terça-feira, 2 de julho de 2013

APLICAÇÃO DE DINHEIRO DAS MULTAS NÃO OBEDECE À LEI



Prefeitura ignora regra de usar 15% dos recursos em programas de educação para o trânsito

FÁBIO VASCONCELLOS 
O GLOBO
Atualizado:2/07/13 - 10h37

Quase 100% do dinheiro das multas é usado no pagamento de empresas terceirizados
Agência O Globo / Pablo Jacob


RIO - A prefeitura aplicou apenas 0,5% de tudo que arrecadou com multas de trânsito no ano passado em ações de educação e prevenção de acidentes. Com o baixo percentual, o município deixou de cumprir uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores e considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Pela lei, a prefeitura é obrigada a utilizar pelo menos 15% da receita com multas em medidas educativas voltadas para o trânsito.

No ano passado, a arrecadação com multas chegou a R$ 175 milhões. Desse total, pouco mais de R$ 915 mil foram para a ação “educação e segurança no trânsito”. O levantamento, feito pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, mostra que o problema persiste este ano. Até a semana passada, foram arrecadados R$ 71,8 milhões em multas, mas apenas 1,4% tinha sido liquidado, ou seja, autorizado para pagamento de medidas de educação. A prefeitura informou que vai cumprir o percentual estipulado por lei e alegou que utiliza recursos de um segundo programa do orçamento para essas ações. Nesse programa, classificado como “operação de trânsito”, boa parte dos recursos das multas são usados para o pagamento das empresas terceirizadas dos “verdinhos”, os operadores que atuam nas ruas coordenando o tráfego. Com a soma desse programa, a prefeitura atinge mais que os 15% determinados pela lei.

— Nós vamos cumprir o percentual porque sabemos da importância da educação no trânsito. Mas o grosso do que aplicamos nessa área é pago por esse segundo programa. Os operadores de trânsito estão sendo treinados para desenvolver diversas atividades de educação. Além disso, aplicamos em programas de educação no trânsito em escolas e nas placas de sinalização instaladas em vários pontos da cidade — afirmou o secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osório.

Não há transparência

Para a vereadora Teresa Bergher, o levantamento mostra que a prefeitura não dá importância à educação no trânsito:

— Não há transparência na aplicação dos recursos das multas. Os investimentos não são utilizados em educação. Os “verdinhos” não fazem educação no trânsito, eles são responsáveis pela operação do trânsito, o que é bem diferente de educação. É lamentável, mas a prefeitura só está preocupada em punir o cidadão.

Professor de administração pública na Universidade Federal Fluminense, Cláudio Gurgel explicou que o uso de recursos que têm destinação certa em outros programas é uma prática usual no país, mas considerada ilegal. Segundo ele, o caso do Rio fere ao menos dois princípios da administração pública, que constam na Constituição Federal: o da transparência e o da moralidade. Para o professor, a utilização dos recursos das multas no programa de operação de trânsito impede que a população saiba exatamente quanto e como está sendo usado o dinheiro que deveria ser aplicado em educação.

— Esse tipo de manobra orçamentária é típico da administração pública no Brasil e impede que haja transparência na aplicação dos recursos. Nesse caso, há também uma questão que fere o princípio da moralidade. No geral, podemos até aceitar que o controlador de trânsito exerça alguma medida educativa, quando informa onde se pode ou não estacionar, por exemplo. Mas, se existe um programa específico no orçamento, que estipula claramente onde os recursos devem ser aplicados, não faz sentido utilizar o dinheiro no contrato com as empresas dos “verdinhos”. Além disso, há o fato de o percentual determinado pela lei não ter sido cumprido — ressalta Gurgel.

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