quinta-feira, 20 de março de 2014

ODISSEIA VEICULAR POR CAUSA DO LACRE DO PLACA



ZERO HORA 20 de março de 2014 | N° 17738


LETÍCIA DUARTE



A falta que um lacre faz. Dentista descobre os requintes da burocracia ao tentar reaver carro recolhido por infração que ela não sabia estar cometendo




Há uma semana, a dentista Beti Asnis, 51 anos, sente-se personagem de um drama kafkiano, tentando se desvencilhar das teias da burocracia do Estado. Desde que teve seu Fiesta sedan guinchado em uma blitz por rompimento do lacre da placa, corre de um lado para o outro para tentar recuperar o veículo. Em vão.

O que mais a inquieta é que ela sequer sabia que estava cometendo a infração pela qual foi punida. Voltava tranquila de um jantar dando carona a amigas, na Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, na noite de quinta-feira. Não havia bebido nada, passou com zero pelo bafômetro, estava com toda a documentação em dia. Mas, durante a blitz da Balada Segura, agentes constataram que o lacre de sua placa estava violado. O veículo também foi multado por estar com uma sinaleira queimada e pelo fato de uma das caroneiras estar sem cinto no banco de trás, mas o que determinou o recolhimento do veículo foi o rompimento do lacre.

Até aí, parecia só um inconveniente, causado pela adulteração em um item a que pouca gente presta atenção. Só que, a partir daquele dia, Beti descobriu que recuperar o veículo era muito mais complicado do que supunha. Como ela precisava trabalhar, pediu ao pai que fosse na manhã seguinte ao Centro de Registro de Veículos Automotores (CRVA) para buscar a guia de pagamento da taxa do veículo.

Ao comparecer ao local, o familiar foi informado de que o veículo não constava no sistema, apesar de um papel entregue pelos agentes na noite anterior informar que o Fiesta seria encaminhado para um depósito na Avenida Baltazar de Oliveira Garcia. Quando telefonou para o depósito, a família ouviu dos atendentes que não tinham informações. Pediram que ligassem novamente em 10 minutos. Na segunda ligação, ainda não sabiam informar nada, nem na terceira. Na quarta tentativa, a resposta mudou:

– Parece que o veículo está aqui.

– Como assim, parece? – estranhou Beti, que deixou o trabalho no início da tarde para ir pessoalmente procurar pelo veículo.

Chegando lá, localizou o carro. Pensou que a liberação seria rápida. Novo engano. A atendente do depósito disse que ela deveria voltar ao CRVA para agendar pessoalmente uma vistoria. Depois de duas horas na fila, na tarde de sexta, foi atendida. A promessa era de que a vistoria seria realizada na segunda. O procedimento só ocorreu ontem. Quando ficou sabendo, Beti mal teve tempo de comemorar. Disseram que, como a placa estava “amassadinha”, teria de ser trocada. E, para isso, seria preciso entrar na fila outra vez, solicitar agendamento, esperar pela vistoria. Sem prazo para liberação.

Indignada, Beti ligou para a ouvidoria do Detran. Pensou que seria ouvida, mas recebeu nova injeção de burocracia. A informação é de que deveria ir até o Tudo Fácil, apanhar um formulário, que depois seria encaminhado ao órgão. A dentista desistiu.

– Contando ninguém acredita, a lista de absurdos é comprida. O mais surreal é que eu não cometi uma infração. Se alguém rompeu meu lacre, eu também fui vítima – desabafa.

No fim da tarde, após a consulta de Zero Hora ao Detran sobre o episódio, Beti recebeu um telefonema. Disseram que ela não precisaria mais entrar na fila, que a autorização para trocar a placa já estava pronta. Deveria comparecer ao CRVA para encaminhar o pedido de nova vistoria. Mas ainda não sabia quando poderia retirar o veículo. Enquanto isso, as diárias no depósito seguem correndo, ao preço de R$ 20 ao dia.

– Se tiverem a mesma agilidade que tiveram com a primeira vistoria, estou ralada – preocupa-se Beti.

Enquanto espera uma solução para o transtorno, repete um novo conselho a seus amigos motoristas:

– Olhem o lacre!


Detran vai investigar omissão no sistema


Por meio de sua assessoria de imprensa, o Detran informou que está investigando os motivos da demora na identificação do veículo de Beti Asnis no sistema. De acordo com a assessoria, o procedimento padrão para motoristas que têm seu veículo apreendido em blitz é recorrer diretamente ao depósito, já que o endereço do estabelecimento é fornecido durante a operação.

Em parte dos casos, sequer é preciso comparecer ao CRVA. Quando se faz necessária a entrega de documentações e de realizações de vistoria, como no caso do rompimento do lacre, há essa necessidade.

De acordo com a assessoria, não há prazo estabelecido para a realização das vistorias, nem informação disponível sobre o tempo médio de espera pelos motoristas. Um dos motivos apontados para a demora na vistoria de Beti é que “havia muita demanda naquele CRVA”. A prioridade na realização das vistorias é dada para casos que não são fruto de infrações.

Em agosto de 2012, reportagem de ZH revelou o sumiço de peças em veículos em depósitos. Uma das providências prometidas pelo Detran foi a realização de fotografias no momento em que o veículo é recolhido na blitz. O órgão afirma que as fotos estão sendo realizadas, na hora da remoção do carro. Mesmo assim, Beti lamentou o fato de não ter sido autorizada a fotografar seu veículo ao encontrá-lo no depósito.

Segundo o Detran, as fotos dentro do depósito são proibidas porque os espaços também abrigam veículos furtados e roubados, que não podem ser expostos por estarem sob proteção policial.
O QUE É O LACRE

- O lacre é um item de segurança da placa. Como é feito de cabo de aço, protege a identidade do veículo.

- Seu rompimento pode indicar uma ação deliberada, algumas vezes associada à tentativa de clonar a placa.

- O lacre é a comprovação de que aquela placa é original, que bate com os dados do veículo, para indicar que o carro não é clonado, roubado ou adulterado.

- Segundo Adelto Rohr, diretor institucional do Detran e coordenador do Programa Balada Segura, o recolhimento do veículo em caso de lacre rompido é feito para segurança do próprio proprietário.



Por causa do lacre da placa rompido, Beti Asnis enfrentou uma rotina de filas, telefonemas frustrantes e informações desencontradas


Em agosto de 2012, reportagem de ZH revelou o sumiço de peças em veículos em depósitos

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -Se é caso de segurança, ao constatar o rompimento da placa, o agente de trânsito deveria reter o carro e o condutor, e então chamar primeiro a polícia. A violação do lacre indica clonagem ou troca da placa para interesses escusos e ilícitos (clonado, roubado ou adulterado). Errou o agente. Quanto à burocracia, ela está instalada firmemente em todos os procedimentos dos poderes, instituições e departamentos brasileiros. Já é uma cultura do serviço público. Se ferram o povo, os consumidores, os proprietários e as vítimas.

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