segunda-feira, 22 de junho de 2015

PONTES INSEGURAS NO RS

ZERO HORA 22/06/2015 - 04h03min

Precariedade de infraestrutura exige reformas em 30 pontes do Rio Grande do Sul. Estruturas velhas sem manutenção, excesso de carga nos caminhões e carência de técnicos nos órgãos responsáveis agravam situação de travessias no Estado

Por: Caio Cigana
*Colaborou Humberto Trezzi




Ponte Guarita, que liga duas cidades no Noroeste, é exemplo de precariedade e corre risco de sucumbir Foto: Diogo Zanatta / Especial


O descontrole sobre o estado das pontes no Rio Grande do Sul, agravado pela falta de fiscalização do excesso de carga nos caminhões, põe à prova a sorte de quem circula pelas estradas. Estruturas antigas sem manutenção, carência de técnicos nos órgãos responsáveis e verbas escassas se somam para potencializar o risco de quedas.

O caso mais recente no Estado é o da centenária ponte Júlio de Castilhos, em 31 de maio, em Jaguari, na Região Central. Sem suportar o peso de carreta bitrem, a travessia sucumbiu e reacendeu o alerta para a necessidade de medidas preventivas para melhorar as condições de segurança das pontes. A carência de técnicos no Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (Daer) é nítida: de 850 pontes e viadutos em vias estaduais, cerca de 60% ainda precisam passar por vistoria. Outro dado alarmante é que, das 317 estruturas já avaliadas, 30 precisam de intervenção urgente.


Atento à deficiência, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) promete começar a auditar no próximo mês os planos de manutenção de pontes do Daer, da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) e dos 497 municípios. A iniciativa dá prosseguimento a um levantamento tornado público em janeiro, cujo resultado demonstrou que o Daer e 10 municípios analisados, que compreendem um terço da população, não tinham um inventário completo das obras de arte sob sua reponsabilidade – pontes, viadutos e túneis –, plano completo de manutenção das estruturas ou informação como data da última vistoria.

Diante do quadro, foram enviados ofícios para os gestores avisando que estes pontos passarão a ser mais cobrados no ciclo anual de auditorias. Além da questão da segurança, as pontes são importantes para a atividade econômica e o desenvolvimento regional no Estado, observa o TCE.

– Comunicamos que faríamos este trabalho para que tomassem providências. Vamos olhar documentos comprobatórios de vistorias e ver se há no orçamento verba separada para reparos – exemplifica a auditora do TCE Andrea Mallmann, que prevê ter concluídas as auditorias em abril de 2016.

Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado (Crea-RS), Melvis Barrios Junior, o caso de Jaguari e outros de queda de pontes ocorridos no Estado nos últimos anos não são problemas pontuais.

– A situação é simples. Não existe manutenção nas pontes das rodovias estaduais e federais. As rodovias estão praticamente abandonadas, em péssimo estado de conservação. Essa si­tua­­ção só tende a se agravar e os levar a um colapso – diz Barrios, que também critica a falta de sinalização indicativa de capacidade de peso nas pontes.

Na avaliação do presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), Afrânio Kieling, o maior problema é que, com a escassez de recursos públicos, a infraestrutura do Estado e as pontes não acompanharam a evolução da frota, que tem veículos cada vez maiores.

Barrios aponta que, além da falta de recursos, os órgãos responsáveis têm carência de profissionais como engenheiros para fazer o diagnóstico da situação das obras de arte e a situação se agrava com a falta de fiscalização do excesso de peso nos caminhões. Hoje, Daer e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não têm nem sequer uma balança de pesagem funcionando no Estado. Para João Fortini Albano, professor de transporte da Escola de Engenharia da UFRGS, a fiscalização é primordial:

– O excesso de peso precisa ser fiscalizado porque provoca destruição acelerada dos pavimentos e, nas pontes, o colapso das estruturas.


A deficiência na fiscalização também pode ter sido fator determinante para a queda da ponte sobre o Rio Jacuí na RSC-287, entre Agudo e Restinga Seca, em 2010, que matou cinco pessoas. O fato fez o Crea-RS se mobilizar em torno de um projeto de lei que obrigava a realização periódica de vistoria nas obras de arte no Estado. A iniciativa acabou arquivada na Assembleia Legislativa no mesmo ano, mas agora a entidade promete voltar à carga para reavivar a proposta.

