ZERO HORA 08 de janeiro de 2015 | N° 18036
JULIANA BUBLITZ
TRANSPORTE MAIS SEGURO. Está na hora de revisar a lei?
USO DO CINTO de segurança em ônibus do tipo pinga-pinga deveria ser obrigatório, defendem especialistas. Regra que autoriza passageiros a viajar em pé também é questionada
Além de revolta e tristeza, o acidente com o ônibus 5382 da Unesul – que matou seis pessoas e deixou 27 feridas – traz à tona um debate que já não pode ser adiado. Por lei, o uso do cinto de segurança não é obrigatório nos veículos que fazem o transporte intermunicipal na modalidade “comum” – o famoso pinga-pinga. A questão é se não seria o caso de mudar as regras.
Autoridades são unânimes ao afirmar que o dispositivo de segurança poderia ter feito a diferença na tragédia em Glorinha, na tarde de terça-feira. Embora as poltronas do coletivo tivessem cinto, a maioria não utilizava o equipamento.
Se a falta de conscientização é um problema, a legislação também deixa a desejar. O recurso não é exigido nesse caso por distintas razões. Primeiro, porque os ônibus pinga-pinga são autorizados a levar passageiros em pé. Segundo, porque percorrem distâncias menores, fazem paradas e, teoricamente, circulam em baixa velocidade.
MUDANÇA PODERIA AUMENTAR A FROTA
Nada disso, na avaliação do chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Alessandro Castro, justifica a omissão. O agente diz que a PRF defende uma mudança radical e urgente na legislação.
– O uso do cinto deve ser obrigatório em todos os ônibus, e os passageiros devem ser responsabilizados caso desobedeçam a determinação. Se doer no bolso, ninguém vai deixar de usar. E mais: as viagens em pé precisam acabar – sintetiza Castro.
Ninguém discorda de que a segurança deve vir em primeiro lugar, mas o professor de transporte e trânsito da Unisinos João Hermes Junqueira faz uma ressalva. Na prática, a alteração viria acompanhada de alguns efeitos indesejados. Seria necessário que a sociedade abraçasse a causa.
– Se fosse proibido transportar passageiros em pé, as companhias teriam de colocar mais ônibus em circulação. Isso acarretaria em aumento nos custos e, consequentemente, nas tarifas – diz Junqueira.
O assessor da presidência do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do RS, Gilberto Toigo, engrossa a lista de restrições. Ele estima que a medida resultaria em um aumento de pelo menos 25% da frota em uso, o que contribuiria para entupir o sistema viário.
– Somos parceiros para mudar, desde que o objetivo seja apenas exigir o uso do cinto. Quanto a coibir o transporte em pé, consideramos inviável – afirma Toigo.
Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro, o deputado federal Hugo Leal (PROS-RJ) diz estar disposto a discutir o tema no Congresso.
– Só acho que mudar as normas não seria a solução. De nada adianta aumentar o rigor se não houver fiscalização – resume Leal.
O responsável pelo Comando Rodoviário da Brigada Militar, coronel Fernando Alberto Moreira, complementa: a decisão de usar ou não o cinto de segurança continuaria sendo do passageiro – e da sua consciência.
Colaboraram Bruna Vargas, Felipe Martini e Maurício Tonetto
Polícia avalia homicídio doloso
O motorista do ônibus da Unesul que tombou na terça-feira, Jeferson Padilha da Silva, 38 anos, deve ser indiciado por homicídio doloso (quando há intenção de matar). O delegado Anderson Spier trabalha com a tese de que o condutor estava atrasado e, por isso, corria no momento do acidente na ERS-030, em Glorinha.
Assim, segundo o delegado, teria assumido o risco de causar a morte de seis pessoas e deixar mais de 20 feridos. A marcação do tacógrafo do coletivo, segundo a polícia, seria superior a 100 km/h – o limite no trecho é de 60 km/h.
– Confirmamos os horários e verificamos que ele estava meia hora atrasado. Ele assumiu o risco de fazer uma bobagem por causa do atraso – diz o delegado.
