sexta-feira, 21 de março de 2014

BIKE, UM VEÍCULO VULNERÁVEL



ZERO HORA 21 de março de 2014 | N° 17739

ITAMAR MELO

Duas mortes em 8 horas em Porto Alegre


Otrânsito de Porto Alegre produziu ontem duas ciclistas mortas em um intervalo de oito horas e escancarou a vulnerabilidade a que estão sujeitos os adeptos das pedaladas como forma de locomoção. As duas eram universitárias. As duas perderam a vida ao serem atingidas por ônibus.

Os acidentes vieram em um momento de valorização da bicicleta como meio de transporte em um ambiente hostil. As bicicletas ganharam as ruas, mas as ruas ainda precisam aprender a conviver com elas. Cicloativistas e profissionais de educação para o trânsito identificam que há um conjunto de fatores a superar para que a bicicleta ocupe o espaço que lhe é devido:

Ignorância da legislação – O Código de Trânsito diz que a bicicleta é uma participante, não uma intrusa nas vias. Quando não houver ciclovia ou ciclofaixa, seu lugar é no leito da rua, com tantos direitos quanto os automóveis – e até mais. Parte dos motoristas ainda não absorveu o conceito.

Cultura do automóvel – Willian Cruz, editor do site Vá de Bike, diz que um dos principais ritos de passagem para a idade adulta é obter a carteira de habilitação:

– Quem não tem carro costuma ser visto como cidadão de segunda classe.

Formação insuficiente – Em alguns países, como Dinamarca e Holanda, as crianças aprendem na escola a se colocar no lugar de motoristas, ciclistas e pedestres. No Brasil, a educação para o trânsito acaba ficando para a hora de tirar a CNH. Há dúvidas sobre a eficácia disso.

– A maioria dos centros de formação são cursinhos para passar no exame do Detran – critica Willian Cruz.

Agressividade contra o ciclista – Parte dos condutores acredita que a bicicleta é um estorvo na rua e trata de intimidar o ciclista – tiram um “fino”, em lugar de respeitar a distância de 1m50cm.

– A questão é o egoísmo, o individualismo, a falta de consciência cidadã – diz Maximilian da Rocha Gomes, chefe substituto da Divisão de Educação do Detran/RS.

Necessidade de fiscalização – Os agentes de trânsito de São Paulo apertaram a fiscalização sobre motoristas que desrespeitavam o ciclista. Milhares de multas foram aplicadas. Para cicloativistas, a pressão deu resultado. Motoristas entenderam que a bicicleta tem direitos e passaram a respeitá-los mais.

Cidades pensadas para carros – Os sistemas viários não são projetados para ciclistas ou pedestres. Essa característica colabora para que o condutor assuma uma postura de superioridade. É verdade que faltam ciclovias e ciclofaixas, mas construí-las não é o antídoto. Apostar apenas nessas vias exclusivas pode passar a mensagem de que o lugar da bicicletas é nelas – quando o ciclista deve ter seu espaço respeitado em qualquer via.

Invisibilidade do ciclista – A correlação que ainda se faz entre bicicleta e insucesso econômico leva a uma invisibilidade do ciclista no trânsito, diz Cruz. Maximilian não crê que haja essa invisibilidade:

– O problema é que ele não é aceito como partícipe do trânsito. O motorista acha que tem prioridade.

Desinformação do ciclista – O usuário de bicicleta tem uma parcela considerável de responsabilidade pelos riscos a que está sujeito. É comum que não conheça nem seus direitos, nem seus deveres. Uma das causas para isso é que pode sair às ruas sem fazer qualquer tipo de formação. O resultado é circular sem equipamentos de segurança e sem respeitar as regras.


Patrícia, 21 anos, estudante

8h30min


Patrícia Silva de Figueiredo, a estudante de Pedagogia de 21 anos atingida por um ônibus quando cruzava a Avenida Erico Verissimo de bicicleta, adotou o veículo não apenas como meio de transporte, mas também como causa social e política. Participava das pedaladas do Massa Crítica, incentivava o uso do veículo e acreditava na redução da quantidade de carros pelas ruas.

As circunstâncias do acidente ainda não foram esclarecidas. A Polícia Civil investiga a velocidade do ônibus, que próximo às paradas deve ser de 30 km/h. Desta tragédia urbana, ficou o grande drama familiar.

– Meus pais estão muito abalados. Não há nada pior do que enterrar um filho – desabafa o irmão, Pablo, 32 anos.

A estudante recentemente se demitira da escola onde trabalhava como auxiliar de educação infantil para virar bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência na UFRGS.



Daise, 19 anos, estudante

16h 30min


Uma estudante de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de 19 anos foi a segunda ciclista morta ontem em Porto Alegre.

A jovem, identificada como Daise Duarte Lopes pelo Departamento Médico Legal, também foi atingida por um ônibus. De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), um veículo da Unibus a atropelou por volta das 16h30min de ontem na Estrada Martim Félix Berta, em frente ao número 2.732, próximo à Rua Seis de Novembro, no bairro Rubem Berta.

Daise morava nas proximidades do local, no bairro Mario Quintana, na Zona Norte. Testemunhas disseram à Brigada Militar que ela estava atravessando a rua pedalando a bicicleta quando foi atingida pelo ônibus. Ela havia passado no vestibular em 2013 e estava no terceiro semestre do curso. Cicloativistas convocaram um protesto no local para as 18h30min de hoje.

A jovem cruzava a rua quando foi atingida




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