domingo, 27 de maio de 2012

TRÂNSITO MAL-EDUCADO

 
ZERO HORA, 27 de maio de 2012 | N° 17082 
JÚLIO MARIANI, JORNALISTA

Mais ou menos 50 anos atrás, entrevistei uma autoridade a propósito do aumento do número de acidentes nas ruas e estradas. Se a memória não me engana, o governo pretendia, já naqueles velhos e bons tempos, lançar uma campanha do tipo “educação para o trânsito”. Fiz o devido registro, mas pensei cá comigo: “Muito bonito, muito politicamente correto (estou usando uma expressão que só surgiu bem mais tarde), mas é papo furado, não vai funcionar”. Meio século depois, parece que realmente não funcionou: o Brasil figura hoje entre os paí- ses que apresentam os piores índices de acidentes do planeta. O levantamento consolidado mais recente, a cargo do Ministério da Saúde, indica que em 2010 os acidentes de trânsito mataram 42,8 mil pessoas no país. No mundo todo, no mesmo ano, o número de mortos foi de 1,3 milhão, sendo que 90% dos acidentes com vítimas aconteceram em países emergentes.

Alguém já disse que o problema não é de “educação para o trânsito”, mas de educação de maneira geral. Simples assim? Se tiver tempo e paciência, comece por observar a maneira como as pessoas caminham nas ruas ou em qualquer local público que reúna grandes aglomerações, como shoppings, supermercados, restaurantes, lojas.

Vamos enumerar para facilitar o raciocínio:

1) Cada pessoa tem uma velocidade própria de caminhar e pretende usá-la sempre, mesmo em calçadas cheias de gente que se desloca em velocidades diferentes. Ou seja, cada um procura impor a sua velocidade aos demais. Alguns claramente se irritam por não consegui-lo, e aqueles que possuem físico avantajado tenderão a usá-lo para ganhar espaço e assim manter o seu ritmo. Apenas uma parcela – a metade, talvez – adota um “caminhar social”, ou seja, adaptado à velocidade coletiva dominante. Até mesmo um deficiente que se desloque lentamente corre o risco de levar um encontrão.

2) É expressivo o número de pessoas que caminham depressa demais, como se estivessem sempre atrasadas para chegar a algum lugar em um momento decisivo para a história de suas vidas.

3) Nas horas de maior movimento dos supermercados, é possível observar o tráfico caótico dos carrinhos, ou seja, esses pequenos veículos estão sempre a um passo de colidir com outros ou de atropelar pessoas.

4) São também abundantes os carrinhos “mal estacionados”. Como resultado, os corredores tendem a ficar cheios de carrinhos que atrapalham o deslocamento dos demais. Também não é raro o tipo que faz questão de chegar com o carrinho onde quer que vá, mesmo que se trate de um espaço mínimo. Com isso, atrapalha a movimentação de pessoas que carregam apenas um cesto.

5) Idosos lentos são “quase atropelados” várias vezes em locais de grande movimento. Isso não acontece com tanta frequência porque eles mesmos tomam a iniciativa de sair do caminho. A ameaça vem sobretudo de grupos de jovens que caminham rápido e batendo um papo entusiasmado. É comum que tais grupos sequer tomem conhecimento da existência de outras pessoas, idosos ou não.

6) As mulheres perderam o caminhar mais lento e mais delicado que as caracterizava. A maioria das jovens de hoje caminha com passos grandes e rápidos, à moda masculina.

7) Aumenta a cada dia o número de pessoas que caminham falando ao celular com o olhar perdido no espaço, como se estivessem em um planeta só habitado por elas e seus interlocutores.

Use agora a sua imaginação e coloque essas mesmas pessoas na direção de veículos em ruas e estradas de grande movimento. Eu já fiz isso e, sinceramente, o resultado não foi dos mais estimulantes.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Estão sobrando controles, ações e tecnologia para cobrar taxas e multar, mas faltam investimentos em educação do trânsito no Brasil.  A educação tem a capacidade de prevenir, melhorar condutas e evitar multas. Será que EDUCAÇÃO interessa realmente às autoridades gestoras? 

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