ZERO HORA 20 de fevereiro de 2014 | N° 17710
JOSÉ LUÍS COSTA
O drama do garoto Maurício
Após discussão de trânsito, em 2011, na zona norte da Capital, adolescente foi atingido por tiro na coluna e passa os dias na cama
O menino pobre da Vila Nazareth, na zona norte de Porto Alegre, realizaria um desejo de infância naquele começo de tarde de sábado, 2 de julho de 2011. Aos 12 anos, Maurício Luan Maciel de Oliveira, iria conhecer um parque de diversões, com tudo que tinha direito, roda-gigante, montanha-russa, carrossel, pipoca e maçã-do-amor.
Amãe, Clair da Silveira Maciel, bem que tentou convencê-lo a mudar de ideia por causa do tempo ruim, céu carrancudo e temperatura beirando 10ºC. Mas o garoto bateu pé, e ela cedeu. Maurício se divertiria com as duas irmãs, a caçula Vitória, 7 anos, e Gabriela, 17 anos, levados pelo companheiro da adolescente, o comerciante Marcelo Ignácio, 27 anos.
Mas Maurício não chegou ao parque. Nunca andou na roda-gigante. E pior, jamais voltou a dar um passo na vida. Uma discussão banal de trânsito entre Ignácio e um conhecido da Vila Nazareth, Odair José Moizinho da Silveira, na época com 25 anos, abortou o passeio a tiros e deu início ao drama do garoto.
Ignácio saiu de Alvorada para pegar os três jovens na Avenida Sertório, próximo ao acesso à Nazareth. No trajeto, os motoristas se cruzaram. Odair, dirigindo um Escort, teria cortado a frente do Tipo de Ignácio. Quadras depois, os dois pararam na entrada da Vila Nazareth e discutiram. Os ânimos serenaram por alguns instantes, e os irmãos, sob o olhar atento da mães, entraram rápido no Tipo para sair logo dali. Maurício foi o último a sentar no banco traseiro do carro.
Quando o veículo arrancou, Odair surgiu com uma arma. Estaria portando um pistola calibre nove milímetros e atirou na direção da família.
– Me escondi atrás de um poste e gritei: o que é isso? Meus filhos estão lá dentro. Se ele não tivesse descarregado a arma, acho que me mataria porque eu era a única testemunha. Depois, ele entrou na vila como se nada tivesse acontecido – lembra Clair.
Os tiros vararam pela Sertório. Todos os disparos foram a esmo, menos um, que atingiu as costas de Maurício. Por instantes, ninguém percebeu o adolescente ferido, estático e sem falar. Assim que a irmã viu sangue escorrendo na roupa dele, Ignácio seguiu às pressas para o hospital. Os médicos pouco puderam fazer. O projetil perfurou o tórax, o pulmão e a medula, alojando-se na coluna cervical. Após uma semana na UTI, veio o trágico diagnóstico: Maurício estava tetraplégico.
Apaixonado pelo Grêmio, garoto não perde um jogo
O menino serelepe que se espichava com agilidade para defender os chutes do time adversário nas peladas com amigos e sonhava ser goleiro do Grêmio, há quase três anos só consegue mexer a cabeça e parte dos braços, encolhido sobre uma cama.
Atingido por um tiro que lesionou a medula abaixo da nuca e o colocou em um leito, no videogame, navegando pela internet com um notebook e assistindo aos jogos do tricolor do coração, o garoto tem seus momentos mais felizes.
– É um bebê de 15 anos, que vive assim. É tão fanático que, quando o Grêmio aparece na TV, ele corre com todos que estão perto para não atrapalhar – conta a mãe, Clair Maciel de Oliveira, 42 anos.
Ela gostaria que o filho pudesse estudar – o garoto parou na 5ª série – ou mesmo saísse para rua se distrair, mas as empoeiradas vielas da vila são veneno para os pulmões do garoto.
Na moradia humilde, Maurício ocupa um quarto com cerca de 10 metros quadrados, rodeado de medicamentos e utensílios necessário para sobreviver. Parte deles doado ou emprestado como a cama de hospital e o condicionador de ar. A colcha, o lençol e a fronha do travesseiro são adornadas com o distintivo do Grêmio, que também aparece em dois quadros pendurados nas paredes.
