domingo, 5 de fevereiro de 2012

CONTROLE PRECÁRIO


Detran já deixou de suspender 342 mil carteiras no Estado - HUMBERTO TREZZI, ZERO HORA 05/02/2012

Falta de servidores para iniciar processos previstos no Código de Trânsito faz com que a cada dia 67 gaúchos que deveriam ter habilitações suspensas continuem ao volante.

Nove itens do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelecem, como punição para o motorista que os infringir, a suspensão da carteira. Mas, por falta de pessoal para analisar tantas infrações, as autoridades gaúchas só punem quem burlar dois desses artigos: os que se referem à embriaguez ao volante e o de excesso de velocidade, ainda assim, apenas casos que chamam a atenção das autoridades.

As outras sete irregularidades cometidas permanecem sem o castigo previsto. E essa situação de impunidade se repete desde o advento do novo código, em 1998.Desde então, 342.616 motoristas deveriam ter a carteira de habilitação recolhida por terem afrontado algum destes sete artigos: 170 (dirigir ameaçando os pedestres), 173 (disputar corrida), 174 (competir com veículo na via pública), 175 (manobra perigosa), 176 (deixar de socorrer vítima, quando envolvido em acidente), 210 (furar barreira policial) e 244 (conduzir moto sem capacete, de faróis apagados ou levando criança menor de sete anos). Os infratores deveriam ter o documento suspenso, mas não tiveram. Foram punidos apenas com multa. O levantamento se refere a infrações, o que leva a crer que alguns motoristas escaparam da suspensão mesmo após reincidirem nas infrações. A estatística é do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Os números indicam que, nos últimos 14 anos, a cada dia, 67 condutores deixaram de ser devidamente punidos. Ficaram livres do castigo que os motoristas mais temem: o recolhimento da carteira, por período mínimo de 30 dias e máximo de 12 meses.

O Detran tem uma explicação para isso: por faltar servidores, tem de eleger prioridades – e as escolhidas são excesso de velocidade e embriaguez ao volante. Um terceiro tipo de irregularidade, não relacionada a artigos do código, também tem resultado em suspensão do documento: é quando o condutor atinge 20 pontos em um ano na carteira (várias infrações graves, por exemplo). O que leva à dedução de que muitos que não perderam a licença em decorrência de dirigir mal acabaram tendo o documento recolhido porque atingiram o limite de pontuações negativas.

– Até pode ser, mas a questão é que esses 342 mil não foram punidos como deveriam e pelas regras que infringiram. É um mau exemplo – critica o advogado e professor universitário André Luís Souza de Moura, que trabalha há 23 anos com Direito de Trânsito e foi auditor do Detran.

O presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), Jaime Pereira (que é técnico na área de trânsito há três décadas) também considera uma falha a ausência de suspensão da carteira nos artigos em que ela está prevista.

– Todo instrumento para reeducação, incluindo punições, é válido e necessário. Se o motorista entender que sua falha será punida com penalidade mais grave, é grande a probabilidade de que se sinta coagido a não cometer ou repetir a infração– resume.

O advogado Moura ressalta que não é apenas em relação a suspensões de carteira que as autoridades gaúchas deixaram de realizar o previsto em lei. O Código de Trânsito determina, para casos mais graves, a cassação direta da licença do motorista (por um a três anos ou até por tempo indeterminado). Isso acontece quando o condutor for reincidente na suspensão ou quando estiver conduzindo veículo mesmo com carteira suspensa. Ou, ainda, quando é condenado judicialmente por crime de trânsito.

Pois o Detran também nunca instaurou processos de cassação pelos artigos previstos no CTB (os mesmos da suspensão), desde 1998. Inexistem estatísticas sobre quantos deveriam ter sido cassados, mas a justificativa é a mesma referente às suspensões: falta de funcionários para analisar tantos processos. As cassações, quando ocorrem, são por condenação judicial.

