domingo, 30 de março de 2014

VIDA DE CICLISTA

ZERO HORA 30 de março de 2014 | N° 17748


ANDRÉ MAGS


MOBILIDADE ZH. Depois de três dias de pedaladas por ruas da Capital, repórter descreve os desafios enfrentados pelos usuários de bicicletas



Os ciclistas ainda são alienígenas tentando ser aceitos em Porto Alegre. Essa foi a frase que me veio à cabeça, após três dias percorrendo a Capital de Norte a Sul de bicicleta. Imagine se aparecessem óvnis por aqui e deles descessem ETs. Mesmo sendo do bem, ainda seriam ETs, talvez verdes ou com cabeções translúcidos, e respirando nosso rico oxigênio. Malditos. Os terráqueos jamais confiariam neles de primeira.

A frase nasceu depois que vi um taxista dando ré e quase derrubando meu colega Ricardo Duarte, fotógrafo desta pauta e que me acompanhou por mais de 30 quilômetros de pedaladas. Estávamos descendo a Borges de Medeiros, depois da Rua dos Andradas. Passado o susto, nos dirigimos para dialogar com o taxista, Airton Roberto Fraga de Souza, 53 anos. O apelido dele é Jesus. Imagino que seja por causa da barba e dos cabelos longos, outrora parecidos com os do Cristo e agora grisalhos ao estilo Papai Noel.

– O senhor viu que quase bateu no meu colega? – perguntei.

Antes que a boca de Jesus abrisse no meio da barba farta, um colega dele gritou.

– Ciclista só atrapalha!

– Quem é esse? – perguntei a Jesus.

O taxista respondeu que o colega estava brincando. Sei lá se estava. O cara tinha os olhos vidrados em nós. O principal é que não sorria, e quem brinca, sorri. Bem, esquecemos o cara e então Jesus se dedicou a minha primeira pergunta. Respondeu que não tinha visto a bike do Ricardo por causa do “ponto cego”. Quem fez autoescola sabe que o carro tem pontos cegos, é verdade. Ainda assim, achei que ele poderia ter visto a bici. Então, sugeriu que os ciclistas “andassem na linha no espelho do retrovisor dos carros para não deixarem de ser vistos”. Com essa, nos restou bater em retirada com nossa pele verde e nossos cabeções. O plano era embarcar no catamarã, trensurb e aeromóvel com as bikes.

Por telefone, um funcionário da Trensurb me explicou o porquê de haver horários determinados para entrar com bicicleta nos trens. Em fins de semana e feriados, é liberado. Em dias úteis, pode só das 9h30min às 11h, das 14h às 16h e das 21h às 23h20min.

– É para não prejudicar os outros usuários – disse, fazendo alusão aos horários de pico, quando os trens ficam lotados e bicicletas seriam um estorvo insuportável.

No trensurb, existe um local sinalizado para os ciclistas embarcarem, só que não vimos diferença alguma entre entrar por ali ou por qualquer outro ponto da estação. Tampouco achamos algum espaço para colocar as bicis. Assim que a primeira roda passou pela porta, os olhares se voltaram, curiosos, divertidos, mas também insistentes e questionadores. Na ida e na volta entre a Estação Mercado e o aeroporto Salgado Filho, transformamo-nos em alienígenas outra vez.

No barco da linha Porto Alegre-Guaíba, o pessoal parece acostumado à presença de ciclistas. As embarcações têm pequenos bicicletários na proa e os próprios funcionários amarram as bikes. Os passageiros nem estranham. Um segurança disse que já viu mais de 10 bicicletas embarcarem de uma só vez – acho que exagerou, há pouco espaço para tanto. O problema é o acesso por escadas desde o outro lado da Avenida Mauá até a estação, o que obriga a paletear a bike. No mais, é tranquilo. As bicicletas não ficam nem molhadas.

Nossa última ambição era viajar de aeromóvel com as bicicletas. Fui até um funcionário da Trensurb na Estação Aeroporto e perguntei se podia. A resposta:

– Sobe ali na estação e pergunta.

Assim fiz. O operador do aeromóvel bocejava quando lhe perguntei se podíamos entrar com as bikes. Ele autorizou:

– Com educação, tudo bem, podem entrar. Não tem nada dizendo que não pode.

Então, fizemos o rápido trajeto, ida e volta. O tempo inteiro, sob olhares curiosos. Fazia sentido, naquele cenário. Estávamos em uma nave futurista e éramos de outro planeta, rumo ao futuro, onde deve estar a tolerância.”





Faixa exclusiva não é sinal de segurança


Na ciclovia da Avenida Ipiranga há uma sensação de segurança por causa dos guarda-corpos e, apesar de incompleta, a via é longa e muito utilizada. No entanto, os cruzamentos com as ruas são perigosos porque ainda há motorista que fura o sinal e ciclista que não respeita o seu semáforo – é preciso ter paciência porque tem sinaleira para bicicleta que demora minutos intermináveis, enquanto o verde pode durar cerca de escassos 10 segundos. Também há obstáculos, como postes e árvores, muitas vezes no meio do caminho. Além de se chocar contra eles, os ciclistas podem bater em quem pedala no sentido contrário.

O pior, porém, é quando pedestres cruzam a ciclovia. Não há via de escape por causa dos guarda-corpos e quem caminha ali pode se machucar feio porque a velocidade das bicicletas muitas vezes é alta. Quem está sobre uma bici também pode se dar mal. O Ricardo Duarte poderia ter voltado sem um pé da bicicletada porque um trabalhador que cortava grama com uma máquina quase o atingiu. Tomou um susto ao ver que o cortador passou a centímetros do pedal do fotógrafo. Na ciclofaixa da José do Patrocínio (foto), é costume os pedestres nem olharem para os lados quando a atravessam.






