Muito carro, pouca estrutura
Se por um lado o Estado atinge a marca de um veículo para cada dois habitantes, por outro a malha viária recebe pouco investimento
FRANCISCO AMORIM
FRANCISCO AMORIM
A série de engarrafamentos no feriadão de Ano-Novo indica que há carros demais para estradas de menos no Rio Grande do Sul.
Não bastasse a falta de investimentos na melhoria da malha viária, o Estado atinge em 2013 a marca de um veículo para cada dois habitantes, proporção considerada crítica por especialistas.
Um sinal do descompasso pode ser observado quando se compara o crescimento da malha viária gaúcha com o aumento da frota de veículos entre 2002 e 2012. Enquanto o número de quilômetros asfaltados aumentou 5,7% (de 12,4 mil para 13,1 mil), o de veículos chegou à casa dos 59%, ou seja, 10 vezes mais.
Especialistas ouvidos por ZH ponderam que mais do que equilibrar essa relação entre malha e frota é necessário a realização de obras em pontos nevrálgicos do trânsito gaúcho. Boa parte deles está no caminho de quem troca a cidade pela praia no verão.
– Não há como acabar com os congestionamentos com uma frota desse tamanho, que migra para o litoral nessa época, mas é possível adotar medidas para atenuá-los. Isso a gente não tem visto. Podem ser pequenas obras ou estratégias pontuais em dia de maior fluxo – avalia o professor João Albano, pesquisador do Laboratório de Sistema de Transporte (Lastran) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Mesmo quando o veranista chega à praia, a chance de sofrer com o desequilíbrio entre frota e infraestrutura é grande. O resultado, neste feriadão, mais uma vez, foram vias centrais dos municípios congestionadas grande parte do dia.
Nas rodovias, dos seis principais gargalos do trânsito neste feriadão (veja quadro na página ao lado), nenhum deles tinha previsão de obras, ao menos, até agora. Como se tivesse ouvido o buzinaço dos motoristas, o diretor-geral do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), Carlos Eduardo Vieira, prometeu agir. Ontem ele anunciou obras para desafogar o trânsito nas estradas do Litoral Norte. Entre as medidas, está a abertura de uma licitação para construção de um viaduto na ERS-407 (acesso à Capão da Canoa) sobre a Estrada do Mar, na entrada da cidade; a duplicação de quatro quilômetros da ERS-040 em Viamão e a construção de uma elevada no entroncamento com a ERS-118. A promessa inclui a melhoria de acessos, retornos e na sinalização.
Outro problema enfrentado pelos gaúchos é o próprio ritmo das obras que saem do papel. Quando são inaugurados, projetos como a Rota do Sol, a duplicação da BR-101 e a terceira pista da freeway já tiveram parte de seu potencial defasado pelo incremento da frota.
– Tivemos investimentos importantes nos últimos anos, como a duplicação da BR-101 e a estrada dos cata-ventos, mas temos alguns problemas, como o número de rodovias que desaguam na freeway, causando atrito no trânsito – comenta Albano.
Crescimento geométrico
DANIEL DIAS | EDITOR DO SOBRE RODAS
Dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) de 2011 apontam um crescimento de 121% em 10 anos, fechando em 70,5 milhões de veículos em circulação no país. Acrescente-se as cerca de 3,5 milhões de novas unidades colocadas nas ruas e estradas em 2012, o número vai para 74 milhões de automóveis, comerciais leves, caminhões, ônibus e motos.
Mais especificamente no Estado, na década em questão aferida pelo Denatran, muito pouco foi feito em rodovias para ligar a Grande Porto Alegre e o Interior com o nosso litoral e o de Santa Catarina. Com tanto crescimento da frota, apenas a defasada freeway e a ERS-030, entre a Capital e Osório, e a ERS-040, até Cidreira e Balneário Pinhal, não são suficientes. A duplicação da BR-101, concluída no Estado, só agravou a situação no grande gargalo no início da autoestrada gaúcha. Como efeito cascata, para tudo antes desse funil.
Esticando sempre a mão para as montadoras, o governo federal ajuda a aquecer a economia, dando benefícios no IPI, por exemplo, mas acelera de forma geométrica o caos dos fins de semana, além dos grandes centros urbanos em qualquer época do ano, todos os dias.
Com o aumento do poder aquisitivo da nova classe média no Brasil e as facilidades na compra de carros, futuras vias e estradas seriam somente paliativos. O enervante engarrafamento ocorrido aqui e em quase todo o país continuará se repetindo. É impossível frear o lado ruim de uma frota de veículos cada vez maior.
Solução passa pelo transporte público
Rodoviárias inadequadas, ônibus pouco confortáveis e a falta de um via exclusiva para os coletivos afastam muito gaúchos do transporte público na hora de seguir para o Litoral Norte.
Apesar de levar milhares de veranistas para a orla, os ônibus estão longe de ser uma opção viável para quem se acostumou a viajar de automóvel. Isso porque a falta de infraestrutura não se limita apenas ao número de bilheterias disponíveis na hora de comprar passagem ou às condições precárias dos banheiros de rodoviárias. Quem desembarcou em Porto Alegre na terça-feira à noite, depois de horas e horas de congestionamento, por exemplo, teve de ter paciência para esperar um táxi.
– Não adianta ter ônibus e não ter táxi na chegada ao Litoral ou no retorno à Capital. A viagem é um todo, mas parece que não planejam assim – desabafa o comerciante Joel Vieira, 36 anos, depois de viagem de Imbé a Porto Alegre, que lhe consumiu oito horas.
A cada início de temporada de vias lotadas, a ideia do trem-bala é outra opção aventada pelos defensores do transporte coletivo. Enquanto o veículo de alta velocidade começa a sair do papel para reduzir o trânsito de veículo entre São Paulo e Rio – o edital foi lançado em dezembro e a previsão é de que entre até 2020 –, no Estado não há planos para um investimento dessa envergadura. Um dos motivos seria o baixo fluxo de passageiros na baixa temporada.
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