quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

REVISAR A LEI DO CINTO PARA AUMENTAR A SEGURANÇA NO TRÂNSITO



ZERO HORA 08 de janeiro de 2015 | N° 18036


JULIANA BUBLITZ


TRANSPORTE MAIS SEGURO. Está na hora de revisar a lei?


USO DO CINTO de segurança em ônibus do tipo pinga-pinga deveria ser obrigatório, defendem especialistas. Regra que autoriza passageiros a viajar em pé também é questionada



Além de revolta e tristeza, o acidente com o ônibus 5382 da Unesul – que matou seis pessoas e deixou 27 feridas – traz à tona um debate que já não pode ser adiado. Por lei, o uso do cinto de segurança não é obrigatório nos veículos que fazem o transporte intermunicipal na modalidade “comum” – o famoso pinga-pinga. A questão é se não seria o caso de mudar as regras.

Autoridades são unânimes ao afirmar que o dispositivo de segurança poderia ter feito a diferença na tragédia em Glorinha, na tarde de terça-feira. Embora as poltronas do coletivo tivessem cinto, a maioria não utilizava o equipamento.

Se a falta de conscientização é um problema, a legislação também deixa a desejar. O recurso não é exigido nesse caso por distintas razões. Primeiro, porque os ônibus pinga-pinga são autorizados a levar passageiros em pé. Segundo, porque percorrem distâncias menores, fazem paradas e, teoricamente, circulam em baixa velocidade.

MUDANÇA PODERIA AUMENTAR A FROTA

Nada disso, na avaliação do chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Alessandro Castro, justifica a omissão. O agente diz que a PRF defende uma mudança radical e urgente na legislação.

– O uso do cinto deve ser obrigatório em todos os ônibus, e os passageiros devem ser responsabilizados caso desobedeçam a determinação. Se doer no bolso, ninguém vai deixar de usar. E mais: as viagens em pé precisam acabar – sintetiza Castro.

Ninguém discorda de que a segurança deve vir em primeiro lugar, mas o professor de transporte e trânsito da Unisinos João Hermes Junqueira faz uma ressalva. Na prática, a alteração viria acompanhada de alguns efeitos indesejados. Seria necessário que a sociedade abraçasse a causa.

– Se fosse proibido transportar passageiros em pé, as companhias teriam de colocar mais ônibus em circulação. Isso acarretaria em aumento nos custos e, consequentemente, nas tarifas – diz Junqueira.

O assessor da presidência do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do RS, Gilberto Toigo, engrossa a lista de restrições. Ele estima que a medida resultaria em um aumento de pelo menos 25% da frota em uso, o que contribuiria para entupir o sistema viário.

– Somos parceiros para mudar, desde que o objetivo seja apenas exigir o uso do cinto. Quanto a coibir o transporte em pé, consideramos inviável – afirma Toigo.

Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro, o deputado federal Hugo Leal (PROS-RJ) diz estar disposto a discutir o tema no Congresso.

– Só acho que mudar as normas não seria a solução. De nada adianta aumentar o rigor se não houver fiscalização – resume Leal.

O responsável pelo Comando Rodoviário da Brigada Militar, coronel Fernando Alberto Moreira, complementa: a decisão de usar ou não o cinto de segurança continuaria sendo do passageiro – e da sua consciência.

Colaboraram Bruna Vargas, Felipe Martini e Maurício Tonetto


Polícia avalia homicídio doloso


O motorista do ônibus da Unesul que tombou na terça-feira, Jeferson Padilha da Silva, 38 anos, deve ser indiciado por homicídio doloso (quando há intenção de matar). O delegado Anderson Spier trabalha com a tese de que o condutor estava atrasado e, por isso, corria no momento do acidente na ERS-030, em Glorinha.

Assim, segundo o delegado, teria assumido o risco de causar a morte de seis pessoas e deixar mais de 20 feridos. A marcação do tacógrafo do coletivo, segundo a polícia, seria superior a 100 km/h – o limite no trecho é de 60 km/h.

– Confirmamos os horários e verificamos que ele estava meia hora atrasado. Ele assumiu o risco de fazer uma bobagem por causa do atraso – diz o delegado.