Família gasta R$ 1 mil mensais com remédios, fraldas e óleos
Maurício ganha alguns remédios e material para curativo, mas os pais gastam cerca de R$ 1 mil mensais com antidepressivos, óleos e fraldas – o garoto precisa usar duas de cada vez para evitar que a urina penetre em uma ferida nas costas.
A situação de Maurício obrigou o pai, o afiador de facas Clodoaldo Araújo de Oliveira, 40 anos, e a mãe dele a abandonarem seus empregos. Para ficar perto do garoto em tempo integral, o casal abriu um modesto armazém na frente da casa.
Tímido por natureza, Maurício evita falar com quem não conhece.
– O que mais me revolta é que quem fez isso com ele anda solto por aí – lamenta a mãe.
CONTRAPONTO - O que diz Alisson de Lara Romani, defensor público que representa Odair José Moizinho da Silveira - Entrei no caso para elaborar um recurso ao TJ contra a sentença de pronúncia. O objetivo é que ele (Odair) não vá a júri popular. Não estou autorizado a comentar a tese de defesa.
Acusado está desaparecido
Odair sumiu da vila após o crime, mas como as vítimas anotaram as placas do Escort, ele foi localizado por agentes da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção a Pessoa e indiciado pela tentativa de homicídio do garoto. Dois meses após o crime, o promotor André Gonçalves Martínez apresentou denúncia à Justiça, pedindo a condenação de Odair por quatro tentativas de homicídio contra Maurício, Gabriela, Vitória e Ignácio. Martínez entendeu que Odair agiu por motivo fútil, usou recurso que dificultou a defesa das vítimas e provocou perigo comum, por efetuar disparos em via pública.
Um mês depois, a Justiça acolheu a denúncia, iniciando o processo, mas por duas vezes negou pedidos da Polícia Civil e do Ministério Público para prender Odair. Em setembro do ano passado, a 1ª Vara do Júri emitiu sentença de pronúncia, determinando que o Odair sente no banco dos réus, submetido a júri popular. Ele recorreu da decisão, e desde novembro não é localizado pela Justiça. Se for condenado pelos quatro crimes, poderá ser punido com 20 anos de prisão.
O drama do garoto Maurício
Após discussão de trânsito, em 2011, na zona norte da Capital, adolescente foi atingido por tiro na coluna e passa os dias na cama
O menino pobre da Vila Nazareth, na zona norte de Porto Alegre, realizaria um desejo de infância naquele começo de tarde de sábado, 2 de julho de 2011. Aos 12 anos, Maurício Luan Maciel de Oliveira, iria conhecer um parque de diversões, com tudo que tinha direito, roda-gigante, montanha-russa, carrossel, pipoca e maçã-do-amor.
Amãe, Clair da Silveira Maciel, bem que tentou convencê-lo a mudar de ideia por causa do tempo ruim, céu carrancudo e temperatura beirando 10ºC. Mas o garoto bateu pé, e ela cedeu. Maurício se divertiria com as duas irmãs, a caçula Vitória, 7 anos, e Gabriela, 17 anos, levados pelo companheiro da adolescente, o comerciante Marcelo Ignácio, 27 anos.
Mas Maurício não chegou ao parque. Nunca andou na roda-gigante. E pior, jamais voltou a dar um passo na vida. Uma discussão banal de trânsito entre Ignácio e um conhecido da Vila Nazareth, Odair José Moizinho da Silveira, na época com 25 anos, abortou o passeio a tiros e deu início ao drama do garoto.
Ignácio saiu de Alvorada para pegar os três jovens na Avenida Sertório, próximo ao acesso à Nazareth. No trajeto, os motoristas se cruzaram. Odair, dirigindo um Escort, teria cortado a frente do Tipo de Ignácio. Quadras depois, os dois pararam na entrada da Vila Nazareth e discutiram. Os ânimos serenaram por alguns instantes, e os irmãos, sob o olhar atento da mães, entraram rápido no Tipo para sair logo dali. Maurício foi o último a sentar no banco traseiro do carro.
Quando o veículo arrancou, Odair surgiu com uma arma. Estaria portando um pistola calibre nove milímetros e atirou na direção da família.