Lugar de pedestre e lugar de bike


Na Esquina Democrática, a morte se movia com a tradicional foice em mãos, mas nada de assustar a gurizada que aprendia a atravessar uma faixa de segurança de brinquedo montada por azuizinhos. Interrompi brevemente a atividade educativa da EPTC e perguntei a uma fiscal se poderíamos pedalar pela Rua dos Andradas. Ela não sabia. Chamou um colega. Ele confirmou:

– Só desmontado.

É engraçado isso. Logo adiante fica a ciclofaixa da Rua Sete de Setembro (foto). Ali, o que mais se vê é gente caminhando na pista. As pessoas nem sequer olham para trás para ver se vem alguma bike. Na esquina com a Praça da Alfândega, avistamos uma moça caminhando sobre a ciclofaixa. Percorreu-a em um longo trecho. Eu a abordei.

– Por que você estava caminhando na ciclofaixa, se é exclusiva a ciclistas?

– Sempre vou pela ciclofaixa para ultrapassar as pessoas que estão na calçada, que às vezes vão devagar – respondeu.

Ela costuma andar de bike e concorda que não pode ficar na ciclofaixa. A pressa, porém, costuma falar mais alto.





Carência de bicicletários


Bicicletário é artigo raro na Capital. Quando o Ricardo Duarte e eu fomos almoçar na Casa de Cultura, por exemplo, acorrentamos as bikes aos pilares das obras de restauração do prédio. Sempre soube que no Praia de Belas Shopping tinha um bicicletário muito bom. Imaginava que ficava no entorno do prédio principal. Andamos em frente do shopping, pela Praia de Belas, e nada, nenhum aviso. Aí, interpelei um guarda.

– É no outro prédio, do outro lado da rua. Tem que entrar na saída da garagem – disse ele.

Repare só, “entrar na saída”. É o destino dos ciclistas, ser colocado onde dá, mesmo que seja com acesso no contrafluxo. Lá encontramos a arquiteta Clarissa Garcia, 27 anos (foto). Ela aprova e usa seguidamente o bicicletário. No BarraShoppingSul, também não há placas indicando onde fica o bicicletário.

– Melhor vocês descerem da bicicleta e irem levando na mão. Os motoristas aqui são muito mal-educados – recomendou um segurança.

Já na Fundação Iberê Camargo custa R$ 2 deixar a bike no bicicletário do estacionamento subterrâneo. Outra opção é deixar nos fundos do prédio, de graça.





Fora das ciclovias, pedalar é dureza



A Avenida Protásio Alves é o inferno no asfalto. Se você é ciclista, evite-a. A sensação é de risco de atropelamento o tempo inteiro. O Ricardo Duarte entrou no clima de tensão e, quando chegava ao meio de uma quadra, já sinalizava com a mão que passaria pela próxima esquina.

Por outras vias, como a Avenida Loureiro da Silva (foto) não é tão diferente. A arquiteta Clarissa Garcia, 27 anos, já foi xingada por não estar na ciclovia da Ipiranga, e sim ocupando espaço no asfalto, onde tem o direito de estar, em um trajeto desde o Jardim Botânico.

– “Depois eu te mato, passo por cima de ti”, disse o motorista – lembra.

Depois das mortes recentes de duas ciclistas, atropeladas por ônibus, o medo engessou alguns ciclistas. Usar a calçada é uma irregularidade, porém essa tem sido a medida tomada por vezes pela estudante de Administração da UFRGS Tainá Hennig, 23 anos. O medo a atrai para os passeios públicos, e ela tenta manter baixa velocidade e cuidado para não atingir algum pedestre, e chega a descer e levar a bicicleta a pé – o que é permitido por lei.

– Não quero virar estatística – argumenta.





Cicloativista ao volante de ônibus


Se um dia você, ciclista, topar com um ônibus da linha T4 no seu caminho, torça para ser o de Emerson Jesus de Lemos (foto), 51 anos. Ele foge do padrão dos motoristas porque é cicloativista e costuma integrar os protestos da Massa Crítica. Portanto, qualquer bicicleta ao redor dele receberá a máxima atenção. O mesmo não acontece com alguns colegas de Jesus, que, ele lamenta, são mais descuidados.

– O que eu digo a eles é que é mais fácil perder uns minutos protegendo o ciclista do que arranjar incomodação para o resto da vida. É possível fazer isso porque não somos punidos por chegarmos mais tarde à garagem, já há atrasos por causa dos congestionamentos – explica.

Jesus, como é chamado, trabalha há 10 anos na Carris e chega todo dia de bicicleta à garagem da empresa junto ao Hipódromo do Cristal, na Zona Sul.

Na noite de sexta-feira, ele estava com parte de sua família – a mulher e uma das duas filhas – na Massa Crítica que protestou contra a morte das duas ciclistas, a estudante e Pedagogia Patrícia Silva de Figueiredo, 21 anos, e a estudante de Psicologia Daise Duarte Lopes, 19 anos. Às 19h35min, deram a primeira pedalada.




Carrocentrismo ainda vigora


Em frente ao bar Opinião, onde um ponto de taxistas foi extinto para passar uma ciclofaixa, há profissionais que mal podem ver uma bike na sua frente. Um taxista com quem falei resumiu os ciclistas a pessoas que “atrapalham o trânsito” e “provocam os motoristas”. Outro taxista, Olvair Santos (foto), 57 anos, defendeu os ciclistas. Suas opiniões sobre a cidade, porém, colocavam o carro no centro das prioridades. Ele apontava para a avenida em frente ao seu ponto enquanto falava.

– Todas as ruas tinham de ser como a Borges de Medeiros. Olha só como ela é larga. E não como a José do Patrocínio, que ficou estreita (por causa da ciclovia).

Integrante do Mobicidade, coletivo dedicado ao cicloativismo, Cadu Carvalho defende a multiplicação das bicicletas como a melhor forma de desenvolver uma cultura desse meio de transporte. A simples observação das magrelas indo e voltando livres de congestionamentos pode influenciar um motorista a abandonar o uso diário do carro, diz ele.

