ITAMAR MELO
ELES SÃO SEGUROS?
O QUE DIZEM testes que avaliam a qualidade de veículos vendidos no Brasil, realizados por entidade de defesa do consumidor
O freio ABS apareceu em 1971. O airbag frontal chegou ao mercado três anos depois. Na Europa e nos Estados Unidos, esses sistemas são considerados indispensáveis há décadas. No Brasil, só deixaram de ser um luxo em janeiro, quando tornaram-se obrigatórios nos veículos novos. Apesar do atraso de 40 anos, foi um avanço importante, que eleva a segurança do carro nacional a outro patamar. Mas o consumidor não deve se iludir. Há indícios de que o automóvel brasileiro, em geral, ainda é um perigo em comparação com o de países mais avançados e cobra um preço alto em mortes e lesões perfeitamente evitáveis.
O melhor termômetro dessa diferença são testes realizados desde 2010 pelo Programa de Avaliação de Veículos Novos para a América Latina e o Caribe (Latin Ncap), organização de defesa do consumidor que seleciona alguns modelos e os envia a um laboratório alemão, onde eles são submetidos a uma colisão frontal. Depois, medem-se as lesões sofridas por bonecos especiais e inspeciona-se o que ocorreu com o automóvel. No final, chega-se a uma nota que vai de zero a cinco estrelas.
O resultado dos testes mais recentes é alarmante. De oito modelos latino-americanos analisados, dois conseguiram quatro ou cinco estrelas para adultos no banco dianteiro. Para crianças, a pontuação é ainda pior. Na Europa e nos Estados Unidos, onde as avaliações são mais rigorosas, a maioria dos carros obtêm conceito máximo.
Um dos veículos testados foi o New Palio, produzido na Argentina. O modelo sem airbag obteve nota zero. Na versão com airbags frontais, o dispositivo fez diferença, e a nota subiu para três estrelas.
– Numa escala de zero a cem, três estrelas significaria uma nota entre 40 e 60. Não pode ser considerado um resultado positivo. Temos o terceiro maior mercado consumidor de carros, somos o quarto maior produtor e pagamos preços exorbitantes. Deveríamos ter uma segurança de primeiro mundo – afirma o engenheiro Dino Lameira, pesquisador da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste).
Um das razões para o desempenho é que o carro nacional sai de fábrica equipado com menos dispositivos de segurança que o similar estrangeiro. No momento em que o Brasil finalmente adota o ABS e o airbag, os carros do Hemisfério Norte já incorporaram como itens básicos outros sistemas que por aqui vão ser encontrados só nos modelos mais caros.
CARROS DE GERAÇÃO ANTERIOR NO BRASIL
Um exemplo é o Controle Eletrônico de Estabilidade (ESP), que poupa milhares de vidas nos Estados Unidos e na Europa. Outra causa para a discrepância dos resultados estaria na própria estrutura dos veículos.
– A diferença na estrutura pode ser atribuída a três razões principais: falta de reforço, solda deficiente e materiais de baixa resistência. Isso acontece porque o governo não exige mais segurança, e as montadoras querem obter o maior lucro possível – critica Alejandro Furas, secretário-executivo da Latin Ncap.
A segurança do veículo brasileiro ganhou destaque internacional no ano passado, quando a agência de notícias Associated Press produziu extensa reportagem intitulada “Carros feitos no Brasil são mortais”. O texto qualificava de “tragédia nacional” a qualidade dos automóveis em circulação no Brasil. A reportagem citava exemplos como o Ford Ka, que na versão latino-americana obteve uma estrela no Latin Ncap. A versão europeia, que segundo o fabricante é outro carro, alcançou quatro estrelas, no bem mais rígido Euro Ncap. O engenheiro mecânico Marcelo Alves, do Centro de Engenharia Automotiva da USP, confirma que os modelos disponíveis aqui são carros diferentes dos que circulam no Exterior com o mesmo nome:
– Os brasileiros são de uma geração anterior e não contam com o que existe de mais avançado em engenharia. São os veículos que se encontrava na Europa há 10 ou 15 anos. Até o ano passado, ainda tínhamos no Brasil um projeto de 50 anos, a Kombi. Carros assim não têm como passar em teste.
ZH solicitou entrevista sobre a segurança dos carros brasileiros com um representante da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A entidade informou que apenas o presidente, Luiz Moan Yabiku Junior, fala sobre o assunto, mas ele não estaria disponível.