O motorista prestou depoimento na tarde de terça-feira, logo após o acidente, quando negou estar dirigindo acima da velocidade permitida e disse ter ouvido um barulho de molas se rompendo antes do acidente, em uma curva da rodovia. Segundo o delegado, a perícia informou, preliminarmente, que todos os sistemas do ônibus estavam em perfeito estado de conservação.
Despedidas às vítimas
Em Gravataí e Santo Antônio da Patrulha, a quarta-feira foi de despedidas para familiares e amigos das seis pessoas que morreram no acidente com o ônibus da Unesul, na tarde de terça-feira.
Em um dos velórios, os corpos de mãe e filha ficaram lado a lado na capela do cemitério. Nair dos Santos Silva, 69 anos, e Priscila Silva Barbosa, 28, haviam ido a Gravataí para que a dona de casa pagasse uma conta. Na volta, marcariam uma consulta médica para Priscila, casada e mãe de uma menina de oito anos.
Amigos e vizinhos confortaram parentes e familiares. Em 2011, Matusalém da Silva Martins, 46 anos, um dos cinco filhos de Nair, foi vítima de uma colisão entre um carro e uma caminhonete na mesma rodovia em que tombou o coletivo.
Ainda em Santo Antônio da Patrulha, só que na igreja matriz, a comunidade se despediu de Irma Maria Christ, 81 anos, a irmã Cláudia. De seus quase 60 anos de vida religiosa, mais de 30 foram dedicados ao município, onde fundou a Pastoral da Criança, a primeira da região. O hábito de percorrer o Litoral em um Fusca para visitar famílias pobres lhe rendeu o apelido de “Irmã do Fuca”. Uma missa foi celebrada pelo bispo de Osório antes do enterro, no cemitério do município.
No dia do acidente, irmã Cláudia tinha ido a Porto Alegre para um exame de rotina – um câncer havia sido dignosticado anos atrás. Ao chegar no hospital, porém, descobriu que o procedimento não tinha sido autorizado. Retornou antes do previsto no pinga-pinga que costumava evitar, acompanhada de irmã Blandina. Uma das únicas passageiras do ônibus que usava o cinto de segurança, Blandina teve apenas ferimentos leves.
OUTROS MORTOS NO ACIDENTE |
JOÃO BATISTA SANTOS DE ALMEIDA, 52 ANOS |
Era passageiro assíduo das linhas de ônibus que ligam sua cidade, Gravataí, ao Litoral. Dono de uma oficina de conserto de máquina de costura e fogão a gás, circulava na região prestando atendimento em domicílio. Viúvo, casou-se novamente havia cerca de oito anos. Não tinha filhos. |
CARMEM MARIA GERALDA DOS SANTOS, 57 ANOS |
Enfermeira aposentada, será lembrada por sua família pela dedicação com todos que a cercavam. Natural de Santo Antônio da Patrulha, dedicou sua carreira a pacientes dos hospitais da região. Retornava de Porto Alegre, onde tinha uma consulta médica. Ela deixa uma filha, enteados, quatro netos e um bisneto. |
TERESINHA ANTONIA AUGUSTIN, 52 ANOS |
A funcionária de uma empresa de embalagens em Glorinha voltava de uma consulta médica em Gravataí. Conforme a Rádio Gaúcha, Teresinha estava ao telefone com o irmão no momento em que o ônibus tombou. Ao saber do acidente, ele foi até o local, onde recebeu mais tarde a informação de que a irmã estava entre as vítimas. Teresinha deixa marido e três filhas. |
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO |
Duas resoluções tratam do uso do cinto em ônibus intermunicipais |
-A resolução nº 14, de 1998, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), diz que o uso do cinto não é obrigatório no caso dos ônibus nos quais é permitido transportar passageiros em pé. |
-A resolução nº 5.755, de 2014, do Conselho de Tráfego do Daer, regulamenta o transporte de pessoas em pé nos ônibus da modalidade “comum” (pinga-pinga), limitando o número de passageiros e a extensão que eles pode percorrer sem sentar (até 75 km). |
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