Cadu destaca a importância das campanhas de educação no trânsito para mudar concepções rapidamente.

– O nosso trânsito é muito hostil – afirma o cicloativista.






FOTOS RICARDO DUARTE

TRAGÉDIA EM MANAUS


ZERO HORA 30 de março de 2014 | N° 17748

Acidente deixa pelo menos 14 mortos

Outras 20 pessoas ficaram feridas em colisão frontal envolvendo micro-ônibus e caminhão



Pelo menos 14 pessoas morreram em decorrência da colisão frontal entre um micro-ônibus e um caminhão em Manaus (AM), na noite de sexta-feira. O acidente ocorreu por volta das 20h, na Avenida Djalma Batista, quando o caminhão, que trafegava no sentido bairro-Centro, teria atravessado a pista, colidindo com o coletivo.

O caminhão do tipo caçamba pertencia a uma empresa terceirizada que presta serviços à Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) de Manaus, enquanto o micro-ônibus, que contava com cerca de 40 passageiros, fazia a linha 825 (Redenção- Bairro da Paz).

Seis viaturas do Corpo de Bombeiros, 13 da Polícia Militar e 15 do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) atenderam a ocorrência.

As pessoas que viajavam na parte frontal do micro-ônibus foram as principais vítimas. Entre elas está o motorista do coletivo, Robert da Cunha Moraes, 27 anos.

Uma das vítimas estava grávida de oito meses e morreu no local do acidente. O Corpo de Bombeiros tentou realizar o parto, mas o bebê também não sobreviveu.

Além dos mortos, 20 pessoas ficaram feridas, segundo informações divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo. Oito delas estão internadas em estado grave, quatro apresentaram traumas moderados e outras oito, com ferimentos leves, foram liberadas. O atendimento aos feridos está sendo realizado nos hospitais 28 de Agosto, na região centro-sul de Manaus, e João Lúcio, na zona leste.

O prefeito de Manaus, Artur Neto (PSDB), cumpria agenda em São Paulo, mas cancelou os compromissos para retornar à capital amazonense. O vice-prefeito, Hissa Abraão, decretou luto oficial de três dias no município.


terça-feira, 25 de março de 2014

MASSA FÚNEBRE

ZERO HORA 25 de março de 2014 | N° 17743


ARTIGOS

Por Lívia Araújo



Conceito estranho: o que é fechar vias que já vivem trancadas pelo menos três vezes ao dia? Não explica a matemática que o que anula o nulo vira positivo? Por isso, os ciclistas a quem se apontou que fecharam as ruas durante sua marcha fúnebre que chorou duas mortes horrendas, na verdade, não as terão aberto? Aberto às pessoas, à reflexão, aos pêsames inestancáveis que ainda escorrem das veias abertas da cidade.

É curioso perceber a dinâmica das ruas depois que um fato trágico acomete um ou vários ciclistas. Logo após o atropelamento da Massa Crítica, em fevereiro de 2011, além do receio inicial de pedalar que o trauma provocou nas testemunhas oculares daquele crime, a solidariedade de algumas pessoas se revezava com xingamentos pontuais de outras, dentro ou fora dos carros: ou roncavam um motor mais alto, ou cantavam pneus à proximidade da bicicleta, ou agouravam um novo atropelamento. Por incrível que pareça, na noite do protesto contra a violência endêmica que vitimou Patrícia e Daise, eu ouvi não poucas provocações de motoristas durante a marcha fúnebre que, vagarosa e cabisbaixa, passava pelas ruas de Porto Alegre, com o matraquear constante do helicóptero da televisão que flutuava sobre nossas cabeças, ensurdecendo nosso minuto de silêncio.

No dia seguinte, porque já havia vivido isso antes, eu sabia que parte da mídia nos acusaria de arruaceiros: mostraria, talvez, um desentendimento com algum motorista que tentava furar o protesto e passar por cima de alguns “desocupados”, como uma hostilização de ciclistas subversivos contra gente de bem que tentava voltar para casa.

Mas, ao contrário desses cidadãos, que ao final do protesto voltariam a trafegar pela Ipiranga nos mesmos 60 quilômetros por hora tão letais para a frágil estrutura de carne e osso, Patrícia e Daise nunca mais voltarão para casa. Também veremos comentaristas enraivecidos com a imprudência ciclística, apregoando o uso do capacete (que o Código de Trânsito sequer cita entre os itens de segurança obrigatórios) e quiçá até tornozeleiras e joelheiras como artigos indispensáveis para o ciclista verdadeiramente prudente: aquele que não se deixa matar, assim como a moça da minissaia não se deve deixar estuprar.

A efervescência motorizada e midiática, em tempos de linchamento público e pelourinhos modernos – mas isso não era coisa do século 19? – parece que odeia ainda mais os ciclistas depois que eles morrem, talvez porque isso, finalmente e dolorosamente, confronte cada um de nós com a parcela de culpa que temos pela barbárie do trânsito, em nossas pequenas infrações que, todos os anos, rendem 40 mil mortos no Brasil: um sinal vermelho furado, um copo a mais antes da chave do carro, a adrenalina de pisar fundo na reta da grande avenida, todos eles alimentando a indústria da multa, que não existiria se não fossem pelas infrações cometidas. Pois, em resposta, tenho uma má notícia: nenhum capacete nos protegerá da barbárie.

*Jornalista e integrante da Mobicidade – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta

sábado, 22 de março de 2014

A LOUCURA DOS SENSATOS


ZERO HORA 22 de março de 2014 | N° 17740


ARTIGOS

por Jayme Eduardo Machado*



E a cada acidente que vitima esses sensatos, têm-se a confirmação desse diagnóstico. Meio Freud, meio Aporely, que o nosso barão de Itararé bem que merece um lugar no panteon da psicanálise, embora nunca a tenha levado a sério.

