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quarta-feira, 24 de agosto de 2011
ESTRADAS ESBURACADAS - DE QUEM É A CULPA?
COMO A ESTRADA RUIU. ERS-115 teve falhas de contrato e de fiscalização. Em meio a forte chuva, órgãos discordavam entre si sobre suas atribuições - MARCELO GONZATTO, ZERO HORA 24/08/2011
O impacto do deslizamento de terra que interrompeu uma das principais rodovias da Serra, a Três Coroas-Gramado (ERS-115) foi ampliado por falhas de contrato e de fiscalização. O acordo de concessão não prevê quem é responsável por recuperar danos desse tipo e, conforme a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs), um controle mais rigoroso poderia ter amenizado os transtornos.
A concessionária e o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), porém, culpam a chuva. Será necessário esperar cerca de três meses para recuperar o trecho. O professor do Departamento de Sistemas de Transportes da UFRGS João Fortini Albano considera esse prazo longo “como usuário”. Tecnicamente, porém, afirma que é preciso analisar variáveis como tecnologia, recursos e relevo.
Conforme a concessionária Brita Rodovias, a instabilidade do terreno e a complexidade do serviço exigem esse período. Mas a espera poderia ter sido encurtada, segundo o conselheiro-presidente da Agergs, Edmundo Fernandes da Silva. Durante quase dois meses, houve incerteza sobre quem faria a obra capaz de recuperar a via – governo ou empresa. Na semana passada, a Agergs determinou à Brita fazer o serviço.
– O contrato é omisso em alguns momentos. A empresa é obrigada a fazer manutenção, mas deveria haver previsão de quem é o responsável em casos como erosão, abalos – afirma.
Silva considera que, apesar dessa lacuna, o Daer deveria ter fiscalizado com mais rigor a via. Essa questão, porém, gera um jogo de empurra.
– Não é verdade. O monitoramento da estrada é feito pela concessionária, e isso vinha sendo feito. Em junho e julho choveu 300 milímetros. Se a culpa for de alguém, é do tempo – afirma o diretor de Operação Rodoviária do Daer, José Francisco Teixeira Pinto.
O geólogo Ivam Zanette observa que, normalmente, escorregamentos de terra são previsíveis, e os danos a rodovias, passíveis de prevenção.
– Como as obras de recuperação são difíceis, caras e nem sempre seguras, a melhor saída é prevenir – analisa.
Conforme a Agergs, o custo da obra pode chegar a R$ 3 milhões. O polo de Gramado teve receita bruta mensal de R$ 1,7 milhão no ano passado.
Lojas à beira da rodovia dão férias a funcionários - VANESSA FRANZOSI | SUCURSAL DA SERRA
Acostumados à parada de milhares de turistas que têm Gramado como destino, comerciantes das margens da ERS-115 em Igrejinha e Três Coroas comemoram quando um cliente entra na loja.
Desde a interdição da rodovia, há 13 dias, o movimento está reduzido pela metade, muitos lojistas deram férias a funcionários e há temor de demissões caso a passagem de carros na rodovia não volte à normalidade em breve.
Os comerciantes do Vale do Paranhana estimam que os prejuízos cheguem a R$ 1,25 milhão por semana. As cidades movimentadas no entorno da rodovia dependem dos turistas e moradores da Região Metropolitana que se deslocam para a Serra.
– A situação está muito difícil. Estamos pensando em ações conjuntas, mas está complicado trazer gente para cá – reclama a gerente comercial da Piccadilly, Adreane Nunes.
Das 23 funcionárias que trabalham na loja em Igrejinha, seis estão em férias por causa do baixo movimento. No domingo do Dia dos Pais, primeiro da interdição, a loja registrou queda de 60% nas vendas comparado com a data no ano passado. De lá para cá, a única van de turistas que parou na loja foi na segunda-feira. Houve comemoração pelos 15 clientes nordestinos.
À frente da loja, um dos postos de combustíveis mais movimentados da rodovia, e que tem um dos preços mais baixos do Estado, enfrenta problema maior. Dois dias antes da interdição do km 28, o posto assinou contrato de 20 anos para o fornecimento de uma quantidade de combustível que agora está demorando o dobro do tempo para ser comercializada.
