terça-feira, 6 de setembro de 2011

INIMIGO ENGARRAFADO

Leis ampliam o cerco ao álcool - CARLOS ETCHICHURY E JULIANA BUBLITZ, ZERO HORA 06/09/2011

Dentro de um movimento de endurecimento à venda e o consumo de bebidas alcoólicas no país, uma iniciativa gaúcha deve atingir pais e responsáveis que deixam crianças e adolescentes beberem em sua companhia. Enquanto isso, um projeto de lei nacional quer impedir que se leve bebidas alcoólicas na cabine de carros
Novas medidas em discussão no país prometem restringir o consumo desmedido de álcool entre os brasileiros.

Na mesma semana em que deputados federais aprovaram um projeto de lei para proibir o transporte de bebidas alcoólicas nas cabines de veículos, um grupo de gaúchos começou a discutir ações para coibir a venda de produtos do tipo a crianças e adolescentes no Estado – incluindo multa a pais e comerciantes condescendentes.

Liderada pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, a equipe multidisciplinar deve apresentar um projeto de lei sobre o tema no fim deste mês. A mobilização foi desencadeada por um e-mail enviado pelo colunista David Coimbra ao governador Tarso Genro, sugerindo a adoção de sanções semelhantes às propostas em São Paulo.

Em agosto, o governo paulista encaminhou um projeto à Assembleia Legislativa para impor multas de até R$ 87,2 mil e interdição de 30 dias a pontos comerciais flagrados vendendo, oferecendo ou permitindo o consumo de álcool entre menores de 18 anos.

– A experiência de São Paulo está nos servindo de inspiração, mas queremos ir além. Queremos que a nossa lei seja mais abrangente – diz o diretor do Departamento de Políticas Públicas sobre Drogas da secretaria, Solimar Amaro, que coordena o grupo.

A iniciativa gaúcha, segundo o diretor, deve atingir também pais e responsáveis – o que não ocorre no caso paulista. Por exemplo: se uma criança for flagrada bebendo cerveja em um restaurante na presença de um parente, o familiar poderá ser advertido e multado. Em São Paulo, caso a lei seja aprovada, apenas o proprietário do local é responsabilizado.

Projeto de lei restringe bebida ao porta-malas

A multa em dinheiro, cujo valor segue em discussão, não será a única reprimenda. A intenção é que os infratores também sejam obrigados, por exemplo, a frequentar cursos sobre o assunto.

– Estamos tentando formatar um projeto que não seja só punitivo, mas também educativo – explica o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Fabiano Pereira.

Por enquanto, não se chegou a um consenso sobre como será feita a fiscalização, caso a ideia vire lei. De acordo com Amaro, caberá à sociedade ajudar na tarefa, acionando órgãos como Conselho Tutelar e Brigada Militar sempre que observar irregularidades.

Em âmbito nacional, uma outra medida em debate pode contribuir para frear o consumo de álcool entre a população, só que ao volante. Apresentado pelo ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, quando ainda era senador, o projeto de lei número 7.050, de 2002, quer impedir que bebidas alcoólicas sejam levadas na cabine de veículos, onde ficam o motorista e os passageiros. O não cumprimento da medida irá configurar infração gravíssima, com multa de R$ 191,44 e sete pontos na carteira.

Na prática, isso significa que, para carregar cerveja no automóvel, o condutor terá de obrigatoriamente guardá-la no porta-malas. No texto do autor, não foram especificados detalhes – se haverá diferença entre carregar garrafas lacradas e abertas, por exemplo, e se os passageiros também serão impedidos.

O projeto já foi aprovado pelas comissões de Constituição e Justiça e de Viação e Transportes da Câmara. Por ter caráter conclusivo, ela não precisa ser votada em plenário quando não é contestada. Um dos relatores foi o deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE), que deu parecer favorável à novidade:

– A proibição pode ter reflexos positivos na prevenção de acidentes de trânsito.

A partir de agora, a proposta volta ao Senado e ainda precisa ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff para virar lei.


Especialistas preferem cautela

Os recentes avanços do Brasil na redução do consumo de álcool, sobretudo entre adolescentes e jovens, ainda são tímidos de acordo com pesquisadores e especialistas.

Para o psiquiatra Flavio Pechansky, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do departamento de psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as novas ações são válidas desde que inseridas num contexto maior de restrição ao consumo de álcool.

