ZERO HORA 15/02/2015 | 04h01
por Marcelo Monteiro
Penalidades a quem dirige embriagado aumentam, mas, mesmo em caso de homicídio de trânsito, condutores raramente cumprem prisão em regime fechado. Multas e serviços comunitários são suficientes para inibir a mistura de álcool e direção?
Colisão entre um Corsa e uma Ecosport matou uma jovem na Capital em novembro de 2013 Foto: Dani Barcellos / Agência RBS
A cada acidente fatal envolvendo motoristas embriagados, o roteiro se repete: preso em flagrante, o condutor é libertado dias – às vezes, horas – depois, sob pagamento de fiança, e acaba respondendo ao processo em liberdade.
No Natal, sob efeito de álcool, um motorista perdeu o controle do veículo e invadiu a pista contrária em Capão da Canoa, matando uma motociclista e deixando a caroneira em estado gravíssimo. No dia seguinte, recebeu da Justiça o direito de responder em liberdade.
Em situações como essa, para uma parcela da população resta a sensação de impunidade. Mas, ao final de cada processo, é possível falar que não houve punição?
Conforme dados da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, o número de homicídios culposos de trânsito julgados no Rio Grande do Sul – incluindo os causados por condutores alcoolizados – quintuplicou nos últimos anos, saltando de 962 em 2010 para 4.905 em 2014. Nos julgamentos, o saldo de condenados subiu de 313 para 449. Ou seja, um número maior de motoristas – entre eles, os flagrados bêbados – vem sendo punido ano após ano.
Na maior parte dos casos, as penas se resumem a multas ou a obrigatoriedade de prestação de serviços comunitários. Conclusão inevitável: beber, dirigir e matar ao volante não resulta em cadeia.
– Óbvio que multas e sanções administrativas são insuficientes diante de um crime contra a vida. Mas nem mesmo as penalidades referentes às infrações são aplicadas na proporção desejável, e isso estimula condutas criminosas – diz o consultor da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (Abetran) Luís Carlos Paulino.
Para o especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), a falta de fiscalização é um dos principais fatores que contribuem para a sensação de impunidade em relação às condutas de risco ao volante, como beber e dirigir.
– A lei pode ser rigorosa, mas depende de uma fiscalização que não é simples. A Operação Lei Seca do Rio de Janeiro, a mais bem estruturada do país, não conseguiu ser reproduzida em nenhum Estado, porque, para se ter uma fiscalização que faça valer o que está na lei, é preciso ter estrutura. A prisão (nos casos de homicídio) é apenas uma das medidas a serem tomadas a partir da lei. E as outras? Resultado: as pessoas sentem que não dá em nada – diz Biavati.
Em vídeo, assista a trechos das entrevistas de Altair Teixeira Carvalho, acusado de matar pai e filho no trânsito, e de Janaína Estigarriba da Silva, que perdeu o marido e o filho:
Juiz da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, Eduardo Lucas Almada avalia que o cenário mudou nos últimos anos. Para ele, mesmo que a atuação da Justiça não seja percebida de forma tão evidente pela população, em razão dos ritos e prazos processuais a serem cumpridos em cada processo e, principalmente, pela própria impossibilidade de condenação em regime fechado, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor desde 1998, modificou radicalmente o tratamento aos delitos cometidos por motoristas:
– Antes, muitas condutas não eram punidas, e agora são. Tem muita gente que está sendo punida – garante Almada.
Em ascensão nos últimos anos, indicadores como multas e processos administrativos por embriaguez levados a cabo pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) mostram o esforço do Estado em punir a irresponsabilidade ao volante. Ao mesmo tempo, outro indicador aponta que o recrudescimento da fiscalização pode estar surtindo efeito: em Porto Alegre, cidade que conta com barreiras diárias da operação Balada Segura, a média diária de prisões por embriaguez ao volante vem caindo (de 1,3 em 2012 para 1,06 em 2014).
Educação para mudar a cultura
Para o chefe de Divisão de Cassação e Suspensão de Condutores do Detran, Anderson Paz Barcellos, o maior número de abordagens, de penalidades aplicadas e de carteiras recolhidas contribui para que, aos poucos, os motoristas tornem-se mais prudentes:
– As penalidades, na esfera administrativa e na penal, são muito duras. A gente tenta também mudar essa questão de forma educacional, para que, no futuro, possamos, de uma forma mais ampla, mudar a cultura do trânsito.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Só educação não resolve. Se resolvesse, um Estado não precisaria de leis, de justiça e de polícia. Há pessoas muito bem educadas (inclusive autoridades superassalariadas) que são as piores transgressoras, pois desrespeitam a lei, desmoralizam a justiça e chega a nivelar o agente fiscal a um mero serviçal. A propósito, alguém conhece um país sem lei? Portanto, só educação é utopia e ingenuidade quando se trata de conivência entre pessoas. Agora, se juntar educação mais justiça (aplicadora coativa das leis) os resultados poderão garantir uma cultura de solidariedade e de respeito às leis, à justiça, à autoridade e os direitos de terceiros.
por Marcelo Monteiro
Penalidades a quem dirige embriagado aumentam, mas, mesmo em caso de homicídio de trânsito, condutores raramente cumprem prisão em regime fechado. Multas e serviços comunitários são suficientes para inibir a mistura de álcool e direção?
