Delmar Pacheco da Luz*
Recente decisão de uma das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do RS mereceu reportagem de ZH pelo inusitado: a absolvição do condutor de veículo automotor que dirigia com índice de concentração de álcool no sangue superior ao permitido pela legislação.
O fundamento da decisão foi a exigência, além do índice de concentração de álcool no sangue, ainda, da prova de alteração da capacidade psicomotora do condutor para tipificação do delito.
Esta inovação trazida pelo órgão julgador significaria, na prática, exigir que, de alguma forma, se demonstrasse o perigo (concreto) que o condutor estaria representando na direção do veículo, quando se sabe que o legislador reconhece na embriaguez ao volante um delito de perigo abstrato.
É evidente que esta decisão força uma interpretação para deixar de aplicar a lei penal. Sinceramente, não há surpresa para quem acompanha o que vem acontecendo nestes tempos de louvação à impunidade. O que chama atenção é que ninguém tinha visto a novidade até agora, nenhuma das outras Câmaras Criminais, nem a própria.
Nos deparamos com isso reiteradamente, sob os mais diversos argumentos, que vão do rigor da lei ao descalabro do sistema penitenciário. Foi assim que aqui se inventou a prisão domiciliar para presos do regime semiaberto: colocando-se centenas de apenados nas ruas e a população em pânico.
Aliás, se olharmos com atenção veremos que, mais do que na lei, a impunidade está na interpretação que lhe é dada pelos aplicadores. Veja-se o exemplo do regime inicialmente fechado para os crimes hediondos, estabelecido pela Lei nº 11.464/2007, cuja constitucionalidade foi reconhecida até 2012, quando uma nova decisão do Supremo Tribunal Federal (6 x 5 votos), sendo relator o ministro Dias Toffoli, passou a dizer que a referida lei era inconstitucional e que o crime hediondo, conforme a quantidade da pena aplicada (se inferior a oito anos) podia iniciar o cumprimento em regime semiaberto ou aberto e, inclusive, ser substituída por penas alternativas. A lei é a mesma, a interpretação é que passou a ser outra.
A mesma coisa ocorreu com a pena reduzida do chamado tráfico privilegiado (do réu primário, de bons antecedentes e que não se dedique a atividade criminosa), para cuja pena a lei vedava a substituição por restritiva de direitos. Depois de anos de aplicação, o STF declarou a regra inconstitucional e passou a permitir a substituição.
Tudo sob o argumento da individualização da pena, como se a lei não tivesse diversas outras regras que limitam essa individualização e que ninguém sequer ousaria questionar a constitucionalidade.
Ou seja, não está na lei a impunidade, mas na sua aplicação. Nas inconstitucionalidades “descobertas” anos depois pelos novos ministros e julgadores, com novo viés ideológico.
Parece que o povo, fonte de todo o poder (não importa a forma de investidura, a fonte é sempre a mesma) está precisando fazer barulho em outros endereços. Não pensem que Eles também não ouvem, Eles ouvem, sim.
*PROCURADOR DE JUSTIÇA
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