quarta-feira, 12 de junho de 2013

VENDA DE CNH NO RS

ZERO HORA 12 de junho de 2013 | N° 17460

PERIGO NAS RUAS. Carteiras vendidas por até R$ 3 mil

Por propinas que oscilariam entre R$ 2 mil e R$ 3 mil, um suposto esquema de corrupção na emissão de carteiras de motorista teria dado licença para condutores despreparados saírem às ruas e colocarem em risco a segurança da população no Rio Grande do Sul.

As investigações da Operação Teseu da Polícia Civil, que ontem cumpriu 65 mandados de busca e apreensão em 24 cidades, levaram à suspeita de que pelo menos dois servidores do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) com cargo de chefia participavam das irregularidades.

Segundo informações preliminares, já que o inquérito está sob segredo de Justiça, alunos de Centros de Formação de Condutores (CFCs) pagariam suborno a examinadores do Detran para serem aprovados em exames teóricos e práticos. Em alguns casos, o dinheiro teria sido entregue a instrutores ou representantes de CFCs, que repassaram o valor aos servidores públicos. A operação, que também conduziu 28 suspeitos ou testemunhas para prestar depoimentos ontem, é fruto de uma investigação policial iniciada em 2011 a pedido do então presidente do Detran, Alessandro Barcellos, e conta com o apoio da atual diretoria.

– Somos investigadores dessa fraude, a corregedoria fez seu trabalho e repassou informações à polícia numa integração institucional – destaca o diretor-presidente do órgão, Leonardo Kauer.

Dois servidores são investigados

Não foi revelado o número de carteiras que teriam sido emitidas irregularmente. Mas, segundo Kauer, serão refeitos todos os exames sobre os quais a polícia lançar suspeita no decorrer das apurações. Em razão do segredo de Justiça, os delegados envolvidos no caso, Joerberth Nunes e Daniel Mendelski, preferem não dar detalhes da investigação. O trabalho envolveu a Delegacia Fazendária com apoio do Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos da polícia.

Zero Hora apurou que, entre os servidores públicos investigados, estão o então chefe de Divisão de Exames Teórico e Prático (Divex) do Detran, Carlos Augusto Grendene Langone, e Vanessa Gentil Zerbinatti Vitoria, que respondia pela Coordenadoria de Apoio Operacional da Divex.

Os dois são suspeitos de atuar na manutenção da chamada “rota” de examinadores, ou seja, fazer com que as mesmas pessoas aplicassem os testes sempre junto aos mesmos CFCs a fim de facilitar o funcionamento do suposto esquema. ZH tentou contato com Langone e Vanessa, mas não obteve retorno. Em nota, o Detran informou que “os servidores investigados, que estejam exercendo função de chefia, já estão sendo dispensados da designação, sem prejuízo da instauração de Processo Administrativo Disciplinar”. Para reduzir o risco de fraudes, a entidade pretende iniciar ainda este ano um novo sistema de exames práticos (veja quadro na página ao lado).

A Polícia Civil seguirá investigando suspeitas envolvendo outras irregularidades como a legalização de veículos sinistrados e a anulação fraudulenta de multas. Um despachante foi flagrado oferecendo a uma condutora a eliminação de multas, mas somente a análise de provas poderá confirmar a realização dessa prática.

ADRIANA IRION E MARCELO GONZATTO

A INVESTIGAÇÃO. Como a polícia trabalhou para chegar aos suspeitos

- A operação identificou como um dos problemas o fato de os mesmos examinadores serem mantidos nas mesmas rotas, ou seja, atuando frequentemente nos mesmos CFCs e com os mesmos instrutores.

- Isso, segundo a polícia, propiciaria a criação de laços e criaria ambiente para ilegalidades.

- Essa manutenção dos examinadores nas rotas ocorreria com o respaldo de chefias da Divisão de Exames Práticos e Teóricos do Detran.

- Conforme o ex-presidente da autarquia, Alessandro Barcellos, durante sua gestão, sempre houve orientação para a realização de rodízio entre os profissionais nas diversas rotas.