Séria, sim, e lamentavelmente trágica, é a sina dos ciclistas. Se analisarmos com um mínimo de sensatez não existe meio de transporte mais inteligente. Não polui, ocupa o mínimo de espaço na via pública, e faz bem para a saúde. Onde perde para os outros meios de transporte? Na velocidade, virtude mais próxima da estupidez, e na fragilidade, alvo preferido da agressividade.,.

Então, se verdadeiro o conteúdo daquela reflexão do filósofo, dá para concluir que o ciclista, exatamente por arriscar-se a ser sensato, é, no máximo, um louco mediano. Mas como a média de loucura em nosso trânsito está lá no alto, infelizmente esses campeões da sensatez não a exercitam num limite suficiente à sobrevivência. Por isso, quando sobrevivem são heróis, porque a regra é serem vítimas da agressividade dos meios de transporte pesados e dos fiscalizadores da chamada mobilidade urbana – em tese, é claro, porque estamos muito próximos da imobilidade.

Descendo dessa “viagem”, e pranteando o massacre dos sensatos ciclistas, nos perguntamos: a quem responsabilizar? Pois está na hora de acabar com essa transferência das mazelas individuais – e, pois, de cada um de nós – para o Estado, para a sociedade e para a legislação. E, por questões de espaço no papel para a abordagem do nosso tema, vamos nos limitar à lei. E a resposta é que o menos responsável pelo caos no trânsito é exatamente o Código de Trânsito Brasileiro. Reprodução da mais moderna legislação europeia, ultrapassa os 300 artigos criteriosamente destrinchados em minúcias.

Pois sabem o que diz o seu artigo 320? Que a receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito será aplicada exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

Se quiserem saber se isso é cumprido, perguntem aos das empresas que devem aplicar a lei, não raro, apedeutas de notória especialização em burlá-la.

Aos ciclistas, pois, lamentavelmente só cabe transmitir nossos sentidos pêsames. Mas a estes apedeutas da mobilidade urbana, cumpre advertir: cumpram com o seu dever, assumam a sua responsabilidade!

*JORNALISTA, SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA APOSENTADO

AS BICICLETAS, OS ÔNIBUS E AS PESSOAS


ZERO HORA 22 de março de 2014 | N° 17740


ARTIGOS

por Berna Menezes*



Como pode Porto Alegre, num único dia, perder duas jovens maravilhosas, estudantes que tinham seus sonhos, esperanças e que gostavam de se locomover de bicicleta?

Sou de Belém do Pará, escolhi viver em Porto Alegre há 18 anos, onde casei e criei minha filha, que também é estudante da UFRGS e gosta de se locomover de bicicleta. Quando abri a Zero Hora fiquei chocada, uma jovem foi atropelada por um ônibus na Erico Verissimo, perto da minha casa. Mais tarde, mais uma jovem de bicicleta foi atropelada por outro ônibus e também perdeu a vida.

Porto Alegre, duas bicicletas e dois ônibus. Duas jovens estudantes e dois motoristas de ônibus. Fatalidade?!

Como disse, moro perto da Erico Verissimo, mais precisamente na Cidade Baixa, onde há três anos um motorista descontrolado atropelou dezenas de ciclistas na José do Patrocínio esquina com a Luis Afonso. Fato que teve bastante repercussão, mas nada de concreto. A sociedade porto-alegrense ainda está esperando justiça.

Tirando os ciclistas e suas bicicletas, uma coisa não tem nada a ver com a outra, ou tem? O crime cometido na José do Patrocínio deveria ter recebido um encaminhamento rigoroso, com punição ao motorista que propositalmente jogou seu carro sobre as demais pessoas que estavam na via pública. Por sorte, neste caso, não tivemos vítimas fatais.

As mortes que ocorreram ontem são fatalidades, acidentes de trânsito. Porém o poder público deve investigar as causas que levaram a esses acidentes fatais e muito semelhantes.

Parte do que ocorreu é de total responsabilidade do poder público, em especial da Prefeitura que cede espaço para os ciclistas às pressas, sem planejamento. Uma clara atitude de quem não vê a bicicleta como um transporte e prioriza o automóvel como meio de locomoção, porque sequer o transporte público é tratado como prioridade em Porto Alegre.

Outro ponto que está relacionado se trata do estresse a que os trabalhadores rodoviários estão submetidos. O excesso de trabalho, com o famigerado banco de horas e a longa carga horária, que tanto foi denunciado nos 15 dias de greve da categoria, está cobrando seu preço em acidentes recorrentes e, tragicamente, com vítimas fatais.

Só o poder público tem responsabilidade, dever e autoridade para corrigir os excessos. A licitação do transporte é uma excelente oportunidade que colocará à prova as prioridades do poder público de Porto Alegre. Transporte público de qualidade e segurança para todos ou o lucro e privilégio para poucos? Com a palavra o prefeito José Fortunati.


*Coordenadora geral da Assufrgs – Associação dos técnicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESPEITO AOS CICLISTAS


ZERO HORA 22 de março de 2014 | N° 17740


EDITORIAIS




A morte de duas jovens universitárias no mesmo dia, ambas atropeladas por ônibus enquanto circulavam de bicicleta, causa dor, indignação e reacende o debate sobre a difícil convivência entre ciclistas e motoristas no trânsito de Porto Alegre. A primeira coisa que se pode dizer sobre a dupla tragédia é que as vítimas não podem ser consideradas culpadas. Quem tem o poder da morte nas mãos são os motoristas, e os veículos automotores não podem continuar sendo considerados a prioridade nas ruas. Pedestres e ciclistas têm idêntico direito de transitar livremente, e até mesmo de se distrair, embora também devam se cercar de cuidados mínimos, além de cumprir as regras de trânsito e de civilidade. O motorista, porém, é que precisa ser melhor preparado para agir quando surge um imprevisto.

