22 de setembro de 2012 | 0h 05
Para STJ, quem entrega carro a bêbado pode responder por homicídio doloso. 5ª turma diz que, em caso de morte, o simples repasse de chave caracterizaria coautoria; para os especialistas, é um avanço à lei seca
Bruno Ribeiro e Luísa Melo - Especial para o Estado
SÃO PAULO - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, ao analisar um caso de morte no trânsito, que o simples ato de entregar a chave de um veículo para um motorista alcoolizado pode caracterizar homicídio qualificado com dolo eventual - quando a pessoa assume o risco de provocar uma morte, mesmo sem intenção. Conforme especialistas, na prática estabeleceu-se um avanço na lei seca, punindo até manobristas ou qualquer pessoa que coloque um embriagado ao volante.
A decisão, da 5.ª turma do STJ, foi tomada durante julgamento de um pedido de habeas corpus de um médico de 42 anos, de Pernambuco, que emprestou seu Toyota Corolla para uma amiga. O caso foi na madrugada de 2 de fevereiro de 2010. Ambos tinham ingerido álcool e o acidente foi logo depois de ele deixar de dirigir e passar a condução do carro para a amiga.
De acordo com o relatório da ministra Laurita Vaz, a defesa do dono do carro argumentou que o médico estava sendo acusado incorretamente. Ele teria cometido só uma infração ao artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro - emprestar o carro a alguém embriagado - e não o homicídio qualificado. Por isso, pedia o habeas corpus para trancar o processo.
Ainda segundo o relatório, o Tribunal de Justiça de Pernambuco usou o artigo 41 do Código Processual Penal - que determina como as acusações à Justiça devem ser feitas, com exposição do ato criminoso, identificação do acusado, a classificação do crime e, se for possível, quem são as testemunhas - para validar a denúncia do Ministério Público.
O STJ seguiu esse entendimento e negou o habeas corpus. "O réu defende-se dos fatos objetivamente descritos na denúncia e não da qualificação jurídica atribuída pelo Ministério Público ao fato delituoso", disse a relatora. "Ressalto que se deve evitar o entendimento demagógico de que qualquer acidente de trânsito que resulte em morte configura homicídio doloso, dando elasticidade ao conceito de dolo eventual absolutamente contrária à melhor exegese do Direito", afirmou também a ministra Vaz. No entanto, ressalta que no caso do médico as circunstâncias do acidente podem, sim, caracterizar o dolo eventual.
Repercussão. Advogados especialistas em Direito do trânsito ouvidos pelo Estado concordam com a decisão do STJ . "Sou até a favor da prisão em flagrante de quem entrega as chaves de um veículo a uma pessoa que está alcoolizada", diz o presidente da comissão de trânsito da OAB de São Paulo, Maurício Januzzi.
O advogado especialista em trânsito, Marcos Pantaleão, explica que emprestar o carro para alguém bêbado já é crime previsto no Código de Trânsito, mas que a decisão do STJ de considerar o crime como homicídio qualificado com dolo eventual pode facilitar a punição. "A decisão trabalha com a coautoria do crime. Se uma pessoa habilitada percebe que a outra não está em condições de dirigir, ela tem a obrigação de assumir a direção. E, quando ela não assume e acontece um acidente, também é responsável", afirma.
A novidade pode trazer ainda, segundo os especialistas, um avanço importante à lei seca. "Com certeza vão diminuir acidentes de trânsito se, por exemplo, houver fiscalização em bares e restaurantes para evitar que manobristas entreguem chaves dos veículos para clientes alcoolizados", ressalta Januzzi.
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