem severa fiscalização e persistente conscientização de todos, motoristas e pedestres, nada se pode esperar de positivo da nova lei.
O legislador, diante da sua impotência para resolver de fato os problemas nacionais, usa sua potência legislativa e com isso se tranquiliza dizendo que fez a sua parte.
Isso se chama populismo penal legislativo, porque se sabe, de antemão, que a situação não vai se alterar. Ao contrário, vai se agravar, porque a adoção de novas leis penais sempre ilude a população e adia o enfrentamento correto do problema.
O buraco do trânsito é muito mais profundo. Dessas políticas enganosamente repressivas e inócuas já estamos todos enfadados. A Europa descobriu há duas décadas o caminho correto. Vem colhendo excelentes frutos com essa iniciativa civilizada indiscutivelmente acertada.
Nós ignoramos completamente tudo que a fórmula europeia sugere e aprovamos, de tempos em tempos, novas leis penais, sempre mais duras. Pura enganação, em termos de prevenção da mortandade, embora sejam acertadas e necessárias algumas alterações legislativas.
Continuamos indiferentes com tudo aquilo que efetivamente deveria ser feito. Tiririca, ao se candidatar a deputado federal em 2010, dizia: "Pior que está não fica". O Brasil, no entanto, está conseguindo diariamente ficar pior, e bem pior, em vários setores.
LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001)
Nova lei nos dá esperança
EDINHO ARAÚJO
A boa notícia de fim de ano é que a nova lei seca, sancionada pela presidente Dilma, é válida já durante as festas de fim de ano e no Carnaval. Infelizmente, esses períodos festivos acabam manchados, ano após ano, por acidentes graves, a maioria causada por abusos e imprudência dos motoristas, como excesso de velocidade e embriaguez ao volante.
Como autor do substitutivo aprovado na Câmara e no Senado, que reuniu propostas de 24 projetos de lei que alteravam o Código Nacional de Trânsito, estou otimista com as novas regras da lei seca. Ela eleva as multas e cria novos meios de prova da embriaguez (ou uso de substâncias psicoativas) pelo motorista.
Após o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que os motoristas não são obrigados a fazer o teste do bafômetro, para não criar provas contra si, era visível a indignação da sociedade brasileira com a falta de meios legais para punir motoristas embriagados.
O Congresso Nacional, em boa hora, entendeu que deveria dar uma resposta rápida aos brasileiros.
E ela veio. Fui incumbido de relatar a nova lei seca na Câmara Federal. Num primeiro momento, uma corrente de parlamentares defendia a tolerância zero para álcool e direção. Entendemos, no entanto, que a proposta polêmica dificilmente alcançaria consenso num primeiro momento, com risco real de atrasarmos o endurecimento da lei seca.
Reunimos os projetos que tramitavam na Câmara num substitutivo, sem alterar os índices atuais de alcoolemia previstos no Código Brasileiro de Trânsito. Priorizamos a criação de novos meios de prova, além do bafômetro, e mexemos no bolso dos infratores, dobrando as multas.
A partir da sanção da lei, a comprovação da embriaguez poderá ocorrer por "teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova admitidos em direito". Também se garante o direito à contraprova, podendo o condutor realizar o teste do bafômetro para sua própria defesa.
O valor da multa para quem for pego dirigindo alcoolizado passa dos atuais R$ 957,70 para R$ 1.915,40. Ele dobra caso o motorista tenha cometido essa mesma infração nos 12 meses anteriores.
A aplicação prática dessas medidas já vem sendo debatida em São Paulo, por exemplo. O governador Geraldo Alckmin determinou que, em 2013, diversos setores do governo envolvidos na fiscalização trabalhem em sintonia para facilitar a punição dos motoristas infratores.
Peritos da Polícia Científica, médico e enfermeiros da Secretaria de Estado da Saúde farão exames de rotina nos motoristas. As blitze também terão um delegado e um escrivão da Polícia Civil. Serão responsáveis por tomar as medidas legais caso o condutor seja flagrado bêbado.
A nova lei seca chega num momento em que os acidentes de trânsito se tornaram um flagelo.
Em 2010, o número oficial de mortes no trânsito cresceu 14% em relação a 2009. Foram 42.844 mortes, 117 por dia, quase cinco por hora, e mais de 500 mil feridos. A violência no trânsito é também a principal causa de mortes de menores de 14 anos. No ano passado, 11.277 jovens entre 21 e 29 anos morreram vítimas do trânsito violento.
O novo texto põe fim a um vazio legal e representa a esperança de baixar esses números que tanto impressionam. Os governos e os agentes de trânsito têm, agora, as ferramentas necessárias para agir. Paralelamente, o governo federal acaba de lançar a Operação Integrada de Enfrentamento à Violência no Trânsito para o período de 2012 a 2013, com ampla campanha educativa.
Regras rígidas e educação para o trânsito. Aí residem nossas esperanças de um trânsito menos violento.
EDINHO ARAÚJO, 63, advogado, é deputado federal pelo PMDB-SP e autor do substitutivo da nova lei seca