A questão é que a verdadeira guerra travada hoje por espaço no trânsito só costuma ganhar destaque em momentos de maior emocionalismo, como os que se sucedem a fatos inconcebíveis como os registrados agora. Na mentalidade de muitos motoristas que hoje lotam as ruas, bicicleta ainda é um veículo de lazer, um pouco mais tolerável em finais de semana, de preferência com circulação restrita a ciclovias ou ciclofaixas. Nos demais dias, de maneira geral, é vista simplesmente como um estorvo, principalmente nas vias públicas. É preciso, por isso, que os condutores de carro se conscientizem de que há uma mudança cultural em andamento e de que ela é irreversível: veículos de duas rodas se constituem cada vez mais numa alternativa real de deslocamento para quem estuda ou trabalha. E é nessa condição que devem ser respeitados.

Por razões semelhantes, quem se locomove de bicicleta ainda costuma, muitas vezes, ser inacreditavelmente encarado, de forma preconceituosa, como uma espécie de cidadão de classe inferior, sem condições de andar de carro e que, por isso, acaba até mesmo tendo direitos mínimos ignorados. Entre essas garantias, estão as asseguradas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), como o princípio básico de que os veículos de maior porte são responsáveis pela segurança dos de menor porte, ou a determinação de que é preciso observar sempre uma distância mínima de 1m50cm nas ruas. Práticas usuais como a dos “fininhos”, muitas vezes sem a necessária redução de velocidade, e de maneira geral impunes, dão uma ideia do quanto ainda será preciso evoluir para harmonizar os interesses de quem se desloca em áreas urbanas.

Independentemente do rigor da lei e dos apelos ao bom senso, os ciclistas só terão o respeito que lhes é devido com uma profunda mudança cultural, a partir da escola, da educação das crianças e da formação de adultos responsáveis. Essa é uma tarefa coletiva, mas especialmente do poder público, que de imediato deveria passar a ser mais rigoroso com os infratores, mas também investir uma parcela maior das receitas correspondentes a multas em educação permanente para o trânsito, como prevê a lei.

Os ciclistas só terão o respeito que lhes é devido com uma profunda mudança cultural, a partir da educação das crianças e da formação de adultos responsáveis.

sexta-feira, 21 de março de 2014

ACIDENTE COM ÔNIBUS DEIXA 35 FERIDOS



Ônibus, que transportava 40 passageiros, estava acima da velocidade permitidaFoto: Polícia Rodoviária Federal / Divulgação


ZERO HORA 19/03/2014 | 12h08

Acidente deixa 35 feridos em Rio Grande. Os trabalhadores do porto ficaram apenas com ferimentos leves


Um acidente envolvendo um caminhão e um ônibus deixou 35 feridos em Rio Grande, nesta quarta-feira, às 6h40min. Segundo informações da Polícia Rodoviária Federal, os envolvidos ficaram apenas com ferimentos leves.

A PRF informa que houve uma colisão lateral em um caminhão, que estaria entrando na BR-392, km 8, próximo ao superporto, com um ônibus carregado com 40 passageiros. Chovia na região e o ônibus estaria a 90 km/h, segundo o tacógrafo, sendo que o máximo permitido no trecho é de 60 km/h.


35 pessoas ficaram feridas na colisão
Foto: Polícia Rodoviária Federal/Divulgação

O ônibus de empresa particular estava carregado de trabalhadores do porto, da Ecovix, saídos do trabalho noturno. Já o caminhão, com placas de Vacaria, saía do Estaleiro Rio Grande carregado de soja. A princípio foi divulgado que o número de feridos leves era de no mínimo 20 pessoas. Quando a operação na via terminou, a PRF contabilizou ter encaminhado 35 pacientes ao Pronto Socorro do Hospital da Santa Casa de Rio Grande, sendo 34 passageiros e o motorista do ônibus.Segundo o hospital, todos são feridos leves com escoriações e cortes sem gravidade nos braços e rostos. Eles passam por exames de avaliação como raio-x, mas tudo indica que devem ser liberados ainda nesta quarta-feira.

Há registro de chuva forte na rodovia no momento da colisão
Foto: Polícia Rodoviária Federal/Divulgação

BIKE, UM VEÍCULO VULNERÁVEL



ZERO HORA 21 de março de 2014 | N° 17739

ITAMAR MELO

Duas mortes em 8 horas em Porto Alegre


Otrânsito de Porto Alegre produziu ontem duas ciclistas mortas em um intervalo de oito horas e escancarou a vulnerabilidade a que estão sujeitos os adeptos das pedaladas como forma de locomoção. As duas eram universitárias. As duas perderam a vida ao serem atingidas por ônibus.

Os acidentes vieram em um momento de valorização da bicicleta como meio de transporte em um ambiente hostil. As bicicletas ganharam as ruas, mas as ruas ainda precisam aprender a conviver com elas. Cicloativistas e profissionais de educação para o trânsito identificam que há um conjunto de fatores a superar para que a bicicleta ocupe o espaço que lhe é devido:

Ignorância da legislação – O Código de Trânsito diz que a bicicleta é uma participante, não uma intrusa nas vias. Quando não houver ciclovia ou ciclofaixa, seu lugar é no leito da rua, com tantos direitos quanto os automóveis – e até mais. Parte dos motoristas ainda não absorveu o conceito.

Cultura do automóvel – Willian Cruz, editor do site Vá de Bike, diz que um dos principais ritos de passagem para a idade adulta é obter a carteira de habilitação:

– Quem não tem carro costuma ser visto como cidadão de segunda classe.

Formação insuficiente – Em alguns países, como Dinamarca e Holanda, as crianças aprendem na escola a se colocar no lugar de motoristas, ciclistas e pedestres. No Brasil, a educação para o trânsito acaba ficando para a hora de tirar a CNH. Há dúvidas sobre a eficácia disso.

– A maioria dos centros de formação são cursinhos para passar no exame do Detran – critica Willian Cruz.

Agressividade contra o ciclista – Parte dos condutores acredita que a bicicleta é um estorvo na rua e trata de intimidar o ciclista – tiram um “fino”, em lugar de respeitar a distância de 1m50cm.

