sábado, 25 de maio de 2013

O IMPASSE ENTRE CARROS E BIKES

ZERO HORA 25 de maio de 2013 | N° 17443

CICLOVIAS LIMITADAS

Projeto para transformar ciclofaixas em estacionamento durante horário comercial reacende polêmica sobre disputa por espaço



Lajeado vive um dilema que se multiplica por muitas outras cidades gaúchas. Para ampliar as vagas para carros, um vereador local criou um projeto de lei que pretende destinar espaço das ciclovias do município para estacionamento em horário comercial.

Antes mesmo de ser encaminhada para votação na Câmara, a proposta já desperta polêmica e divide opiniões no município polo do Vale do Taquari. A ideia do vereador Sérgio Rambo (PT) é resolver o problema de falta de vagas na cidade, que tem uma frota de 34,4 mil automóveis, sem contar ônibus, motos e caminhões, segundo dados da prefeitura. Para o número de bicicletas, não há levantamento.

– Não quero terminar com as ciclovias, mas aproveitar esse espaço que não está sendo usado para uma grande necessidade que temos que é estacionar os carros – justifica Rambo.

O vereador utiliza como justificativa um levantamento feito em abril, quando circulou durante três horas pelos 2,1 quilômetros de ciclovia, e teria visto apenas um ciclista. Para reforçar a proposta, também afirma que o município não é ideal para andar de bicicletas, devido ao seu relevo.

Uso exclusivo também é debatido em Porto Alegre

Pelo projeto, que deve ser encaminhado à Câmara na terça-feira, o trajeto para ciclistas, que passa por pelo menos seis bairros, seria utilizado como estacionamento das 7h às 18h nos dias úteis.

– Feriados e finais de semana deixaríamos para os ciclistas, que são muito poucos – complementa.

A mudança apontada pelo vereador lajeadense é oposta às tentativas que se proliferam principalmente na capital gaúcha. Enquanto Rambo tenta convencer que os carros têm prioridade em Lajeado, em Porto Alegre, a luta dos ciclistas é para implantar a cultura das ciclovias, que muitas vezes precisará ocupar o espaço de veículos motorizados para se concretizar.

Recentemente pintada na Rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa, mais uma faixa exclusiva para ciclistas na Capital, de 880 metros, alimentou o debate sobre a exclusão do estacionamento no trecho. Comerciantes alegam que a ciclovia, em vermelho no asfalto, poderá prejudicar os negócios.

*Colaborou Letícia Costa

VANESSA KANNENBERG* | LAJEADO




Em busca de local mais seguro para pedalar

Zero Hora fez um levantamento na quinta-feira, das 17h às 18h, em frente à maior escola de Lajeado, o Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, e contou nove ciclistas utilizando a ciclovia. Entre eles, três alunos do 5º ano do Castelinho, que afirmam utilizar bicicleta diariamente para ir à escola.

– Acho importante ter ciclovia porque é mais seguro. E mesmo tendo ciclovia, agora, já é difícil para a gente porque temos de desviar de carros que ficam em cima da faixa – conta Victor de Melo Santos, 10 anos.

Um desses veículos do qual Victor teve de desviar era conduzido por Marcos Reck, 37 anos, motorista de van escolar. Segundo ele, não há local seguro para recolher e desembarcar alunos em frente ao colégio, já que, após a calçada e a ciclovia, vem a rua de sentido duplo para carros. O estacionamento fica do lado oposto.

– Ou é em cima da ciclovia ou do outro lado da rua, o que seria perigoso para os alunos. Acho que o ideal seria mudá-la de lado ou colocar em outra rua – argumenta Reck.

Preocupado com esse e outros “conflitos viários”, o coordenador do Departamento de Trânsito da prefeitura de Lajeado, Euclides Rodrigues, afirma que um estudo deve ser feito para verificar em que locais a ciclovia oferece segurança aos ciclistas e onde poderia ser melhor utilizada.

– Sou a favor das ciclovias, sempre, pois mesmo que ainda não seja costume andar de bicicleta no município, é uma tendência mundial. Mas é preciso averiguar se as ciclofaixas existentes estão bem colocadas – avalia Rodrigues.

Com isso, ele admite, por exemplo, remover alguns trechos atuais da ciclovia e construir novos, em locais mais seguros para os ciclistas.

Um grupo de ciclistas do município, chamado de Pedalajeado, está mobilizado para buscar diálogo com o vereador. Em manifesto, os participantes pedem mais debate sobre a proposta. O grupo planeja participar da próxima sessão da Câmara para conhecer o projeto e, se houver espaço, manifestar a sua opinião.


Para especialista, uso de faixas deve ser apoiado

Atender à demanda crescente de carros com o traçado viário existente é algo visto como impossível pelo secretário-geral do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos. Para ele, cidades do Interior, como Lajeado, precisam incentivar a cultura já existente do uso da bicicleta, herança de colonizações como a alemã.

– Se começar a resolver atender ao veículo, cada vez mais veículos vão existir. O que vemos nas grandes cidades é a tendência de redução nas áreas centrais – comenta.

Ele aponta que há uma grande dificuldade de encontrar espaços disponíveis para a criação de ciclovias nas cidades. A substituição dos estacionamentos por faixas exclusivas para bicicletas faz parte de uma mudança de cultura, que na visão dele é essencial que ocorra.

– Precisamos imaginar como se estivéssemos fazendo uma reforma de casa, por exemplo. Não tem como desmanchar todo um tecido urbano já estabelecido para abrir e alargar vias. Tem de fazer uma escolha, ver se a prioridade é o veículo individual motorizado, o veículo coletivo ou a bicicleta – afirma.

Para o vereador da Capital Marcelo Sgarbossa (PT), esta é a grande decisão que os gestores devem tomar atualmente na questão da mobilidade urbana.

– Como a cultura está baseada nos automóveis, as ciclovias acabam não saindo – lamenta Sgarbossa.

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