- Ainda assim, em relação aos investigados, era possível perceber que, quando se ambientavam na nova rota, retomavam as ações ilícitas.

- Segundo Barcellos, é fácil demitir examinadores, que são contratados emergencialmente, mas, neste caso, o ex-servidor fica sem responsabilização criminal. Ao sair do Detran, muitos passam a atuar junto a CFCs como despachantes ou até instrutores.

- O Estado tem hoje 274 CFCs e 13,7 mil credenciados. Como um mesmo profissional pode estar mais de uma vez credenciado, são 17,1 mil credenciamentos.


Situações absurdas durante a repetição de 23 exames

Durante o processo de investigação, policiais e a diretoria do Detran decidiram convocar 23 condutores suspeitos de haver pago pela carteira para refazer o exame. O que testemunharam provocou perplexidade e ilustrou o grau de perigo a que a venda das habilitações estava sujeitando outros usuários das vias públicas: somente um foi aprovado na repetição dos testes práticos.

Em um dos casos mais emblemáticos, um morador de Torres simplesmente não sabia o que fazer depois de entrar no carro. Em vez de girar a chave e colocar o automóvel em movimento, permaneceu sentado com aparente ar de perplexidade diante da profusão de controles da máquina. Em seguida, foi convidado a pilotar uma moto – veículo que também deveria dominar –, e caiu ao chão em vez de seguir em frente.

A lista de situações insólitas inclui ainda a renovação de carteiras. Um despachante já descredenciado pelo Detran teria ajudado uma mulher, aposentada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) devido a transtornos mentais, a revalidar a sua carteira de forma irregular. Isso teria sido feito com a participação de funcionários de um CFC e também é alvo de investigação.

Os absurdos sob investigação incluem ainda o caso de um instrutor de CFC da Capital que sugeriu a uma aluna oferecer propina à examinadora do Detran a fim de passar no teste prático. A servidora recusou a oferta de suborno e registrou o caso na polícia.


SUA SEGURANÇA | HUMBERTO TREZZI


A corrupção continuou

Os mais antigos lembram quando os testes de habilitação para conduzir veículos eram administrados pela Polícia Civil. Tirei minha primeira carteira com policiais civis conferindo. Aulas de trânsito não eram obrigatórias grande parte aprendia aos trancos, no carro do pai.

Na época, proliferavam informes de corrupção nas Ciretran, que eram as seções de trânsito existentes nas grandes delegacias. Zero Hora mesmo realizou a compra de uma carteira de motorista em nome de um morto, no final dos anos 1980. Muitos policiais foram demitidos por venda de documentos.

Tudo mudou em 1997, quando o governo Antônio Britto criou o novo Departamento Estadual de Trânsito (Detran), tirando dos policiais o monopólio dos exames de carteira e também dos depósitos de veículos rebocados. A promessa era de profissionalismo, com técnicos especializados realizando os exames, rigor na apuração das habilidades, depósitos limpos e sem mutretas... Como se vê, não foi bem assim. Além do desvio dos recursos do Detran por políticos, denunciado via Operação Rodin, Zero Hora flagrou em fotos, no ano passado, carros sendo depenados dentro de depósitos oficiais, uma antiga suspeita que acabou comprovada. Agora surge essa grande operação da Polícia Civil, mostrando graves indícios de acertos para facilitar aprovação de motoristas que nem sequer sabem engrenar a primeira marcha. Torna condutores assassinos em potencial, não custa dizer. Ressalva: é necessário elogiar a postura das autoridades. A presidência do Detran é quem iniciou a investigação.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Quando o trânsito estava em poder da polícia civil os serviços eram ótimos, os preços acessíveis e a corrupção muito menor do que é hoje, pois havia comprometimento com a demanda e punição para os corruptos. Hoje, os serviços são demorados, o custo é exorbitante e a corrupção é muito maior, pois os corruptos não são punidos. Cabe lembrar que, com aval da AL-RS e TJ-RS, até agora o Governo do RS não cumpre o dispositivo constitucional que passou os serviços de trânsito para a Brigada Militar (artigo 132 da Constituição do RS) desde a promulgação da lei maior do RS em 03 de outubro de 1989.





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