– Agora, isoladamente, pode cair numa zona do vazio – diz o diretor do centro sediado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Na intepretação de Pechansky, seriam bem-vindas medidas simples e complementares, como habilitar policiais a realizar testes clínicos de embriaguez naqueles motoristas que se negam a soprar o bafômetro, proibir a venda para quem já esteja embriagado e limitar a comercialização de álcool a estabelecimentos autorizados.

Diretor do Instituto de Saúde Mental do Hospital Mãe de Deus, o psiquiatra Sérgio de Paula Ramos, acredita que a iniciativa de frear a venda de álcool para adolescentes, em discussão no Estado, pode ajudar a reverter uma pecha que aflige os gaúchos.

– Este projeto em discussão é importante porque o Rio Grande do Sul está ficando com a pecha de Estado inconsequente, de pessoas que não se preocupam com a adolescência.

Coordenadora do Departamento de Dependência Química da Associação de Psiquiatria do Estado, a psiquiatra Carla Bicca sintetiza ao analisar o projeto de lei que obriga o transporte de bebidas alcoólicas no bagageiro:

– É uma medida pequena, um passo inicial. É uma discussão muito complexa, porque a indústria do álcool é difícil de ser enfrentada. Mas pode ajudar a reduzir o consumo de um modo geral e, também, diminuir o número de acidentes.


Estudo internacional

Referência internacional em políticas sobre o álcool, o livro-relatório Álcool: Um Commodity Diferente – Pesquisa e Políticas Públicas chega a conclusões interessantes após analisar casos de todo o mundo, algumas polêmicas. Confira algumas:

10 MAIS EFICIENTES:

As seguintes 10 políticas públicas se destacam como as melhores práticas para combater o abuso com o álcool:

- idade mínima legal de compra regulamentada pelo governo;
- vendas de bebida restritas ao varejo especializado;
- restrições sobre horas ou dias de venda;
- restrições sobre a quantidade de consumo permitida;
- impostos sobre o álcool;
- obrigação de estar sóbrio em blitze;
- baixa tolerância a percentagem de álcool no sangue de motoristas;
- suspensão da habilitação para dirigir;
- habilitação gradativa para novos condutores e
- intervenções breves sobre bebedores em um grupo de risco de alcoolismo.

JOVENS AO VOLANTE:

Em geral, os condutores jovens (adolescentes entre 16 e 20 anos de idade) estão em maior risco para acidentes de trânsito, especialmente com o álcool envolvido, resultado de sua pouca experiência ao volante e sua tendência de beber demais. Tradicionais medidas preventivas como a formação dos motoristas e programas de educação são ineficazes ou produziram resultados inconclusivos. Uma medida eficaz é a uso de habilitação “gradativa” para novos condutores, o que limita o tempo e outras condições de condução durante os primeiros anos de habilitação.

PREÇO X CONSUMO:

Evidências sugerem que os preços do álcool têm um efeito sobre o nível de consumo. Consumidores de bebidas alcoólicas aumentam o seu consumo quando os preços são reduzidos, e diminuem seu consumo quando os preços sobem. Parece não haver exceção à esta regra entre alcoólatras ou bebedores frequentes. Além disso, estudos econômicos mostram que aumento dos impostos de bebidas alcoólicas e dos preços são relacionados a reduções de problemas relacionados ao álcool. Apesar desses achados, o preço real de bebidas alcoólicas tem diminuído em muitos países ao longo dos últimos 50 anos.

ALERTAS EM RÓTULOS: A contrapropaganda envolve divulgação de informações sobre um produto, seus efeitos e da indústria que o promove, a fim de diminuir o seu apelo e uso. Táticas incluem alertas nos rótulos e embalagens dos produtos, tais como aqueles que explicam que o álcool pode causar defeitos de nascimento quando consumidos durante a gravidez. Embora uma proporção significativa da população relata ver estas etiquetas de advertência, a pesquisa indica que a exposição não produz alterações no comportamento de beber em si. Quando efeitos positivos são encontrados, eles não persistem.