Observar itens de segurança não é o bastante
Ainda que dispositivos de proteção sejam importantes, consumidor precisa ficar atento à nota em testes de colisão e à manutenção
O brasileiro que entra na loja para escolher um automóvel costuma ter em mente questões como beleza, tamanho, conforto e preço. Quando assina o contrato, ele também pode estar se decidindo, sem saber, entre a vida e a morte.
– O nosso consumidor sequer sabe quais são os itens de segurança automotiva – observa o engenheiro da USP Marcelo Alves.
A presença desses dispositivos deveria ser, como ocorre em outros países, um critério fundamental de escolha. Em geral, quanto mais itens, melhor. A Latin Ncap recomenda que o carro tenha ao menos freios ABS, cintos de segurança de três pontos, airbags e sistema Isofix para fixação de cadeirinhas infantis.
Se ficar sem esses itens é considerado um risco pelos engenheiros, e tê-los não é garantia de segurança total. Um caso ilustrativo é o J3, do fabricante chinês JAC. Apesar de estar equipado com airbags, o veículo alcançou apenas uma estrela no teste de colisão frontal da Latin Ncap. Isso pode ocorrer quando o problema do carro é estrutural.
Na dúvida, a melhor saída é verificar como o modelo saiu-se nos testes de colisão. O problema é que são poucos os veículos produzidos no Brasil já avaliados. Como não há obrigatoriedade, cabe a uma entidade com fundos limitados, a Latin Ncap, realizar avaliações em carros selecionados. Uma possibilidade seria ver o desempenho nos testes do automóvel de mesmo nome vendido no mercado europeu, japonês ou americano, mas essa prática não é recomendável. Com frequência, há diferenças de projeto, de fabricação e de itens de segurança incluídos – com desvantagem para o produto nacional.
Adquirido o veículo com o máximo de acessórios e a melhor das pontuações, ainda assim não é o caso de relaxar:
– É preciso lembrar que um carro pode ter custado R$ 150 mil e vir com todos os itens de segurança, mas se não trocar o pneu, cuidar da suspensão e usar o cinto, ele vai ser pior do que o carro mais simplesinho que estiver com isso em ordem – alerta o engenheiro Oliver Schulze, da comissão técnica de segurança veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE).
ELES SÃO SEGUROS?
O QUE DIZEM testes que avaliam a qualidade de veículos vendidos no Brasil, realizados por entidade de defesa do consumidor
O freio ABS apareceu em 1971. O airbag frontal chegou ao mercado três anos depois. Na Europa e nos Estados Unidos, esses sistemas são considerados indispensáveis há décadas. No Brasil, só deixaram de ser um luxo em janeiro, quando tornaram-se obrigatórios nos veículos novos. Apesar do atraso de 40 anos, foi um avanço importante, que eleva a segurança do carro nacional a outro patamar. Mas o consumidor não deve se iludir. Há indícios de que o automóvel brasileiro, em geral, ainda é um perigo em comparação com o de países mais avançados e cobra um preço alto em mortes e lesões perfeitamente evitáveis.
O melhor termômetro dessa diferença são testes realizados desde 2010 pelo Programa de Avaliação de Veículos Novos para a América Latina e o Caribe (Latin Ncap), organização de defesa do consumidor que seleciona alguns modelos e os envia a um laboratório alemão, onde eles são submetidos a uma colisão frontal. Depois, medem-se as lesões sofridas por bonecos especiais e inspeciona-se o que ocorreu com o automóvel. No final, chega-se a uma nota que vai de zero a cinco estrelas.
O resultado dos testes mais recentes é alarmante. De oito modelos latino-americanos analisados, dois conseguiram quatro ou cinco estrelas para adultos no banco dianteiro. Para crianças, a pontuação é ainda pior. Na Europa e nos Estados Unidos, onde as avaliações são mais rigorosas, a maioria dos carros obtêm conceito máximo.
Um dos veículos testados foi o New Palio, produzido na Argentina. O modelo sem airbag obteve nota zero. Na versão com airbags frontais, o dispositivo fez diferença, e a nota subiu para três estrelas.
– Numa escala de zero a cem, três estrelas significaria uma nota entre 40 e 60. Não pode ser considerado um resultado positivo. Temos o terceiro maior mercado consumidor de carros, somos o quarto maior produtor e pagamos preços exorbitantes. Deveríamos ter uma segurança de primeiro mundo – afirma o engenheiro Dino Lameira, pesquisador da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste).