– A questão é o egoísmo, o individualismo, a falta de consciência cidadã – diz Maximilian da Rocha Gomes, chefe substituto da Divisão de Educação do Detran/RS.

Necessidade de fiscalização – Os agentes de trânsito de São Paulo apertaram a fiscalização sobre motoristas que desrespeitavam o ciclista. Milhares de multas foram aplicadas. Para cicloativistas, a pressão deu resultado. Motoristas entenderam que a bicicleta tem direitos e passaram a respeitá-los mais.

Cidades pensadas para carros – Os sistemas viários não são projetados para ciclistas ou pedestres. Essa característica colabora para que o condutor assuma uma postura de superioridade. É verdade que faltam ciclovias e ciclofaixas, mas construí-las não é o antídoto. Apostar apenas nessas vias exclusivas pode passar a mensagem de que o lugar da bicicletas é nelas – quando o ciclista deve ter seu espaço respeitado em qualquer via.

Invisibilidade do ciclista – A correlação que ainda se faz entre bicicleta e insucesso econômico leva a uma invisibilidade do ciclista no trânsito, diz Cruz. Maximilian não crê que haja essa invisibilidade:

– O problema é que ele não é aceito como partícipe do trânsito. O motorista acha que tem prioridade.

Desinformação do ciclista – O usuário de bicicleta tem uma parcela considerável de responsabilidade pelos riscos a que está sujeito. É comum que não conheça nem seus direitos, nem seus deveres. Uma das causas para isso é que pode sair às ruas sem fazer qualquer tipo de formação. O resultado é circular sem equipamentos de segurança e sem respeitar as regras.


Patrícia, 21 anos, estudante

8h30min


Patrícia Silva de Figueiredo, a estudante de Pedagogia de 21 anos atingida por um ônibus quando cruzava a Avenida Erico Verissimo de bicicleta, adotou o veículo não apenas como meio de transporte, mas também como causa social e política. Participava das pedaladas do Massa Crítica, incentivava o uso do veículo e acreditava na redução da quantidade de carros pelas ruas.

As circunstâncias do acidente ainda não foram esclarecidas. A Polícia Civil investiga a velocidade do ônibus, que próximo às paradas deve ser de 30 km/h. Desta tragédia urbana, ficou o grande drama familiar.

– Meus pais estão muito abalados. Não há nada pior do que enterrar um filho – desabafa o irmão, Pablo, 32 anos.

A estudante recentemente se demitira da escola onde trabalhava como auxiliar de educação infantil para virar bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência na UFRGS.



Daise, 19 anos, estudante

16h 30min


Uma estudante de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de 19 anos foi a segunda ciclista morta ontem em Porto Alegre.

A jovem, identificada como Daise Duarte Lopes pelo Departamento Médico Legal, também foi atingida por um ônibus. De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), um veículo da Unibus a atropelou por volta das 16h30min de ontem na Estrada Martim Félix Berta, em frente ao número 2.732, próximo à Rua Seis de Novembro, no bairro Rubem Berta.

Daise morava nas proximidades do local, no bairro Mario Quintana, na Zona Norte. Testemunhas disseram à Brigada Militar que ela estava atravessando a rua pedalando a bicicleta quando foi atingida pelo ônibus. Ela havia passado no vestibular em 2013 e estava no terceiro semestre do curso. Cicloativistas convocaram um protesto no local para as 18h30min de hoje.

A jovem cruzava a rua quando foi atingida




PARDAIS NAS RODOVIAS ESTADUAIS DO RS


ZERO HORA 21 de março de 2014 | N° 17739


HELOISA ARUTH STURM

EM JUNHO. Novo prazo para a instalação de pardais. Foram definidas as empresas que instalarão os controladores na estradas


Depois de três anos de atraso, as rodovias estaduais do Rio Grande do Sul voltarão a ser monitoradas por pardais. A previsão do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) é de que os equipamentos estejam instalados até a segunda quinzena de junho.

Nesta semana, foi definido o resultado da licitação para compra e instalação de 45 controladores de velocidade e 20 câmeras de monitoramento. Uma reunião entre a autarquia e as duas empresas vencedoras, Perkons S/A e Fiscal Tecnologia e Automação Ltda, será marcada para dar início à chamada Demonstração Técnica, etapa na qual os equipamentos serão testados para verificar se atendem às especificações do edital. Depois que o contrato com as empresas for assinado, no valor total de R$ 6,5 milhões, elas terão prazo de 60 dias para instalar os pardais.

O número de radares fixos e rodovias monitoradas será menor do que o existente em novembro de 2010, quando o serviço foi suspenso. Antes, 18 estradas tinham trechos fiscalizados por 60 pardais. A nova licitação prevê monitoramento em 13 vias. A redução ocorre em função de um estudo que considerou o nível de acidentalidade nos trechos, volume de veículos e excesso de velocidade. As medições indicaram que a permanência dos equipamentos antigos, mesmo desligados, faz com que condutores controlem a velocidade em trechos descartados da nova licitação.

Os equipamentos instalados no entorno dos municípios de Gravataí (ERS-020 e ERS-118), Gramado (ERS-115), Santo Augusto (ERS-155), Redentora (ERS-330) e Itati (ERS-486) não serão repostos. Já a região entre Passo Fundo e Nova Prata (ERS-324) passará a ser monitorada.

Engenheiro fala em “medida arrecadatória”

Para o engenheiro Walter Kauffmann Neto, especialista em acidentes de trânsito e consultor da ONG Alerta, a instalação de 45 novos controladores de velocidade e 20 câmeras de monitoramento, prevista para a metade do ano, nas rodovias do Rio Grande do Sul, deverá ter função meramente arrecadatória.

Kauffmann afirma que se a função dos equipamentos fosse o controle de velocidade, os pardais estariam nos pontos onde ocorrem acidentes mais graves, e não em locais considerados por ele estratégicos para multar, onde o limite de velocidade muda entre um trecho e outro.

