ZERO HORA 15/02/2015 | 04h02
Bebida e direção. Só um condutor preso sob acusação de homicídio no RS. Depois de reclusão de um ano e meio, Altair Teixeira Carvalho ainda não foi julgado
Em 2013, o carro da família de Janaína foi atingido pelo Gol dirigido por Altair Foto: Polícia Rodoviária Federal / Divulgação
Em todas as cadeias do Rio Grande do Sul, há um único condutor preso sob a acusação de homicídio de trânsito. A reclusão, no Presídio Estadual de Lajeado, já dura um ano e meio. Só que até hoje Altair Teixeira Carvalho ainda não foi julgado: está em prisão preventiva e é um exemplo das contradições da legislação brasileira.
Aos 36 anos, o pedreiro nascido em São Luiz Gonzaga e morador de Lajeado há 15 anos não se julga um criminoso, apesar de estar preso desde 3 de agosto de 2013, quando, com um Gol, invadiu a pista contrária da BR-386, atingindo a lateral de uma Pajero e causando a morte de pai e filho. O teste do bafômetro indicou 0,8 miligramas de álcool por litro de ar expelido (mais do que o dobro do limite). Para completar, Altair estava com a carteira suspensa por dirigir embriagado, fugiu do local e acabou preso horas depois, dormindo em sua casa, em Lajeado.
Em 29 de dezembro daquele ano, ele foi pronunciado para ir a júri popular, pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio doloso). Mas, em razão de um recurso da defesa, ainda não há data prevista para o julgamento. Para o advogado Marcelo Chaves, contratado por amigos de Altair para tentar tirá-lo do Presídio Estadual de Lajeado, o cliente só está atrás das grades por não ter recursos financeiros. Caso tivesse buscado um advogado logo após o acidente, diz ele, estaria em liberdade.
Assista a trechos das entrevistas de Altair Teixeira Carvalho e de Janaína Estigarriba da Silva
Na entrevista feita no presídio, Altair sorri sem graça. Fala baixo, monotônico na forma, mas incisivo no conteúdo: se a família da caminhonete foi dilacerada, a sua também está sofrendo.
Na Pajero, estavam Lissandro Stroher de Mello, 36 anos, e Janaína Estigarriba da Silva, 31 anos (hoje 33). No banco de trás, os filhos Igor, 11 anos, e Larissa, sete anos. Com o choque, Lissandro e Igor morreram na hora. Janaína e Larissa, que estavam no lado direito do veículo, sofreram ferimentos leves.
Naturais de São Pedro do Sul, Lissandro e Janaína conheceram-se no Baile do Chope, na cidade de 16 mil habitantes na região central. Em 2001, assim que Lissandro saiu do Regimento Mallet, em Santa Maria, onde servira ao Exército durante nove anos, o casal decidiu tentar a vida em Caxias do Sul.
Na noite de 3 de agosto de 2013, a família retornava à cidade serrana, depois de passar as férias na cidade natal. No banco de trás, Igor e Larissa descansavam, ambos usando cinto de segurança e abrigados por um cobertor de lã colocado por Janaína. Ao volante, Lissandro mostrava-se tranquilo, apesar da preocupação de Janaína diante da chuva torrencial que caía sobre a BR-386.
— Nêga, te acalma. Não precisa ficar nervosa. Sou bom motorista — disse Lissandro.
Ao que a mulher, traumatizada pela perda de uma irmã em acidente de trânsito, retrucou:
— Pois é, só que tu tens de se cuidar dos outros.
Por volta de 23h, na altura do quilômetro 345, nas proximidades do Shopping Lajeado, o gol dirigido por Altair invadiu a pista contrária, acertando em cheio a lateral da caminhonete da família. Enquanto populares acorriam para ajudar mãe e filha, presas às ferragens, o motorista do gol deixou o local sem prestar socorro e acabaria preso horas depois, em casa. Retirada das ferragens, em um momento de desespero, Janaína tentou jogar-se contra um caminhão, mas foi contida.
— O Lissandro, como marido, como pai e como amigo, não existia igual. Era uma pessoa maravilhosa. E ele perder a vida da forma que perdeu, não tenho palavras. Foi o melhor marido do mundo — comenta.
Um ano e meio depois do acidente, Janaína e Larissa escoram-se uma na outra para seguirem vivendo. Para lidar com a perda, a mãe toma antidepressivos. Sem trabalhar, ela utiliza quatro remédios, que se juntam a duas carteiras de cigarro diárias, em uma espécie de coquetel contra o abatimento — nos primeiros meses após o acidente, eram quatro maços por dia.