Um das razões para o desempenho é que o carro nacional sai de fábrica equipado com menos dispositivos de segurança que o similar estrangeiro. No momento em que o Brasil finalmente adota o ABS e o airbag, os carros do Hemisfério Norte já incorporaram como itens básicos outros sistemas que por aqui vão ser encontrados só nos modelos mais caros.
CARROS DE GERAÇÃO ANTERIOR NO BRASIL
Um exemplo é o Controle Eletrônico de Estabilidade (ESP), que poupa milhares de vidas nos Estados Unidos e na Europa. Outra causa para a discrepância dos resultados estaria na própria estrutura dos veículos.
– A diferença na estrutura pode ser atribuída a três razões principais: falta de reforço, solda deficiente e materiais de baixa resistência. Isso acontece porque o governo não exige mais segurança, e as montadoras querem obter o maior lucro possível – critica Alejandro Furas, secretário-executivo da Latin Ncap.
A segurança do veículo brasileiro ganhou destaque internacional no ano passado, quando a agência de notícias Associated Press produziu extensa reportagem intitulada “Carros feitos no Brasil são mortais”. O texto qualificava de “tragédia nacional” a qualidade dos automóveis em circulação no Brasil. A reportagem citava exemplos como o Ford Ka, que na versão latino-americana obteve uma estrela no Latin Ncap. A versão europeia, que segundo o fabricante é outro carro, alcançou quatro estrelas, no bem mais rígido Euro Ncap. O engenheiro mecânico Marcelo Alves, do Centro de Engenharia Automotiva da USP, confirma que os modelos disponíveis aqui são carros diferentes dos que circulam no Exterior com o mesmo nome:
– Os brasileiros são de uma geração anterior e não contam com o que existe de mais avançado em engenharia. São os veículos que se encontrava na Europa há 10 ou 15 anos. Até o ano passado, ainda tínhamos no Brasil um projeto de 50 anos, a Kombi. Carros assim não têm como passar em teste.
ZH solicitou entrevista sobre a segurança dos carros brasileiros com um representante da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A entidade informou que apenas o presidente, Luiz Moan Yabiku Junior, fala sobre o assunto, mas ele não estaria disponível.
Observar itens de segurança não é o bastante
Ainda que dispositivos de proteção sejam importantes, consumidor precisa ficar atento à nota em testes de colisão e à manutenção
O brasileiro que entra na loja para escolher um automóvel costuma ter em mente questões como beleza, tamanho, conforto e preço. Quando assina o contrato, ele também pode estar se decidindo, sem saber, entre a vida e a morte.
– O nosso consumidor sequer sabe quais são os itens de segurança automotiva – observa o engenheiro da USP Marcelo Alves.
A presença desses dispositivos deveria ser, como ocorre em outros países, um critério fundamental de escolha. Em geral, quanto mais itens, melhor. A Latin Ncap recomenda que o carro tenha ao menos freios ABS, cintos de segurança de três pontos, airbags e sistema Isofix para fixação de cadeirinhas infantis.
Se ficar sem esses itens é considerado um risco pelos engenheiros, e tê-los não é garantia de segurança total. Um caso ilustrativo é o J3, do fabricante chinês JAC. Apesar de estar equipado com airbags, o veículo alcançou apenas uma estrela no teste de colisão frontal da Latin Ncap. Isso pode ocorrer quando o problema do carro é estrutural.
Na dúvida, a melhor saída é verificar como o modelo saiu-se nos testes de colisão. O problema é que são poucos os veículos produzidos no Brasil já avaliados. Como não há obrigatoriedade, cabe a uma entidade com fundos limitados, a Latin Ncap, realizar avaliações em carros selecionados. Uma possibilidade seria ver o desempenho nos testes do automóvel de mesmo nome vendido no mercado europeu, japonês ou americano, mas essa prática não é recomendável. Com frequência, há diferenças de projeto, de fabricação e de itens de segurança incluídos – com desvantagem para o produto nacional.
Adquirido o veículo com o máximo de acessórios e a melhor das pontuações, ainda assim não é o caso de relaxar:
– É preciso lembrar que um carro pode ter custado R$ 150 mil e vir com todos os itens de segurança, mas se não trocar o pneu, cuidar da suspensão e usar o cinto, ele vai ser pior do que o carro mais simplesinho que estiver com isso em ordem – alerta o engenheiro Oliver Schulze, da comissão técnica de segurança veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE).
Nenhum comentário:
Postar um comentário