– Os radares serão um excelente sistema para melhorar a arrecadação de multas no Estado, mas o impacto no número de ocorrências de trânsito não vai ser tão significativo como se fossem adotadas medidas mais fortes. A punição no trânsito é severa para o bom motorista que escorrega, e é branda para o mau motorista – avalia o especialista, que sugere a fiscalização pessoal de agentes como forma de controle efetivo de segurança no trânsito.

Mesmo depois da instalação dos novos equipamentos, os pardais desativados permanecerão nas estradas gaúchas por tempo indeterminado. Como os contratos antigos firmados com as empresas Engebras e Eliseu Kopp estão pendentes de demandas judiciais, eles ainda não podem ser retirados. Segundo o Daer, os radares serão desinstalados somente quando essas demandas forem resolvidas.


A VIGILÂNCIA

Os modelos dos novos pardais são muito semelhantes aos equipamentos anteriores, mas o software é mais avançado, o que traz algumas melhorias na fiscalização

- Os novos equipamentos fazem fotos dianteiras e traseiras dos veículos, enquanto os antigos faziam só fotos traseiras, permitindo o registro de imagem de veículos na contramão, como as motocicletas, que não têm placa dianteira.

- Possuem tecnologia que evita que os faróis dos veículos ofusquem a imagem e prejudiquem o registro.
- As fotos noturnas são feitas em infravermelho, o que também contribui para a melhor visualização da placa.

HISTÓRICO DE LENTIDÃO

2010 - Com o fim do contrato de locação de pardais, que vigorava no Estado desde 2006, o governo efetuou um contrato emergencial de 180 dias e iniciou dois processos licitatórios: um para nova contratação emergencial e outro para instalação efetiva dos pardais.

2011 - Em março, o edital para a contratação emergencial foi revogado, já que tinha o mesmo objeto do outro procedimento. No mesmo mês, reportagem da RBS TV exibida no programa Fantástico revelou suspeita de esquema fraudulento nas licitações de pardais, e então o edital da concorrência para instalação dos equipamentos foi extinto por supostas irregularidades. O governo iniciou uma força-tarefa para apurar problemas no Daer e, quatro meses depois, anunciou 60 medidas e sugestões para evitar fraudes no órgão, entre elas, a da licitação internacional para aquisição de pardais.

2012 - Em maio, o Daer recebeu da Controladoria e Auditoria-geral do Estado (Cage) e da Procuradoria-geral do Estado (PGE) solicitação de alterações no texto do edital. As exigências foram solucionadas, ficando pendente apenas concluir levantamento sobre onde os pardais devem ser instalados. Entre setembro e novembro, o Daer e o Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) realizaram tratativas para resolver pendências quanto ao levantamento em cinco pontos de estradas e novas medições de velocidade.

2013 - Em 30 de julho, o Daer entregou à Central de Licitações da Subsecretaria da Administração os estudos técnicos necessários à licitação para ativar os pardais nas rodovias estaduais. Empresas apresentaram propostas em outubro, e a definição da vencedora atrasou em virtude de duas liminares que suspenderam o certame, além do período de recesso da justiça gaúcha.


quinta-feira, 20 de março de 2014

O PEDÁGIO INVIABILIZADO


ZERO HORA 20 de março de 2014 | N° 17738


EDITORIAIS

O pedágio inviabilizado



Se a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) já se constituía num equívoco desde sua origem, a decisão da Assembleia Legislativa de instituir tarifa única para veículos que passam mais de uma vez no mesmo dia por praças de pedágio complica ainda mais uma equação difícil de ser resolvida. As alegações oficiais para justificar a criação de mais uma estatal concentravam-se justamente na oferta de bons serviços a preços mais acessíveis. Diante da inevitável queda das receitas com a decisão dos parlamentares, essa argumentação está ameaçada de perder o sentido, já que agora pode ocorrer até mesmo uma elevação no preço da tarifa.

Não foram poucos os alertas feitos para os riscos oferecidos pela criação de uma empresa estadual para gerir os pedágios comunitários. O Piratini se comprometeu em operar com o mínimo de estrutura e de custo e com o máximo de eficiência, até mesmo porque esse foi um compromisso de campanha do governador Tarso Genro. Ainda assim, é difícil imaginar que uma alternativa como essa possa competir em condições de igualdade com o setor privado.

Desde que atuem com regras claras e sejam fiscalizadas com rigor, as concessões têm condições de oferecer resultados bem mais próximos dos esperados pelos usuários. Por isso, as decisões nessa área deveriam se pautar sempre por critérios objetivos, sem motivações políticas.

Quando uma questão dessa importância é politizada, quem mais perde é a população. O Legislativo, no qual o Executivo não tem maioria, também resolveu faturar prestígio junto aos usuários, fazendo-os pagar menos e encurtando as receitas da EGR. Com uma perda dessas, não há como a empresa se manter. A questão, por isso, precisa ser repensada, antes que o impasse vá para a Justiça e resulte em maior precariedade das rodovias e em prejuízos para todos.

ODISSEIA VEICULAR POR CAUSA DO LACRE DO PLACA



ZERO HORA 20 de março de 2014 | N° 17738


LETÍCIA DUARTE



A falta que um lacre faz. Dentista descobre os requintes da burocracia ao tentar reaver carro recolhido por infração que ela não sabia estar cometendo




Há uma semana, a dentista Beti Asnis, 51 anos, sente-se personagem de um drama kafkiano, tentando se desvencilhar das teias da burocracia do Estado. Desde que teve seu Fiesta sedan guinchado em uma blitz por rompimento do lacre da placa, corre de um lado para o outro para tentar recuperar o veículo. Em vão.

O que mais a inquieta é que ela sequer sabia que estava cometendo a infração pela qual foi punida. Voltava tranquila de um jantar dando carona a amigas, na Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, na noite de quinta-feira. Não havia bebido nada, passou com zero pelo bafômetro, estava com toda a documentação em dia. Mas, durante a blitz da Balada Segura, agentes constataram que o lacre de sua placa estava violado. O veículo também foi multado por estar com uma sinaleira queimada e pelo fato de uma das caroneiras estar sem cinto no banco de trás, mas o que determinou o recolhimento do veículo foi o rompimento do lacre.