– Me escondi atrás de um poste e gritei: o que é isso? Meus filhos estão lá dentro. Se ele não tivesse descarregado a arma, acho que me mataria porque eu era a única testemunha. Depois, ele entrou na vila como se nada tivesse acontecido – lembra Clair.
Os tiros vararam pela Sertório. Todos os disparos foram a esmo, menos um, que atingiu as costas de Maurício. Por instantes, ninguém percebeu o adolescente ferido, estático e sem falar. Assim que a irmã viu sangue escorrendo na roupa dele, Ignácio seguiu às pressas para o hospital. Os médicos pouco puderam fazer. O projetil perfurou o tórax, o pulmão e a medula, alojando-se na coluna cervical. Após uma semana na UTI, veio o trágico diagnóstico: Maurício estava tetraplégico.
Apaixonado pelo Grêmio, garoto não perde um jogo
O menino serelepe que se espichava com agilidade para defender os chutes do time adversário nas peladas com amigos e sonhava ser goleiro do Grêmio, há quase três anos só consegue mexer a cabeça e parte dos braços, encolhido sobre uma cama.
Atingido por um tiro que lesionou a medula abaixo da nuca e o colocou em um leito, no videogame, navegando pela internet com um notebook e assistindo aos jogos do tricolor do coração, o garoto tem seus momentos mais felizes.
– É um bebê de 15 anos, que vive assim. É tão fanático que, quando o Grêmio aparece na TV, ele corre com todos que estão perto para não atrapalhar – conta a mãe, Clair Maciel de Oliveira, 42 anos.
Ela gostaria que o filho pudesse estudar – o garoto parou na 5ª série – ou mesmo saísse para rua se distrair, mas as empoeiradas vielas da vila são veneno para os pulmões do garoto.
Na moradia humilde, Maurício ocupa um quarto com cerca de 10 metros quadrados, rodeado de medicamentos e utensílios necessário para sobreviver. Parte deles doado ou emprestado como a cama de hospital e o condicionador de ar. A colcha, o lençol e a fronha do travesseiro são adornadas com o distintivo do Grêmio, que também aparece em dois quadros pendurados nas paredes.
Família gasta R$ 1 mil mensais com remédios, fraldas e óleos
Maurício ganha alguns remédios e material para curativo, mas os pais gastam cerca de R$ 1 mil mensais com antidepressivos, óleos e fraldas – o garoto precisa usar duas de cada vez para evitar que a urina penetre em uma ferida nas costas.
A situação de Maurício obrigou o pai, o afiador de facas Clodoaldo Araújo de Oliveira, 40 anos, e a mãe dele a abandonarem seus empregos. Para ficar perto do garoto em tempo integral, o casal abriu um modesto armazém na frente da casa.
Tímido por natureza, Maurício evita falar com quem não conhece.
– O que mais me revolta é que quem fez isso com ele anda solto por aí – lamenta a mãe.
CONTRAPONTO - O que diz Alisson de Lara Romani, defensor público que representa Odair José Moizinho da Silveira - Entrei no caso para elaborar um recurso ao TJ contra a sentença de pronúncia. O objetivo é que ele (Odair) não vá a júri popular. Não estou autorizado a comentar a tese de defesa.
Acusado está desaparecido
Odair sumiu da vila após o crime, mas como as vítimas anotaram as placas do Escort, ele foi localizado por agentes da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção a Pessoa e indiciado pela tentativa de homicídio do garoto. Dois meses após o crime, o promotor André Gonçalves Martínez apresentou denúncia à Justiça, pedindo a condenação de Odair por quatro tentativas de homicídio contra Maurício, Gabriela, Vitória e Ignácio. Martínez entendeu que Odair agiu por motivo fútil, usou recurso que dificultou a defesa das vítimas e provocou perigo comum, por efetuar disparos em via pública.
Um mês depois, a Justiça acolheu a denúncia, iniciando o processo, mas por duas vezes negou pedidos da Polícia Civil e do Ministério Público para prender Odair. Em setembro do ano passado, a 1ª Vara do Júri emitiu sentença de pronúncia, determinando que o Odair sente no banco dos réus, submetido a júri popular. Ele recorreu da decisão, e desde novembro não é localizado pela Justiça. Se for condenado pelos quatro crimes, poderá ser punido com 20 anos de prisão.
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