– Estou montando um dossiê com as reportagens e documentos da interdição para entregar à Petrobras, e espero que sejam sensíveis. Estou descumprindo 50% do contrato por causa do baixo movimento, e eles poderiam tomar todo o meu patrimônio – teme o diretor da Abastec e das lojas Sapatus, Erni Guilherme Engelman.
Pedidos reduzidos e reforço dispensado
A angústia pelo pouco trabalho se alia às incertezas de quando a rodovia será liberada e de como será o movimento no final do ano, sempre de maiores vendas. Na loja de malhas Daiane, o estacionamento que geralmente está lotado de ônibus, comporta tranquilamente os poucos carros estacionados. Dentro da loja, cinco funcionárias tentam encontrar o que fazer sem os clientes. Elas seriam sete, mas uma foi deslocada à fábrica e outra está de férias. Outras cinco, que se juntariam a elas nos finais de semana para reforçar o quadro, já foram dispensadas.
– Já estamos trabalhando em menos gente e o pedido de tecidos para a confecção de novas peças foi reduzido em 20% para não acumular muitos produtos – explica a vendedora Rosângela Rech, que tem registrado queda de 50% nas vendas da loja desde a interdição da rodovia.
“Perdeu-se o controle da situação”. Eduardo Machado, diretor da Brita Rodovias
Zero Hora – Como pode uma rodovia tão importante ruir até ficar intransitável?
Eduardo Machado – A concessionária fez tudo o que estava ao alcance. Comunicou o problema com antecedência (às autoridades), mas a rodovia vinha apresentando um ritmo estável até junho. A partir da metade de junho, julho, com a chuva, perdeu-se o controle da situação.
ZH – Já havia perspectiva de chuva forte...
Machado – Mas não três vezes (acima do normal).
ZH – Já haviam surgido fissuras, chovia muito, por que não se começou obra?
Machado – Aí precisaria de uma autorização do poder concedente. Do Daer, passa pela Agergs também. Mas isso vinha sendo discutido.
ZH – E o que vinha sendo feito?
Machado – Começamos a fazer algumas obras para tentar diminuir carga, reconduzir água, tentar diminuir a degradação. Mas o volume de chuva foi muito grande, não deu tempo de fazer a obra.
ZH – De quem será o custo de reparação?
Machado – Isso já foi determinado pela Agergs. A concessionária faz a obra, mas depois tem direito ao reequilíbrio (econômico-financeiro, que pode resultar em aumento de tarifa, do prazo de concessão e/ou redução de incumbências), porque é obra não prevista em contrato.
“Tentamos a mediação, não houve acordo”. Edmundo da Silva, conselheiro-presidente da Agergs
Zero Hora – Por que não houve uma fiscalização que pudesse evitar essa situação?
Edmundo Fernandes da Silva – A Agergs vinha monitorando isso. Mas aspectos construtivos da estrada é o poder concedente que fiscaliza. Regulamos o polo de Gramado em aspectos como sinalização, queixas de usuários, indenizações. O Daer deveria ter fiscalizado e exigido (uma solução) há mais tempo, mas deixou rolar a coisa.
ZH – A Agergs não poderia ter feito nada?
Silva – Preocupados com o aspecto de segurança, há dois meses chamamos a Brita, o Daer e tentamos um processo de mediação. Não houve acordo. Aí partimos para arbitragem.
ZH – Não houve acordo sobre quem faria a obra?
Silva – Isso, então partimos para a arbitragem. Semana passada, chamamos a Brita à responsabilidade pela execução da obra e o Daer por deficiências no processo. Agora estamos juntando documentos para definir de quem é a responsabilidade e se pode haver sanção.
ZH – Mas não teria sido possível prevenir?
Silva – Houve problemas de construção. Os organismos responsáveis pela fiscalização deveriam ter sido mais atuantes e precisos. Se a Agergs tivesse poder de sanção pecuniária (poder de multar), quem sabe isso teria sido resolvido. Mas não temos.
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