O CERCO NA PRÁTICA

Desde 2008, medidas que restringem o consumo do álcool a diferentes públicos vêm sendo aplicadas ou ao menos discutidas. Veja alguns avanços:

MEDIDAS APLICADAS

Publicidade restrita - O Conselho Nacional de Auto- regulamentação Publicitária (Conar) colocou em prática, em fevereiro de 2008, uma série de restrições à propaganda de álcool. Além da limitação de horário – entre 21h30min e 6h –, ficou proibido associar a bebida a personagens infantilizados (como animações), apelar à sensualide ou vincular a medida ao desempenho em uma profissão. Em relação a esportes, ficou proibido “utilizar uniforme de esporte olímpico como suporte” a uma marca.

Proibição em rodovias - Em 1º de fevereiro de 2008, uma medida provisória proibiu a venda e a exposição de bebidas em estabelecimentos localizados a até 60 metros das rodovias da União. Os pontos comerciais também foram obrigados a exibir avisos impressos sobre a proibição e a fornecer o número da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para denúncias. Em 20 de maio do mesmo ano, o Senado liberou a venda de álcool nas “áreas rurais das BRs”, o que tornou a medida menos eficiente.

Lei seca - A partir do pressuposto de que não há quantidade de álcool segura para uma pessoa ao volante, entrou em vigor em junho de 2008 a Lei Seca, que diminui a quase zero a percentagem de álcool permitida no sangue (0,2 grama por litro) e criou punições que vão de multa a prisão e perda da habilitação. Amparadas pela legislação, surgiram as blitze e iniciativas como o Balada Segura, que em 2011 realizou 155 operações no Estado, flagrando 357 motoristas alcoolizados.

MEDIDAS PLANEJADAS

Transporte em cabines - Em tramitação no Congresso desde 2002, foi aprovada na Câmara lei que proíbe o transporte de bebidas alcóolicas na cabine de veículos, o que passa a ser considerado “infração gravíssima”. Embora o texto da lei não esteja detalhado em aspectos como o valor da multa ao infrator, a medida visa a coibir práticas como o “esquenta”, em que há consumo de bebida em torno de um veículo antes ou durante o deslocamento de um grupo para uma festa.

Comércio responsável - A fim de combater o consumo de álcool entre crianças e adolescentes, o governo do Estado de São Paulo enviou ao Legislativo um projeto que prevê responsabilizar donos de estabelecimentos comerciais caso menores sejam flagrados consumindo bebidas nos locais, e prevendo punições como multa de até R$ 87 mil. O Rio Grande do Sul discute uma lei que iria ainda mais longe: prevê punição aos pais caso o filho menor de idade esteja bebendo em sua companhia.

Tributação extra - A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, se manifestaram favoráveis ao aumento da tributação sobre a bebida. O ministro defende ainda a criação de um fundo para a Saúde que recolheria parte da tributação sobre cigarros, álcool e veículos. Mesmo que o fundo não saia do papel, as bebidas podem em breve seguir o caminho do cigarro, que a partir de dezembro fica 20% mais caro por conta do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

PONTOS INTOCADOS

Punição rigorosa - Embora a lei tenha ficado mais rigorosa para motoristas flagrados alcoolizados após a Lei Seca, de 2008, ela ainda é branda no Brasil em relação a crimes de trânsito de maior gravidade. Mesmo que um motorista seja condenado por homicídio culposo (sem a intenção de matar) por causar acidentes com vítimas fatais, é insignificante a percentagem de motoristas que de fato cumprem pena em cadeias por essas mortes, em geral reduzida a multa e medidas alternativas.

Revista policial - Simples e eficientes, testes utilizados em larga escala por policiais em países como Canadá, Austrália e Grã-Bretanha para identificar motoristas alcoolizados não estão entre os procedimentos utilizados por policiais brasilieros. Tratam-se de gestos como levantar o pé direito e caminhar em linha. O que impede a aplicação no Brasil é a mesma restrição que dificulta a obrigatoriedade do teste do bafômetro: segundo a Constituição, ninguém é obrigado a criar provas contra si mesmo.

Restrições à venda - Duas medidas relativas à venda ainda não viraram lei no Brasil. Uma delas é a proibição de venda de bebida para pessoas que já estejam alcoolizadas, medida que atingiria diretamente atendentes de bares ou casas noturnas, hoje isentos de responsabilidade. Outra medida é a restrição da venda de bebidas a lojas especializadas, como ocorre no Canadá em alguns Estados americanos. Ela impede o consumo de álcool por impulso ou por hábito em meio a outros produtos.

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