— Estou em pé e forte por ela — diz Janaína, referindo-se a Larissa, olhos fundos de tantas lágrimas derramadas.
Nas paredes do apartamento, no bairro Morada dos Alpes, em Caxias, fotos lembram momentos felizes, dos tempos em que a família ainda era um quarteto. Neste ambiente, enquanto fala a Zero Hora, Janaína emociona-se ao lembrar do filho:
— O Igor, amado da mãe, era uma criança alegre, feliz. Estava sempre de bem com a vida. Tinha um sonho tão lindo: queria ser jogador de futebol. Ele e o pai dele eram fanáticos pelo Grêmio.
Sobre o motorista do Gol, Janaína afirma não ter como perdoá-lo neste momento, mas frisa repetidas vezes que espera a sua punição na justiça:
— Espero que ele seja condenado.
"Eu não tive culpa, não quis fazer"
Entrevista com Altair Teixeira de Carvalho (foto acima), pedreiro, 36 anos, acusado de matar pai e filho no trânsito
O que mudou na tua vida?
Mudou muito. Faz um ano e meio quase que estou aqui, nada resolvido e a família lá fora sofrendo, sem receber nada.
Tua família está passando por alguma dificuldade?
Claro. O que eu podia dar para eles, não estou dando. Estou aqui preso, e ela (sua mulher) é quem tem de estar trabalhando, sustentando meus dois filhos.
Tu sabias que poderia causar um acidente?
Nunca imaginei que iria acontecer aquilo. Aconteceu. Foi uma fatalidade. Olha a chuva que estava naquele dia. Não é só botar a fatalidade no álcool e não falar da chuva.
Já paraste para pensar nos efeitos do acidente na família que estava no outro carro?
Já pesei os dois lados. Se fosse com a minha família eu também ia querer que o cara estivesse preso. Todo mundo pensa igual. Nesse caso não tem o que se falar.
A consciência ficou abalada?
Com certeza. Quando tu vais dormir, tu lembras. Tudo o que tu estás passando aqui e a tua família está passando lá. Eu acho que não era o caso de tanto tempo estar aí dentro (no presídio), por uma coisa que eu não tive culpa, que não quis fazer. Se eu quisesse fazer, tudo bem.
Hoje, se tivesses oportunidade de pegar um carro, beber e dirigir, farias de novo?
Não. Nem quero ver carro na minha frente por um bom tempo. Nem sei se vou dirigir carro daqui para frente.
A lei oferece oportunidades diferentes para quem tem mais recursos?
Se tu tiveres dinheiro, não ficas preso. Depois do que aconteceu comigo, com quantos já aconteceu e quantos estão presos? Nenhum. Só eu.
O Altair de hoje é diferente do Altair do acidente?
Tu nunca mais vai ser o mesmo depois de ter estado aqui dentro. Só pelo fato de tu saberes que teus filhos estão lá fora passando necessidade, não vais ser o mesmo. Um dia que teu filho passar necessidade, o resto da tua vida tu vais lembrar daquele dia.
Se pudesses falar com a viúva do rapaz que faleceu no acidente, o que diria?
Não sei, assim. Pediria desculpas. Foi uma fatalidade.
"Este cara acabou com a minha vida"
Entrevista com Janaína da Silva Estigarriba (na foto acima, ao lado da filha Larissa), dona de casa, 33 anos, que perdeu marido e filho em acidente
Quais as tuas lembranças do acidente?
Quando olhei para frente, eu só disse assim: "cuidado!". Porque aquele carro já vinha no alto. Ele já nos pegou voando. Aquilo foi muito rápido. E o que ele (Lissandro, o marido) pôde fazer, ele fez. Ele tirou o carro para o lado. Sempre digo que ele salvou a nossa vida, minha e da filha dele. Mas o carro pegou em cheio neles. Foi horrível. Vi que me bati e que estava bem. Eu ouvia as crianças e não ouvia o Lissandro. Tinha bastante gente na frente do shopping, muitos jovens que estavam indo para festas.
E o que aconteceu depois?