Colisão entre um Corsa e uma Ecosport matou uma jovem na Capital em novembro de 2013 Foto: Dani Barcellos / Agência RBS
A cada acidente fatal envolvendo motoristas embriagados, o roteiro se repete: preso em flagrante, o condutor é libertado dias – às vezes, horas – depois, sob pagamento de fiança, e acaba respondendo ao processo em liberdade.
No Natal, sob efeito de álcool, um motorista perdeu o controle do veículo e invadiu a pista contrária em Capão da Canoa, matando uma motociclista e deixando a caroneira em estado gravíssimo. No dia seguinte, recebeu da Justiça o direito de responder em liberdade.
Em situações como essa, para uma parcela da população resta a sensação de impunidade. Mas, ao final de cada processo, é possível falar que não houve punição?
Conforme dados da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, o número de homicídios culposos de trânsito julgados no Rio Grande do Sul – incluindo os causados por condutores alcoolizados – quintuplicou nos últimos anos, saltando de 962 em 2010 para 4.905 em 2014. Nos julgamentos, o saldo de condenados subiu de 313 para 449. Ou seja, um número maior de motoristas – entre eles, os flagrados bêbados – vem sendo punido ano após ano.
Na maior parte dos casos, as penas se resumem a multas ou a obrigatoriedade de prestação de serviços comunitários. Conclusão inevitável: beber, dirigir e matar ao volante não resulta em cadeia.
– Óbvio que multas e sanções administrativas são insuficientes diante de um crime contra a vida. Mas nem mesmo as penalidades referentes às infrações são aplicadas na proporção desejável, e isso estimula condutas criminosas – diz o consultor da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (Abetran) Luís Carlos Paulino.
Para o especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), a falta de fiscalização é um dos principais fatores que contribuem para a sensação de impunidade em relação às condutas de risco ao volante, como beber e dirigir.
– A lei pode ser rigorosa, mas depende de uma fiscalização que não é simples. A Operação Lei Seca do Rio de Janeiro, a mais bem estruturada do país, não conseguiu ser reproduzida em nenhum Estado, porque, para se ter uma fiscalização que faça valer o que está na lei, é preciso ter estrutura. A prisão (nos casos de homicídio) é apenas uma das medidas a serem tomadas a partir da lei. E as outras? Resultado: as pessoas sentem que não dá em nada – diz Biavati.
Em vídeo, assista a trechos das entrevistas de Altair Teixeira Carvalho, acusado de matar pai e filho no trânsito, e de Janaína Estigarriba da Silva, que perdeu o marido e o filho:
Juiz da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, Eduardo Lucas Almada avalia que o cenário mudou nos últimos anos. Para ele, mesmo que a atuação da Justiça não seja percebida de forma tão evidente pela população, em razão dos ritos e prazos processuais a serem cumpridos em cada processo e, principalmente, pela própria impossibilidade de condenação em regime fechado, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor desde 1998, modificou radicalmente o tratamento aos delitos cometidos por motoristas:
– Antes, muitas condutas não eram punidas, e agora são. Tem muita gente que está sendo punida – garante Almada.
Em ascensão nos últimos anos, indicadores como multas e processos administrativos por embriaguez levados a cabo pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) mostram o esforço do Estado em punir a irresponsabilidade ao volante. Ao mesmo tempo, outro indicador aponta que o recrudescimento da fiscalização pode estar surtindo efeito: em Porto Alegre, cidade que conta com barreiras diárias da operação Balada Segura, a média diária de prisões por embriaguez ao volante vem caindo (de 1,3 em 2012 para 1,06 em 2014).
Educação para mudar a cultura
Para o chefe de Divisão de Cassação e Suspensão de Condutores do Detran, Anderson Paz Barcellos, o maior número de abordagens, de penalidades aplicadas e de carteiras recolhidas contribui para que, aos poucos, os motoristas tornem-se mais prudentes:
– As penalidades, na esfera administrativa e na penal, são muito duras. A gente tenta também mudar essa questão de forma educacional, para que, no futuro, possamos, de uma forma mais ampla, mudar a cultura do trânsito.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Só educação não resolve. Se resolvesse, um Estado não precisaria de leis, de justiça e de polícia. Há pessoas muito bem educadas (inclusive autoridades superassalariadas) que são as piores transgressoras, pois desrespeitam a lei, desmoralizam a justiça e chega a nivelar o agente fiscal a um mero serviçal. A propósito, alguém conhece um país sem lei? Portanto, só educação é utopia e ingenuidade quando se trata de conivência entre pessoas. Agora, se juntar educação mais justiça (aplicadora coativa das leis) os resultados poderão garantir uma cultura de solidariedade e de respeito às leis, à justiça, à autoridade e os direitos de terceiros.
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