40 quilômetros a mais por um pilar rachado

Entre as 30 pontes em que foi detectada necessidade de reforma, duas estão na mesma via, a ERS-330, no Norte. Elas ficam entre Palmeira das Missões e Três Passos e apresentam problemas estruturais. A Ponte Guarita, metálica, está localizada no km 60 (entre a ERS-317, para Redentora, e a BR-468, para Três Passos), e a Ponte Taipa, de madeira, fica no km 120 (próxima ao acesso a Palmeira das Missões). As duas foram inspecionadas e tiveram sua rotina alterada pelo Daer. Cada uma tinha capacidade para suportar veículos com até 24 toneladas. Por questão de segurança – o Daer não revela quais os problemas –, foi proibida a passagem de veículos com mais de 10 toneladas.

Na Guarita, vigas de sustentação estão podres e com parafusos enferrujados. E um pilar de concreto, vital para apoio da estrutura, está rachado, o que justifica a redução do peso permitido aos veículos que cruzam por ela. O prefeito Derli da Silva Quadros, de Dois Irmãos das Missões, encabeça há meses tratativas para a melhoria da ponte. Inclusive disponibilizou um barco para que funcionários do Daer analisem o local, 20 dias atrás.

– O problema já acontece há dois anos. A redução do peso permitido na ponte dificulta escoamento da produção agrícola, já que as carretas dos cerealistas precisam fazer uma volta de 40 quilômetros para chegar no vizinho município de Redentora – reclama Derli.

O QUE O TCE QUER SABER

- Se há lista de pontes sob responsabilidade do órgão ou município e informações como localização e última vistoria realizada.
- Relação dos contratos de manutenção e detalhes como valores e prazos.
- Existência de plano de manutenção das obras e orçamento para estas construções.

Daer atua em duas frentes

Mesmo limitado pela crise financeira do Estado e com falta de pessoal, o Daer diz não estar paralisado. O diretor-geral da autarquia, Ricardo Nuñez, sustenta que duas iniciativas tentam melhorar o monitoramento das 850 obras de arte sob responsabilidade do departamento.

Em um primeiro momento, os especialistas do Daer sediados na Capital treinaram e passaram orientações para os engenheiros das 17 unidades regionais para uma vistoria superficial das estruturas. Das 850 pontes e viadutos, 317 já passaram, desde o início do ano, por esta análise inicial. Destas, em 115 pontes e um viaduto foram detectados possíveis problemas e foram revisados.

– Foi verificado que 30 precisavam de alguma intervenção. Algumas já ocorreram – diz o diretor-geral.

Em outra frente, o Daer promete usar parte do recursos do Banco Mundial obtidos no governo anterior para investimentos em infraestrutura e contratar empresa especializada com mergulhadores para verificar fundações e pilares de pontes, que ficam submersos. Devido à burocracia da licitação, o serviço deve ser executado apenas em 2016.

A carência de pessoal é outro gargalo para melhorar o monitoramento das pontes nas estradas estaduais. O Daer conta com 81 engenheiros, a metade do necessário, reconhece Nuñez.

– Especialistas em obras de arte temos dois ou três – admite.

Vistoria do departamento
- 850 pontes e viadutos sob sua responsabilidade
- 317 passaram por análise preliminar
- 116 aparentaram ter algum problema
- 30 precisavam de alguma intervenção

Balanças paradas no Estado


Posto de pesagem de veículos na Região Central é tomado de mato e, assim como outros 10 no RS, está desativado (Foto: Ronald Mendes, BD, 13/10/2014)

Outra ameaça às pontes, o excesso de carga está sem fiscalização nas balanças do Daer e do Dnit no Estado. No órgão federal, nenhum dos 11 postos de pesagem no Rio Grande do Sul está em funcionamento. O trabalho parou em todo o país em julho do ano passado, quando uma decisão judicial considerou irregular a contratação de trabalhadores terceirizados para executar o serviço, uma saída adotada para driblar a carência de pessoal.

Na tentativa de manter algum controle sobre o problema, em dezembro o Dnit licitou serviço de coleta de dados de veículos pesados, incluídos no Plano Nacional de Pesagem, com a previsão de 35 postos integrados automatizados de fiscalização. Destes, dois serão implantados no Estado, mas ainda estão na fase de elaboração do projeto básico: um na BR-158, entre Cruz Alta e Júlio de Castilhos, e outro na BR-472, entre Itaqui e São Borja.

O Dnit sustenta que, de forma mais automatizada, o novo sistema deve permitir a pesagem com os veículos em movimento e agilizar o processo de fiscalização.
A única balança do Daer, na RS-122, em Bom Princípio, também não está operando. A saída imaginada pela autarquia para apertar a fiscalização em vários pontos do Estado é organizar blitzes em parceria com o policiamento rodoviário.


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