Fiquei presa e gritava desesperada para eles tirarem os meus filhos. Só pensava nos meus filhos. Em nenhum momento, eu lembrei do Lissandro, sabe? Vi que a Larissa reagiu, mas que o Igor não reagia. Depois, pensei: "Meu Deus, meu Deus, e o Lissandro que não reage?" Aí tentei me virar e não enxerguei mais ele. (Janaína chora). Estava com todo o carro em cima do rosto dele, todo amassado. E o Igor, eu olhava para trás e gritava, porque não enxergava. A Larissa começou a chorar desesperada pelo mano e pelo pai e foi a primeira a ser retirada do carro. Quando me tiraram, tentei fazer a volta. Mas o pessoal já tinha visto o estado do Igor e do Lissandro e não me deixou (choro). Me levaram para a frente da parada de ônibus.
Tu ficaste lá?
Foi horrível porque os bombeiros e os médicos não chegavam nunca. Só pensava que eles estivessem machucados. Nunca imaginei que eles estavam mortos. Pensei que só estavam presos nas ferragens, que não era nada grave.
Como a Larissa lida com a ausência do pai e do irmão?
A gente conversa. No dia 4, ela fez aniversário. E é quando a saudade bate. Saudade ela tem todos os dias, porque fala todo santo dia no pai e no mano. A gente está conversando um assunto e ela tem de botar o mano (Igor) e o pai na conversa. "Tu lembra que o pai fazia isso, que o mano fazia aquilo?" E acaba sempre em um choro. Ela não fala muito diretamente sobre o assunto para não me machucar, e eu não falo muito para não machucá-la. Mas dia desses ela desabou, começou a chorar. Isso pode amenizar, mas vai ser para sempre.
O que mudou na tua vida?
Para falar a verdade, este homem (Altair, motorista do Gol) acabou com a minha vida (choro). Não posso esquecer que ele fez aquilo tudo e nem sequer socorreu a gente. Nem ajuda ele nos deu. Ele fugiu do local.
O que tu dirias a ele?
Não sei qual seria a minha reação. Só sei dizer que quero justiça. Ficar sabendo que ele está preso me deu um alívio. Saber que pelo menos ele está lá ainda. Quero que seja julgado e condenado. Porque ele tirou a minha família de mim. Ficamos só eu e a Larissa. A família dele está lá, do lado dele, e nós estamos aqui, sozinhas. Depois do que aconteceu, tu perdoarias Altair?
Não perdoo ele. Pelo menos agora, não. Está muito recente. Não digo que a gente não tenha de perdoar, mas agora, não.
Bebida e direção. Só um condutor preso sob acusação de homicídio no RS. Depois de reclusão de um ano e meio, Altair Teixeira Carvalho ainda não foi julgado
Em 2013, o carro da família de Janaína foi atingido pelo Gol dirigido por Altair Foto: Polícia Rodoviária Federal / Divulgação
Em todas as cadeias do Rio Grande do Sul, há um único condutor preso sob a acusação de homicídio de trânsito. A reclusão, no Presídio Estadual de Lajeado, já dura um ano e meio. Só que até hoje Altair Teixeira Carvalho ainda não foi julgado: está em prisão preventiva e é um exemplo das contradições da legislação brasileira.
Aos 36 anos, o pedreiro nascido em São Luiz Gonzaga e morador de Lajeado há 15 anos não se julga um criminoso, apesar de estar preso desde 3 de agosto de 2013, quando, com um Gol, invadiu a pista contrária da BR-386, atingindo a lateral de uma Pajero e causando a morte de pai e filho. O teste do bafômetro indicou 0,8 miligramas de álcool por litro de ar expelido (mais do que o dobro do limite). Para completar, Altair estava com a carteira suspensa por dirigir embriagado, fugiu do local e acabou preso horas depois, dormindo em sua casa, em Lajeado.
Em 29 de dezembro daquele ano, ele foi pronunciado para ir a júri popular, pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio doloso). Mas, em razão de um recurso da defesa, ainda não há data prevista para o julgamento. Para o advogado Marcelo Chaves, contratado por amigos de Altair para tentar tirá-lo do Presídio Estadual de Lajeado, o cliente só está atrás das grades por não ter recursos financeiros. Caso tivesse buscado um advogado logo após o acidente, diz ele, estaria em liberdade.
Assista a trechos das entrevistas de Altair Teixeira Carvalho e de Janaína Estigarriba da Silva
Na entrevista feita no presídio, Altair sorri sem graça. Fala baixo, monotônico na forma, mas incisivo no conteúdo: se a família da caminhonete foi dilacerada, a sua também está sofrendo.