O motorista prestou depoimento na tarde de terça-feira, logo após o acidente, quando negou estar dirigindo acima da velocidade permitida e disse ter ouvido um barulho de molas se rompendo antes do acidente, em uma curva da rodovia. Segundo o delegado, a perícia informou, preliminarmente, que todos os sistemas do ônibus estavam em perfeito estado de conservação.


Despedidas às vítimas


Em Gravataí e Santo Antônio da Patrulha, a quarta-feira foi de despedidas para familiares e amigos das seis pessoas que morreram no acidente com o ônibus da Unesul, na tarde de terça-feira.

Em um dos velórios, os corpos de mãe e filha ficaram lado a lado na capela do cemitério. Nair dos Santos Silva, 69 anos, e Priscila Silva Barbosa, 28, haviam ido a Gravataí para que a dona de casa pagasse uma conta. Na volta, marcariam uma consulta médica para Priscila, casada e mãe de uma menina de oito anos.

Amigos e vizinhos confortaram parentes e familiares. Em 2011, Matusalém da Silva Martins, 46 anos, um dos cinco filhos de Nair, foi vítima de uma colisão entre um carro e uma caminhonete na mesma rodovia em que tombou o coletivo.

Ainda em Santo Antônio da Patrulha, só que na igreja matriz, a comunidade se despediu de Irma Maria Christ, 81 anos, a irmã Cláudia. De seus quase 60 anos de vida religiosa, mais de 30 foram dedicados ao município, onde fundou a Pastoral da Criança, a primeira da região. O hábito de percorrer o Litoral em um Fusca para visitar famílias pobres lhe rendeu o apelido de “Irmã do Fuca”. Uma missa foi celebrada pelo bispo de Osório antes do enterro, no cemitério do município.

No dia do acidente, irmã Cláudia tinha ido a Porto Alegre para um exame de rotina – um câncer havia sido dignosticado anos atrás. Ao chegar no hospital, porém, descobriu que o procedimento não tinha sido autorizado. Retornou antes do previsto no pinga-pinga que costumava evitar, acompanhada de irmã Blandina. Uma das únicas passageiras do ônibus que usava o cinto de segurança, Blandina teve apenas ferimentos leves.




OUTROS MORTOS NO ACIDENTE
JOÃO BATISTA SANTOS DE ALMEIDA, 52 ANOS
Era passageiro assíduo das linhas de ônibus que ligam sua cidade, Gravataí, ao Litoral. Dono de uma oficina de conserto de máquina de costura e fogão a gás, circulava na região prestando atendimento em domicílio. Viúvo, casou-se novamente havia cerca de oito anos. Não tinha filhos.
CARMEM MARIA GERALDA DOS SANTOS, 57 ANOS
Enfermeira aposentada, será lembrada por sua família pela dedicação com todos que a cercavam. Natural de Santo Antônio da Patrulha, dedicou sua carreira a pacientes dos hospitais da região. Retornava de Porto Alegre, onde tinha uma consulta médica. Ela deixa uma filha, enteados, quatro netos e um bisneto.
TERESINHA ANTONIA AUGUSTIN, 52 ANOS
A funcionária de uma empresa de embalagens em Glorinha voltava de uma consulta médica em Gravataí. Conforme a Rádio Gaúcha, Teresinha estava ao telefone com o irmão no momento em que o ônibus tombou. Ao saber do acidente, ele foi até o local, onde recebeu mais tarde a informação de que a irmã estava entre as vítimas. Teresinha deixa marido e três filhas.


O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
Duas resoluções tratam do uso do cinto em ônibus intermunicipais
-A resolução nº 14, de 1998, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), diz que o uso do cinto não é obrigatório no caso dos ônibus nos quais é permitido transportar passageiros em pé.
-A resolução nº 5.755, de 2014, do Conselho de Tráfego do Daer, regulamenta o transporte de pessoas em pé nos ônibus da modalidade “comum” (pinga-pinga), limitando o número de passageiros e a extensão que eles pode percorrer sem sentar (até 75 km).

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