Até aí, parecia só um inconveniente, causado pela adulteração em um item a que pouca gente presta atenção. Só que, a partir daquele dia, Beti descobriu que recuperar o veículo era muito mais complicado do que supunha. Como ela precisava trabalhar, pediu ao pai que fosse na manhã seguinte ao Centro de Registro de Veículos Automotores (CRVA) para buscar a guia de pagamento da taxa do veículo.

Ao comparecer ao local, o familiar foi informado de que o veículo não constava no sistema, apesar de um papel entregue pelos agentes na noite anterior informar que o Fiesta seria encaminhado para um depósito na Avenida Baltazar de Oliveira Garcia. Quando telefonou para o depósito, a família ouviu dos atendentes que não tinham informações. Pediram que ligassem novamente em 10 minutos. Na segunda ligação, ainda não sabiam informar nada, nem na terceira. Na quarta tentativa, a resposta mudou:

– Parece que o veículo está aqui.

– Como assim, parece? – estranhou Beti, que deixou o trabalho no início da tarde para ir pessoalmente procurar pelo veículo.

Chegando lá, localizou o carro. Pensou que a liberação seria rápida. Novo engano. A atendente do depósito disse que ela deveria voltar ao CRVA para agendar pessoalmente uma vistoria. Depois de duas horas na fila, na tarde de sexta, foi atendida. A promessa era de que a vistoria seria realizada na segunda. O procedimento só ocorreu ontem. Quando ficou sabendo, Beti mal teve tempo de comemorar. Disseram que, como a placa estava “amassadinha”, teria de ser trocada. E, para isso, seria preciso entrar na fila outra vez, solicitar agendamento, esperar pela vistoria. Sem prazo para liberação.

Indignada, Beti ligou para a ouvidoria do Detran. Pensou que seria ouvida, mas recebeu nova injeção de burocracia. A informação é de que deveria ir até o Tudo Fácil, apanhar um formulário, que depois seria encaminhado ao órgão. A dentista desistiu.

– Contando ninguém acredita, a lista de absurdos é comprida. O mais surreal é que eu não cometi uma infração. Se alguém rompeu meu lacre, eu também fui vítima – desabafa.

No fim da tarde, após a consulta de Zero Hora ao Detran sobre o episódio, Beti recebeu um telefonema. Disseram que ela não precisaria mais entrar na fila, que a autorização para trocar a placa já estava pronta. Deveria comparecer ao CRVA para encaminhar o pedido de nova vistoria. Mas ainda não sabia quando poderia retirar o veículo. Enquanto isso, as diárias no depósito seguem correndo, ao preço de R$ 20 ao dia.

– Se tiverem a mesma agilidade que tiveram com a primeira vistoria, estou ralada – preocupa-se Beti.

Enquanto espera uma solução para o transtorno, repete um novo conselho a seus amigos motoristas:

– Olhem o lacre!


Detran vai investigar omissão no sistema


Por meio de sua assessoria de imprensa, o Detran informou que está investigando os motivos da demora na identificação do veículo de Beti Asnis no sistema. De acordo com a assessoria, o procedimento padrão para motoristas que têm seu veículo apreendido em blitz é recorrer diretamente ao depósito, já que o endereço do estabelecimento é fornecido durante a operação.

Em parte dos casos, sequer é preciso comparecer ao CRVA. Quando se faz necessária a entrega de documentações e de realizações de vistoria, como no caso do rompimento do lacre, há essa necessidade.

De acordo com a assessoria, não há prazo estabelecido para a realização das vistorias, nem informação disponível sobre o tempo médio de espera pelos motoristas. Um dos motivos apontados para a demora na vistoria de Beti é que “havia muita demanda naquele CRVA”. A prioridade na realização das vistorias é dada para casos que não são fruto de infrações.

Em agosto de 2012, reportagem de ZH revelou o sumiço de peças em veículos em depósitos. Uma das providências prometidas pelo Detran foi a realização de fotografias no momento em que o veículo é recolhido na blitz. O órgão afirma que as fotos estão sendo realizadas, na hora da remoção do carro. Mesmo assim, Beti lamentou o fato de não ter sido autorizada a fotografar seu veículo ao encontrá-lo no depósito.

Segundo o Detran, as fotos dentro do depósito são proibidas porque os espaços também abrigam veículos furtados e roubados, que não podem ser expostos por estarem sob proteção policial.
O QUE É O LACRE

- O lacre é um item de segurança da placa. Como é feito de cabo de aço, protege a identidade do veículo.

- Seu rompimento pode indicar uma ação deliberada, algumas vezes associada à tentativa de clonar a placa.

- O lacre é a comprovação de que aquela placa é original, que bate com os dados do veículo, para indicar que o carro não é clonado, roubado ou adulterado.

- Segundo Adelto Rohr, diretor institucional do Detran e coordenador do Programa Balada Segura, o recolhimento do veículo em caso de lacre rompido é feito para segurança do próprio proprietário.



Por causa do lacre da placa rompido, Beti Asnis enfrentou uma rotina de filas, telefonemas frustrantes e informações desencontradas


Em agosto de 2012, reportagem de ZH revelou o sumiço de peças em veículos em depósitos

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -Se é caso de segurança, ao constatar o rompimento da placa, o agente de trânsito deveria reter o carro e o condutor, e então chamar primeiro a polícia. A violação do lacre indica clonagem ou troca da placa para interesses escusos e ilícitos (clonado, roubado ou adulterado). Errou o agente. Quanto à burocracia, ela está instalada firmemente em todos os procedimentos dos poderes, instituições e departamentos brasileiros. Já é uma cultura do serviço público. Se ferram o povo, os consumidores, os proprietários e as vítimas.