Na Pajero, estavam Lissandro Stroher de Mello, 36 anos, e Janaína Estigarriba da Silva, 31 anos (hoje 33). No banco de trás, os filhos Igor, 11 anos, e Larissa, sete anos. Com o choque, Lissandro e Igor morreram na hora. Janaína e Larissa, que estavam no lado direito do veículo, sofreram ferimentos leves.
Naturais de São Pedro do Sul, Lissandro e Janaína conheceram-se no Baile do Chope, na cidade de 16 mil habitantes na região central. Em 2001, assim que Lissandro saiu do Regimento Mallet, em Santa Maria, onde servira ao Exército durante nove anos, o casal decidiu tentar a vida em Caxias do Sul.
Na noite de 3 de agosto de 2013, a família retornava à cidade serrana, depois de passar as férias na cidade natal. No banco de trás, Igor e Larissa descansavam, ambos usando cinto de segurança e abrigados por um cobertor de lã colocado por Janaína. Ao volante, Lissandro mostrava-se tranquilo, apesar da preocupação de Janaína diante da chuva torrencial que caía sobre a BR-386.
— Nêga, te acalma. Não precisa ficar nervosa. Sou bom motorista — disse Lissandro.
Ao que a mulher, traumatizada pela perda de uma irmã em acidente de trânsito, retrucou:
— Pois é, só que tu tens de se cuidar dos outros.
Por volta de 23h, na altura do quilômetro 345, nas proximidades do Shopping Lajeado, o gol dirigido por Altair invadiu a pista contrária, acertando em cheio a lateral da caminhonete da família. Enquanto populares acorriam para ajudar mãe e filha, presas às ferragens, o motorista do gol deixou o local sem prestar socorro e acabaria preso horas depois, em casa. Retirada das ferragens, em um momento de desespero, Janaína tentou jogar-se contra um caminhão, mas foi contida.
— O Lissandro, como marido, como pai e como amigo, não existia igual. Era uma pessoa maravilhosa. E ele perder a vida da forma que perdeu, não tenho palavras. Foi o melhor marido do mundo — comenta.
Um ano e meio depois do acidente, Janaína e Larissa escoram-se uma na outra para seguirem vivendo. Para lidar com a perda, a mãe toma antidepressivos. Sem trabalhar, ela utiliza quatro remédios, que se juntam a duas carteiras de cigarro diárias, em uma espécie de coquetel contra o abatimento — nos primeiros meses após o acidente, eram quatro maços por dia.
— Estou em pé e forte por ela — diz Janaína, referindo-se a Larissa, olhos fundos de tantas lágrimas derramadas.
Nas paredes do apartamento, no bairro Morada dos Alpes, em Caxias, fotos lembram momentos felizes, dos tempos em que a família ainda era um quarteto. Neste ambiente, enquanto fala a Zero Hora, Janaína emociona-se ao lembrar do filho:
— O Igor, amado da mãe, era uma criança alegre, feliz. Estava sempre de bem com a vida. Tinha um sonho tão lindo: queria ser jogador de futebol. Ele e o pai dele eram fanáticos pelo Grêmio.
Sobre o motorista do Gol, Janaína afirma não ter como perdoá-lo neste momento, mas frisa repetidas vezes que espera a sua punição na justiça:
— Espero que ele seja condenado.
"Eu não tive culpa, não quis fazer"
Entrevista com Altair Teixeira de Carvalho (foto acima), pedreiro, 36 anos, acusado de matar pai e filho no trânsito
O que mudou na tua vida?
Mudou muito. Faz um ano e meio quase que estou aqui, nada resolvido e a família lá fora sofrendo, sem receber nada.
Tua família está passando por alguma dificuldade?
Claro. O que eu podia dar para eles, não estou dando. Estou aqui preso, e ela (sua mulher) é quem tem de estar trabalhando, sustentando meus dois filhos.
Tu sabias que poderia causar um acidente?
Nunca imaginei que iria acontecer aquilo. Aconteceu. Foi uma fatalidade. Olha a chuva que estava naquele dia. Não é só botar a fatalidade no álcool e não falar da chuva.
Já paraste para pensar nos efeitos do acidente na família que estava no outro carro?
Já pesei os dois lados. Se fosse com a minha família eu também ia querer que o cara estivesse preso. Todo mundo pensa igual. Nesse caso não tem o que se falar.
A consciência ficou abalada?
Com certeza. Quando tu vais dormir, tu lembras. Tudo o que tu estás passando aqui e a tua família está passando lá. Eu acho que não era o caso de tanto tempo estar aí dentro (no presídio), por uma coisa que eu não tive culpa, que não quis fazer. Se eu quisesse fazer, tudo bem.
