domingo, 7 de setembro de 2014

LABIRINTO DAS ESTRADAS



ZH 07 de setembro de 2014 | N° 17915


CADU CALDAS


ELEIÇÕES 2014 O DESAFIO DAS RODOVIAS

COMO INVESTIR E QUALIFICAR as principais vias do Rio Grande do Sul? O maior gargaloda infraestrutura do Estado é um dosgrandes problemas do próximo governador



No discurso, a receita é fácil. Basta misturar ingredientes como vontade política, agilidade nos estudos ambientais, seriedade nas licitações e investimento graúdo para tornar as estradas gaúchas uma referência de qualidade. Na prática, a equação não é tão simples.

Com as finanças públicas estranguladas por uma dívida que já passa de R$ 50 bilhões e sem capacidade de assumir novos empréstimos, o Estado tem recursos escassos para aplicar na melhoria da estrutura rodoviária. Considerado principal gargalo na infraestrutura estadual, o custo de ter estradas tão ruins, segundo cálculos da consultoria Intelog, ultrapassa R$ 20 bilhões ao ano e se reflete na perda de competitividade das empresas, que gastam mais com transporte e conservação adequada, e em mercadorias mais caras nas prateleiras do Estado.

Dados do Conselho Nacional de Trânsito (CNT) dão sinal do descompasso: a participação do Rio Grande do Sul na malha pavimentada do país é de 5,4%, enquanto no Estado circula 12,9% da frota nacional de veículos.

Apesar da expansão no orçamento destinado a rodovias pelo governo do Estado de 2010 para cá, o montante investido avança em um ritmo mais lento do que a necessidade de manutenção. O resultado são ainda dezenas de cidade sem acesso asfáltico, como a pequena Amaral Ferrador, no sudeste do Estado, e estradas esburacadas e sobrecarregadas pelo fluxo cada vez maior de carros, motos e caminhões, como a RS-305, no Noroeste, e a RS-118, na Região Metropolitana, que representam não só perdas para a economia, mas também mais mortes no trânsito.

O desafio que espera o ocupante do Palácio Piratini nos próximos anos é grande. Além de decidir quais obras serão tratadas como prioridade, caberá ao próximo governador do Rio Grande do Sul apontar soluções efetivas para melhorar a malha rodoviária gaúcha. É aí que começam as divergências. Enquanto Tarso Genro (PT), por exemplo, defende a manutenção do atual modelo da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) para dar agilidade e autonomia nas licitações, Ana Amélia Lemos (PP) propõe uma mudança na natureza jurídica da empresa para diminuir a quantidade de impostos pagos. Os candidatos também discordam sobre a possibilidade de todos os municípios gaúchos terem acesso asfaltado até 2018. Vieira da Cunha (PDT) promete concluir todas as obras nas cidades que ainda não têm asfalto. Já José Ivo Sartori (PMDB) é mais cauteloso e afirma ser temerário fazer esse tipo de promessa, já que parte dos recursos depende da recuperação das finanças públicas estaduais.



ERS-118: SEM FÔLEGO



Basta percorrer alguns quilômetros da RS-118, uma das principais rodovias da região metropolitana do Estado, ligação entre Viamão e Sapucaia do Sul, para perceber que a estrada já não suporta o imenso volume de tráfego, que hoje chega a 60 mil veículos por dia. A lenda da duplicação da rodovia estadual, de tão extensa, bem poderia ser escrita em muitos capítulos. Cada anúncio de início – ou reinício – das obras marcaria uma parte do texto, que perpassa promessas de pelo menos cinco governos. São quase duas décadas de projetos cumpridos pela metade.

Aprovado em 1996, o programa de duplicação nunca avançou no ritmo esperado pela população. Hoje, só dois quilômetros de um total de 22,4 km estão completamente duplicados. Executada de forma fatiada, a duplicação tem agora mais 11 quilômetros previstos para ser entregues este mês e pelo menos mais cinco até dezembro. Mesmo se confirmados esses trechos, caberá ao ocupante do Piratini entre 2014 e 2018 concluir a obra.

RACHADURAS E BURACOS DE DIFERENTES TAMANHOS

A carência de investimentos não se reflete apenas na qualidade do asfalto. Faltam viadutos, passarelas, acostamento. Na altura do autódromo de Tarumã, em Viamão, uma placa institucionaliza os problemas ao advertir os condutores: “Defeito na pista.” O aviso faz sentido. A partir daquele ponto até Sapucaia do Sul, quando a rodovia encontra a BR-116, os motoristas deparam com rachaduras e buracos de diferentes tamanhos. À noite, a situação piora. Sem iluminação pública, boa parte do trajeto se torna um breu e o motorista conta apenas com os faróis do carro e, se tiver sorte, da luz da lua, para enxergar alguns metros à frente. Com exceção de alguns trechos recapeados perto da entrada de Alvorada, os condutores ficam diante de uma pista irregular e um acostamento em péssimas condições.




ERS-305: SEM MANUTENÇÃO


Com pouco mais de 60 quilômetros de extensão, a RS-305, no noroeste do Estado, bem poderia ser utilizada para escoar parte da produção agrícola da região e ser rota de transporte de carga para o centro do país. Mas não é.

As condições são tão ruins e os buracos tão grandes que os motoristas de carretas são obrigados a desviar do trecho que liga Horizontina a Crissiumal e seguir rotas alternativas. A saída mais em conta custa muito mais caro: o trajeto de 220 quilômetros por Palmeiras das Missões aumenta o tempo de viagem e o gasto com combustível em mais de três vezes.