Processos de cassação serão retroativos

O motorista que nos últimos cinco anos teve a carteira suspensa e, mesmo assim, foi flagrado dirigindo, pode se preparar para enfrentar um processo de cassação da sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Conforme a direção do Detran, as infrações que preveem a instauração do processo de cassação estão registradas no sistema informatizado e, tão logo seja possível, serão instaurados. Isso significa que os processos retroagirão a infrações cometidas nos últimos cinco anos.

A prioridade será dada aos casos em que o motorista foi flagrado dirigindo sem licença. Depois, poderão ser cassados quem teve a carteira suspensa por mais de uma vez.

Alessandro Barcellos, diretor-presidente do Detran, ressalta que, mesmo sem estarem sendo implantados todos os processos, o infrator é penalizado de diversas outras formas, seja pelo excesso de pontos, pelas infrações que levam à suspensão (velocidade e embriaguez, até agora) ou pelo não pagamento das multas:

– Além disso, o processo de suspensão aplicado atualmente leva o condutor ao curso de reciclagem e cobra uma prova teórica, além do tempo sem a CNH para cumprimento de pena. Ou seja, buscamos uma mudança de comportamento do condutor.

Com mais funcionários, rachas entrarão na mira

A Coordenadoria de Suspensão e Cassação do Detran conta hoje com 17 pessoas. A própria chefia do órgão estima que seriam necessários, no mínimo, 50 colaboradores para punir todas as infrações previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A situação já foi pior. Até 2009, o setor contava com aproximadamente cinco colaboradores.

A Assembleia Legislativa autorizou no final do ano passado ampliação do quadro de servidores da autarquia em 277 vagas e, com isso, a ideia é incrementar o número de punições. Isso já vem ocorrendo, informa o Detran. O número de suspensões por infração cresceu 93,3% entre 2010 e 2011. Já por pontuação aumentou 17,7%, na comparação desses dois anos.

Os próximos alvos do Detran na lista de infrações a serem punidas com suspensão são os rachas. A prática de disputar corridas e/ou exibir-se perigosamente ao volante em vias públicas está contemplada nos artigos 173, 174 e 175 do CTB.

Ainda está na lista de boas intenções da autarquia endurecer punições a motociclistas. Mais precisamente, a partir do segundo semestre. A ideia, por meio da linha dura, é tentar frear a mortandade desse tipo de condutor. Dos 342 mil casos passíveis de suspensão de carteira que ficaram impunes, nada menos do que 74% são de motociclistas (254 mil). Desde 1998, eles vêm sendo apenas multados pelos flagrantes de imprudência previstos no artigo. Jamais suspensos.


IMPUNIDADE - Conforme o Detran,de 2005 para cá, 74.241 suspensões de carteiras ocorreram no Rio Grande do Sul. Destas, 40.525 por infrações gravíssimas (velocidade e embriaguez ao volante) e 33.716 por excesso de pontos. No mesmo período, 236.758 infrações passíveis de suspensão, conforme outros sete artigos do CTB, ficaram impunes.

MORTES - A proporção de mortes de motociclistas no Estado é quase o dobro em comparação aos motoristas de automóveis. São 31,75 mortes a cada 100 mil condutores de motos, enquanto a mesma proporção, para motoristas de carros é de 17,14 mortes.

Artigo 176 - Este artigo pune condutas reprováveis em acidentes com vítima. É punido por ele quem deixa de prestar ou providenciar socorro ao acidentado, quem não preserva o local do acidente, quem não obedece à ordem de uma autoridade para remover seu veículo do local ou quem se nega a prestar informações às autoridades. 5.737 suspensões deixaram de ser aplicadas, 409
por ano.

Artigo 210 - Transpor, sem autorização, um bloqueio policial em uma via. 8.269 suspensões deixaram de ser aplicadas, 551 por ano.

Artigo 244 - O artigo lista infrações cometidas por condutores de motocicleta passíveis de suspensão da habilitação. São eles: não usar capacete e vestuário conforme especificado pelo Conselho Nacional de Trânsito, transportar passageiros sem capacete ou fora do assento, fazer malabarismos, andar com faróis apagados e transportar criança menor de sete anos ou sem condições de cuidar da sua própria segurança.

Artigo 244 - 254.669 suspensões deixaram de ser aplicadas,18.190 por ano.

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