quinta-feira, 14 de maio de 2015

IMPUNIDADE COM QUEM MATA



ZERO HORA 14 de maio de 2015 | N° 18162


FÊCRIS VASCONCELLOS



Da última vez em que eu vi o Bruno, ele me acalmava o choro de uma despedida que deveria ter prazo de validade dizendo: “Calma, seis meses passam rápido”. Ainda entre soluços, eu respondi “mas muita coisa acontece em seis meses”. Numa das raras vezes em que eu preferia estar errada, infelizmente, muito aconteceu e nã tornamos a nos ver. Sua vida de garoto de vinte e poucos anos, alegre, fã de Beatles, inteligente e gentil, teve fim pelas mãos de um taxista que furava o sinal vermelho da Avenida João Pessoa em alta velocidade num final de tarde ensolarado de sábado.

Contudo, numa das não raras vezes em que eu preferia estar certa, nada aconteceu em seis meses. E nada aconteceu também nos oito anos que se passaram desde então. Quero pedir desculpas aos pais e à irmã do Bruno por tocar novamente nessa dolorosa ferida – que pulsa em mim toda vez que eu vejo alguém de bicicleta na rua, ouço uma das músicas que a gente gostava ou passo na Rua da República, onde tantas vezes nos encontramos –, mas ao ler uma matéria como a publicada em ZH no dia 12 de maio (13 no jornal impresso), que mostra como um taxista que já matou três pessoas no trânsito segue trabalhando como taxista livremente, sinto a impunidade e a dor esfregadas na minha cara. Sinto meu coração despedaçado. Nada, absolutamente nada resultou da morte do meu querido amigo.

É o que a gente pensa quando perde alguém dessa maneira brutal: “Tomara que isso abra os olhos da sociedade e das autoridades para que ninguém mais morra desse jeito”. Errado. Nada acontece. Gente como o Bruno e o Joel – artista e arquiteto da Capital, atropelado perto do aeroporto, cuja morte mobilizou a cidade – segue morrendo e gente como esse taxista ou o que matou o meu amigo segue impunemente carregando nossos familiares e amigos pela rua, destruindo nossos corações e nossas esperanças de que finalmente algo vai acontecer. Mas nada vai.

As brechas na legislação, que permitem que motoristas imprudentes matem no trânsito e sigam livres de punição mais severa, fazem com que haja uma permissão para matar no Brasil. O carro tem o poder de matar alguém. Dirigi-lo com irresponsabilidade, desrespeitando limites e sob o efeito de drogas que colocam a vida de outras pessoas em risco, deveria ser punido com mais rigor. E quem mata no trânsito por consequência dessa imprudência deveria ser punido como quem sai na rua assumindo o risco de matar alguém.

Mas eu estava muito errada. Nada acontece em seis meses.

Editora de Entretenimento e Vida&Estilo de ZH Digital

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