sexta-feira, 5 de julho de 2013

DA LUTA AO LUTO


ZERO HORA 05 de julho de 2013 | N° 17482

Manifestações com morte, apedrejamentos e prisões

Protesto de caminhoneiros em rodovias é marcado por episódios violentos no Rio Grande do Sul


JÚLIA OTERO*

O acirramento dos ânimos durante as manifestações que bloquearam 23 trechos de 11 estradas no Rio Grande do Sul entre segunda-feira e ontem acabou manchando com luto a luta dos caminhoneiros pela redução no custo do transporte. Depois de furar a barreira dos colegas, Renato Langer Kralnow, 44 anos, foi morto com uma pedra arremessada contra o veículo em Cristal, no sul do Estado.

Em outros dois episódios violentos, um integrante da categoria teve um dedo amputado, em Tio Hugo, na região Norte, e 10 manifestantes foram presos em Pelotas e Canguçu.

O caso mais grave ocorreu na BR-116, quando Kralnow dirigia de Pelotas até a Região Metropolitana, na quarta-feira à noite. Na entrada de Cristal, por volta das 20h, ele foi parado por manifestantes que pediam adesão ao ato, organizado pelo Movimento União Brasil Caminhoneiro. Kralnow não aceitou e, contrariado, saiu do veículo, o que resultou em briga entre ele e um dos manifestantes.

Com o rosto machucado, o caminhoneiro parou em um posto de combustível e pediu ajuda à PRF para se deslocar até um hospital. Sete quilômetros após deixar o local, sob escolta policial, seu caminhão saiu da pista. Ao ser encontrado pelos policiais o motorista estava desacordado, com ferimento na garganta. No para-brisa, havia um buraco. Conforme a PRF, o médico que prestou socorro teria constatado morte por engasgamento com o sangue. A pedra que teria provocado a morte pesa quase um quilo, com 14 centímetros de altura e sete de largura. A hipótese mais provável é que ela tenha sido retirada do asfalto.

– Sabemos que existiam duas barricadas, onde atiravam pedras nos caminhões. Cada uma delas era responsável por um destino: uma para quem se dirigia a Porto Alegre, outra para quem ia em direção a Pelotas – afirma o delegado responsável pelo caso, Armando Selig.

Segundo Selig, ainda não há suspeitos, mas o homem com quem Kranlow brigou já foi identificado:

– O próximo passo é identificar os manifestantes e tomar depoimentos. Vamos analisar um vídeo feito por um caminhoneiro que falou ao filho da vítima que tinha filmado o momento da briga. Mas é cedo para afirmar que há conexão entre a pessoa que começou a briga e quem atirou a pedra.

Conhecido por estar sempre alegre e adorar o trabalho, que exercia há cerca 20 anos, Kralnow morava em Pelotas com a mulher e os filhos Eduardo, 19 anos, e Vanessa, 14 anos. Autônomo, era proprietário de dois caminhões. O gosto pela estrada foi passado para o filho, que decidiu seguir a profissão. Para a família, a quem o caminhoneiro chegou a telefonar avisando que estava ferido, a única palavra que pode consolar agora é Justiça:

– Foi uma covardia o modo como mataram ele. É algo que não tem explicação, estamos arrasados. Agora queremos Justiça. Acho que isso não pode passar em branco. A polícia tem que encontrar quem fez isso. Queremos que o culpado pela morte seja punido – afirma o irmão, Dario.

*Colaboraram Fernanda da Costa e Vanessa Kannenberg


ENTREVISTA, “Poderia acontecer em qualquer lugar”

Nélio Botelho, presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro



Zero Hora – Quais serão os próximos passos do movimento?

Nélio Botelho – Estamos aguardando convite para negociar. Sentar para conversar e ver o que acontece.

ZH – O senhor é empresário, como diz o governo federal?

Botelho – Não, sou autônomo e proprietário de um único caminhão que nem terminei de pagar.

ZH – O senhor ficou sabendo da morte de um caminhoneiro no Rio Grande do Sul?

Botelho – O que aconteceu foi lamentável. Uma fatalidade.

ZH – Não atribui isso ao movimento?

Botelho – Não. Foi um acidente que poderia acontecer em uma estrada ou em qualquer lugar.



Movimento termina sem resultados

O movimento dos caminhoneiros terminou sem aceno de diálogo para avaliar as reivindicações da categoria. Em 2012, o governo havia aberto uma mesa de negociação ao fim dos protestos.

Os ministérios dos Transportes e da Justiça mandaram a Polícia Federal investigar os protestos, centrando a atenção em Nélio Botelho, presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC).

O próprio Botelho têm dúvida sobre o resultado das mobilizações. Em 2012, conseguiu negociar com o governo a Lei do Descanso e outros pontos, como o cartão-frete. Agora, a pauta incluía subsídios ao diesel e isenção nos pedágios.

– O governo não concordou em sentar para conversar – diz Botelho.

Adversário de Botelho, o presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Estado, Eder Dal’Lago, afirma que a pauta do MUBC é mais benéfica às cooperativas e empresas do que para os que conduzem o próprio veículo:

– Os autônomos gostariam de discutir o vale-pedágio, a segurança nas rodovias e uma tabela de fretes.

A Polícia Federal vai investigar se as paralisações são locaute (promovidas por empresas e não por autônomos), o que é proibido. Botelho é acusado de ser empresário, o que ele nega (veja abaixo).


OUTROS CASOS

- Apedrejamentos – Segundo o chefe da 7ª Delegacia da PRF, Mario Francisco Reis Zanini, houve pelo menos 25 registros de carros de passeio atingidos no sul do RS.

- Amputação – No Norte, o caminhoneiro Ivanei Ghilardi, 37 anos, também foi ferido ao furar um bloqueio, no km 213 da rodovia que liga Tio Hugo a Soledade (BR-386). Mesmo machucado, Ghilardi teria dirigido por mais 30 quilômetros até chegar ao posto da PRF de Soledade. O motorista, que mora em Liberato Salzano, foi encaminhado ao hospital de Soledade e passou por cirurgia, mas teve o polegar esquerdo amputado.

- Prisões – Oito manifestantes, que não tiveram os nomes divulgados, foram encaminhados ao Presídio Regional de Pelotas por suspeita de participação nos ataques em Canguçu. Outros dois foram detidos em Pelotas, na BR-392 no km 66. No horário, duas viaturas da PRF foram atingidas com pedradas.


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