Hoje, se tivesses oportunidade de pegar um carro, beber e dirigir, farias de novo?
Não. Nem quero ver carro na minha frente por um bom tempo. Nem sei se vou dirigir carro daqui para frente.
A lei oferece oportunidades diferentes para quem tem mais recursos?
Se tu tiveres dinheiro, não ficas preso. Depois do que aconteceu comigo, com quantos já aconteceu e quantos estão presos? Nenhum. Só eu.
O Altair de hoje é diferente do Altair do acidente?
Tu nunca mais vai ser o mesmo depois de ter estado aqui dentro. Só pelo fato de tu saberes que teus filhos estão lá fora passando necessidade, não vais ser o mesmo. Um dia que teu filho passar necessidade, o resto da tua vida tu vais lembrar daquele dia.
Se pudesses falar com a viúva do rapaz que faleceu no acidente, o que diria?
Não sei, assim. Pediria desculpas. Foi uma fatalidade.
"Este cara acabou com a minha vida"
Entrevista com Janaína da Silva Estigarriba (na foto acima, ao lado da filha Larissa), dona de casa, 33 anos, que perdeu marido e filho em acidente
Quais as tuas lembranças do acidente?
Quando olhei para frente, eu só disse assim: "cuidado!". Porque aquele carro já vinha no alto. Ele já nos pegou voando. Aquilo foi muito rápido. E o que ele (Lissandro, o marido) pôde fazer, ele fez. Ele tirou o carro para o lado. Sempre digo que ele salvou a nossa vida, minha e da filha dele. Mas o carro pegou em cheio neles. Foi horrível. Vi que me bati e que estava bem. Eu ouvia as crianças e não ouvia o Lissandro. Tinha bastante gente na frente do shopping, muitos jovens que estavam indo para festas.
E o que aconteceu depois?
Fiquei presa e gritava desesperada para eles tirarem os meus filhos. Só pensava nos meus filhos. Em nenhum momento, eu lembrei do Lissandro, sabe? Vi que a Larissa reagiu, mas que o Igor não reagia. Depois, pensei: "Meu Deus, meu Deus, e o Lissandro que não reage?" Aí tentei me virar e não enxerguei mais ele. (Janaína chora). Estava com todo o carro em cima do rosto dele, todo amassado. E o Igor, eu olhava para trás e gritava, porque não enxergava. A Larissa começou a chorar desesperada pelo mano e pelo pai e foi a primeira a ser retirada do carro. Quando me tiraram, tentei fazer a volta. Mas o pessoal já tinha visto o estado do Igor e do Lissandro e não me deixou (choro). Me levaram para a frente da parada de ônibus.
Tu ficaste lá?
Foi horrível porque os bombeiros e os médicos não chegavam nunca. Só pensava que eles estivessem machucados. Nunca imaginei que eles estavam mortos. Pensei que só estavam presos nas ferragens, que não era nada grave.
Como a Larissa lida com a ausência do pai e do irmão?
A gente conversa. No dia 4, ela fez aniversário. E é quando a saudade bate. Saudade ela tem todos os dias, porque fala todo santo dia no pai e no mano. A gente está conversando um assunto e ela tem de botar o mano (Igor) e o pai na conversa. "Tu lembra que o pai fazia isso, que o mano fazia aquilo?" E acaba sempre em um choro. Ela não fala muito diretamente sobre o assunto para não me machucar, e eu não falo muito para não machucá-la. Mas dia desses ela desabou, começou a chorar. Isso pode amenizar, mas vai ser para sempre.
O que mudou na tua vida?
Para falar a verdade, este homem (Altair, motorista do Gol) acabou com a minha vida (choro). Não posso esquecer que ele fez aquilo tudo e nem sequer socorreu a gente. Nem ajuda ele nos deu. Ele fugiu do local.
O que tu dirias a ele?
Não sei qual seria a minha reação. Só sei dizer que quero justiça. Ficar sabendo que ele está preso me deu um alívio. Saber que pelo menos ele está lá ainda. Quero que seja julgado e condenado. Porque ele tirou a minha família de mim. Ficamos só eu e a Larissa. A família dele está lá, do lado dele, e nós estamos aqui, sozinhas. Depois do que aconteceu, tu perdoarias Altair?
Não perdoo ele. Pelo menos agora, não. Está muito recente. Não digo que a gente não tenha de perdoar, mas agora, não.
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