Os recursos de R$ 2,6 bilhões que o Estado recebeu através de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco Mundial e de repasses do governo federal para investir em estradas até 2014 não chegaram até lá. Para Paulo Menzel, da Intelog Logística e coordenador do Forum Temático de Infraestrutura da Agenda 2020, a rodovia é o retrato do prejuízo que a falta de investimento causa para a economia gaúcha.

– O custo logístico gaúcho não para de crescer, chegou a 19,83% do PIB em maio. Nos Estados Unidos, por exemplo, não passa de 8,5%. Na Europa, não passa de 8%. Fica cada vez mais difícil atrair empresas para a região. O custo logístico é tão alto que ultrapassa qualquer incentivo fiscal que o governo possa dar – afirma Menzel.

R$ 1 BILHÃO AO ANO PARA RECUPERAR AS RODOVIAS

Cálculos do Sindicato da Indústria de Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplenagem em Geral no Rio Grande do Sul (Sicepot) apontam que o nível de investimento para recuperar o atraso das rodovias gaúchas e baixar o custo do transporte ao nível de países desenvolvidos seria de pelo menos R$ 1 bilhão ao ano, mais do que o dobro da média anual aplicada na última década.




AMARAL FERRADOR: SEM ASFALTO


A bucólica Amaral Ferrador guarda um título bastante indigesto para os 6 mil moradores do município situado no sudeste do Estado. É a cidade com maior trecho sem acesso pavimentado do Rio Grande do Sul. Para chegar até lá é preciso percorrer mais de 37 quilômetros em uma estrada marcada por buracos, pontes em péssimas condições e muita poeira.

A falta de asfalto não é exclusiva da pequena comunidade. Outros 72 municípios ainda têm trajetos de acesso, ou alguns trechos, de chão batido. Quando comparada com os Estados mais próximos, a situação gaúcha é ainda mais crítica.

Com a conclusão dos 25,3 quilômetros de extensão da rodovia SC-157, que liga as cidades de Paial e Chapecó, em maio passado, todos os 295 municípios de Santa Catarina passaram a ter pelo menos um acesso asfaltado. Se a comparação é com o Paraná, Estado com economia e população parecidas, também estamos correndo atrás. Lá, apenas quatro dos 399 municípios ainda não contam com trecho pavimentado.

Nos últimos quatro anos, 32 cidades foram asfaltadas, um avanço significativo em relação aos cinco municípios beneficiados durante o governo Yeda. Mesmo assim, o progresso é insuficiente para Tarso cumprir a promessa feita em 2010 de pavimentar o acesso a todas as cidades.

FICA DIFÍCIL ATÉ ATRAIR MÉDICOS E DENTISTAS

Sem asfalto, as cidades se tornam ilhas do avanço econômico. O custo de transporte sobe e a integração com municípios da região se complica. Até a atração de médicos e dentistas para atender à população no posto de saúde se torna um desafio. Não à toa, o percentual de pobres e extremamente pobres nas cidades sem asfalto é de 18,36% quando a média estadual não passa de 8,35%.

Para quem mora à beira da estrada, até mesmo manter limpas as roupas recém-lavadas exige esforço. No trecho de terra que liga a BR-116 a Amaral Ferrador, a poeira levantada pelo trânsito de carros e ônibus deixa as peças com uma camada em tom de laranja tijolo. Quando chove, o problema fica ainda pior: a entrada das pequenas propriedades rurais vira um lamaçal, e o alagamento de partes do caminho impede a passagem de veículos de transporte público, isolando as pessoas dentro de casa.

Moradora de Amaral Ferrador há 12 anos, Rosane Rodrigues já viu a obra de asfaltamento da estrada começar e parar duas vezes. Na última, em 2010, oito quilômetros do trecho inicial da estrada chegaram a ser alargados, mas logo depois das eleições, as máquinas retroescavadeiras foram embora:

– Em ano eleitoral, os candidatos chegam a se pechar na nossa porteira. Todo mundo promete asfalto, mas quem é que ainda acredita em promessa de político, né? – afirma Marcos Vínicius, 25 anos, filho de Rosane.


EGR no centro da divergência


Criada pelo atual governo em julho de 2012 como um novo modelo de pedagiamento no Estado, a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) é o tema de maior divergência entre os candidatos ao Piratini. Enquanto Tarso defende a manutenção da estatal no atual modelo, uma sociedade anônima (S.A.), que lhe garante autonomia nas licitações e a possibilidade de contratar pessoal pelas regras da CLT, os principais adversários na disputa eleitoral sugerem uma mudança na natureza jurídica da companhia.

A razão disso é que, por ter adotado regime jurídico de empresa privada, a EGR ficou obrigada a pagar os impostos cobrados das empresas comuns, que são mais pesados. Em 2013, foram R$ 21,9 milhões, incluindo imposto de renda, Contribuição Social, ISSQN sobre as obras, Cofins e PIS. O montante representou o dobro do investimento na conservação de estradas, que foram R$ 10,5 milhões no período.

Em 2014, entre janeiro e julho, a quantia arrecadada nas 14 praças de pedágio foi de R$ 133,6 milhões e o valor aplicado chegou a R$ 89,1 milhões.


Confira as propostas do candidatos ao Piratini





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