EDITORIAIS
A morte de duas jovens universitárias no mesmo dia, ambas atropeladas por ônibus enquanto circulavam de bicicleta, causa dor, indignação e reacende o debate sobre a difícil convivência entre ciclistas e motoristas no trânsito de Porto Alegre. A primeira coisa que se pode dizer sobre a dupla tragédia é que as vítimas não podem ser consideradas culpadas. Quem tem o poder da morte nas mãos são os motoristas, e os veículos automotores não podem continuar sendo considerados a prioridade nas ruas. Pedestres e ciclistas têm idêntico direito de transitar livremente, e até mesmo de se distrair, embora também devam se cercar de cuidados mínimos, além de cumprir as regras de trânsito e de civilidade. O motorista, porém, é que precisa ser melhor preparado para agir quando surge um imprevisto.
A questão é que a verdadeira guerra travada hoje por espaço no trânsito só costuma ganhar destaque em momentos de maior emocionalismo, como os que se sucedem a fatos inconcebíveis como os registrados agora. Na mentalidade de muitos motoristas que hoje lotam as ruas, bicicleta ainda é um veículo de lazer, um pouco mais tolerável em finais de semana, de preferência com circulação restrita a ciclovias ou ciclofaixas. Nos demais dias, de maneira geral, é vista simplesmente como um estorvo, principalmente nas vias públicas. É preciso, por isso, que os condutores de carro se conscientizem de que há uma mudança cultural em andamento e de que ela é irreversível: veículos de duas rodas se constituem cada vez mais numa alternativa real de deslocamento para quem estuda ou trabalha. E é nessa condição que devem ser respeitados.
Por razões semelhantes, quem se locomove de bicicleta ainda costuma, muitas vezes, ser inacreditavelmente encarado, de forma preconceituosa, como uma espécie de cidadão de classe inferior, sem condições de andar de carro e que, por isso, acaba até mesmo tendo direitos mínimos ignorados. Entre essas garantias, estão as asseguradas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), como o princípio básico de que os veículos de maior porte são responsáveis pela segurança dos de menor porte, ou a determinação de que é preciso observar sempre uma distância mínima de 1m50cm nas ruas. Práticas usuais como a dos “fininhos”, muitas vezes sem a necessária redução de velocidade, e de maneira geral impunes, dão uma ideia do quanto ainda será preciso evoluir para harmonizar os interesses de quem se desloca em áreas urbanas.
Independentemente do rigor da lei e dos apelos ao bom senso, os ciclistas só terão o respeito que lhes é devido com uma profunda mudança cultural, a partir da escola, da educação das crianças e da formação de adultos responsáveis. Essa é uma tarefa coletiva, mas especialmente do poder público, que de imediato deveria passar a ser mais rigoroso com os infratores, mas também investir uma parcela maior das receitas correspondentes a multas em educação permanente para o trânsito, como prevê a lei.
Os ciclistas só terão o respeito que lhes é devido com uma profunda mudança cultural, a partir da educação das crianças e da formação de adultos responsáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário